Legado social da Copa

10/10/2010 09:43

A realização da Copa do Mundo está provocando preocupações que passam ao largo de trânsito, estrutura, estádio e demais termos concretos que têm povoado as conversas sobre 2014 na Capital. Estudiosos e autoridades da área de assistência social estão cobrando que o governo estude urgentemente uma questão mais abstrata e complexa, que diz respeito a danos sem precedentes à cidade se não devidamente monitorada: o impacto social que a chegada e a movimentação de um contingente ainda não calculado de pessoas podem causar em Cuiabá.

Uma história hipotética dá uma noção do que pode ser este impacto social. Um sujeito de uma cidade qualquer, mato-grossense ou não, vem a Cuiabá em busca das oportunidades da Copa. Desqualificado, não consegue emprego e vai perdendo seu dinheiro até se ver na rua. Ou o mesmo sujeito até consegue emprego, mas, pela efemeridade dos negócios gerados pela Copa, fica desempregado, incapaz de voltar à sua terra.

Este processo desencadeia uma série de situações que oneram a saúde, a segurança pública, a educação e diversos outros serviços públicos, segundo o membro do Fórum pela Erradicação do Trabalho Infantil, Néio Lúcio Monteiro Lima. Alguns dos efeitos imediatos são afavelamento, grilagem, invasão de áreas de risco. A situação financeira pode acarretar o esfacelamento das famílias, propiciando mais alcoolismo e consumo de drogas, inserção dos jovens no crime, violência, abusos sexuais (especialmente contra crianças e adolescentes), abortos de alto risco e gravidez  indesejadas. “Em termos de obras, todos estão contentes, mas e as questões sociais? A saúde, a educação, os transportes, a habitação estão preparados?”, questiona, cobrando do Estado, na figura da Agecopa, estudos de impacto social – tal como se fazem estudos de impacto ambiental antes de grandes obras.

Para o sociólogo Naldson Ramos, do Núcleo de Estudos da Violência da UFMT, até agora nada de eficaz foi apresentado como medida preventiva às consequências da população flutuante da Copa e nos preparativos. Ele desconfia que as políticas públicas não sejam eficazes. “O cronograma já está atrasado”, opina, referindo-se aos estudos prévios do impacto e considerando que a atual estrutura em segurança pública e saúde, por exemplo, já não basta sequer para as demandas locais.

É o que enfatiza o promotor de Infância e Juventude José Antônio Borges: a estrutura de amparo em Cuiabá está quebrada. E ele chama atenção para os comportamentos de risco protagonizados pela população flutuante, como os trabalhadores forasteiros que procuram crianças e adolescentes para manter relações sexuais. Borges diz que já ocorreram episódios assim este ano com operários do Verdão, que pode acabar gerando crianças que ficarão sem creches, só para citar uma carência.

E esse impacto social já ocorre, conta a assistente social Josiane Gonçalves, do programa municipal Abordagem Solidária – cujo centro de triagem oferece abrigo a pessoas em situação de risco. Como exemplo, ela diz que pessoas vindas de todos os cantos do país já lotaram os três abrigos mantidos pela prefeitura. Já um sinal de que a migração sazonal está em curso é o fato de que a Casa do Migrante – mantida pela prefeitura e a Igreja Católica – recebeu em janeiro 25 pessoas frustradas com oportunidades ligadas à Copa, que só acontece em 2014.

METAS – O Estado não possui um estudo específico sobre os impactos sociais do Mundial, segundo o diretor de Planejamento da Agecopa, Yênes Magalhães. Mas ele informou que parcerias com cada secretaria estadual farão, em até 60 dias, prognósticos de cada área de governo (saúde, segurança pública, etc.) com planos de metas que a Agecopa monitorará até 2014 para evitar colapsos. Os contratos de gestão para esses grupos de trabalho ainda não têm data para ser assinados.

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Copa 2014