08/01/2011 10:04
A primeira semana de governo da presidente Dilma Rousseff confirmou as expectativas dos que apostavam que, apesar de o governo ser de continuidade, o estilo da presidente e de seu antecessor no mais alto posto da República, Luiz Inácio Lula da Silva, serão bem diferentes.
A começar pela pontualidade. Em seus oito anos de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou conhecido pelo ritmo “de peão” de trabalho – sua agenda começava cedo e terminava tarde. Ficou conhecido também pelos atrasos, causados, muitas vezes, pelo excesso de compromissos.
Em sua primeira semana no governo, Dilma manteve o ritmo intenso – ela teve o seu primeiro compromisso já às 9h30 da manhã do domingo (2), quando os brasileiros ainda se recuperavam das festas de Réveillon. Apesar do acúmulo de compromissos, ela manteve e exigiu pontualidade nos encontros.
A cobrança para que os horários sejam cumpridos é a mesma em relação ao conteúdo das reuniões. Dilma exige interlocutores preparados para os encontros, com dados organizados e novidades para apresentar a ela. As reuniões com a presidente são objetivas e é por isso que ela não tolera atrasos, despreparo e o não cumprimento de metas. As metas acordadas com ela não só precisam ser cumpridas, ela exige tudo dentro dos prazos.
A presidente também faz a lição de casa. Quem a conhece desde que era secretária em Porto Alegre diz que ela sempre foi workaholic. Um verdadeiro trator na hora de trabalhar, para desespero dos que estão ao seu lado e que, muitas vezes, não se adaptam à maratona. Na série de encontros bilaterais que teve no primeiro dia de governo, Dilma foi fotografada segurando fichas com os pontos mais importantes da relação entre os países. Sinal de que, mesmo após o cansativo dia da posse, não perderia tempo nos encontros.
A exigência da presidente com o seu próprio trabalho se estende aos subordinados. Uma pessoa que trabalha perto da presidente admitiu que ela simplesmente não admite erros. E quem comete algum deslize é chamado na hora para dar explicações.
O primeiro a ter um desses encontros com Dilma nesta semana foi o general José Elito Siqueira, o novo chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência. Na cerimônia de transmissão de cargo, Elito disse que os desaparecidos políticos são um “fato histórico” do qual “nós não temos que nos envergonhar ou vangloriar”. Como a declaração contraria a posição do governo, Elito teve que se explicar à Dilma e alegou ter sido mal interpretado.
O estilo de Dilma no trato com aliados e com a oposição também é bem diferente do de Lula. Excelente articulador, Lula costumava absorver ataques e resolvê-los com o tempo, usando a sua habilidade política. Dilma reage imediata e publicamente e não admite negociar com a faca no pescoço. Com este tipo de resposta, ela deixa claro que gosta de exercer a autoridade.
Durante a formação do governo, as características da sua liderança ficaram claras em algumas ocasiões. A montagem do ministério de Dilma foi feita em etapas, seguindo uma hierarquia. A presidente eleita negociou, fez concessões, mas não abriu mão da autoridade. Seu estilo fez vítimas aos desavisados. A primeira foi Sérgio Côrtes, secretário de Saúde do Rio. Dilma gostou da indicação do nome feita pelo governador fluminense Sérgio Cabral e combinou com Cabral que o nome seria vazado para a imprensa para que a sua aceitação fosse testada, mas que a confirmação oficial seria feita pela presidente.
Cabral, no entanto, atropelou-se e anunciou o nome de Côrtes como fato consumado. Dilma não gostou e o erro do governador custou caro. Não só Côrtes ficou de fora do ministério como o PMDB perdeu a pasta.
Nos primeiros dias de governo, a forma de lidar com as cobranças foi mantida. A pressão do aliado PMDB por cargos no governo usando o salário mínimo como moeda de troca gerou uma resposta em tempo real por parte do governo. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, deu o recado que qualquer valor acima de R$ 540 seria vetado e Dilma suspendeu as nomeações até que a temperatura abaixe. Depois disso, retomou a discussão sobre o mínimo.
A dúvida de todos é se o estilo “toma lá, dá cá” de Dilma irá se manter durante os quatro anos de governo, ou se a presidente terá que adotar conduta mais amena, como o “Paz e amor” de Lula.
Descontração
Apesar do estilo “general”, a presidente dá espaço para a descontração. Adora apelidar as pessoas próximas. O ministro Paulo Bernardo já era “Paulinho” desde o tempo em que os dois eram colegas de ministério. Os três fiéis escudeiros que a acompanharam na campanha, Antonio Palocci, José Eduardo Dutra e José Eduardo Cardozo, foram logo chamados de “os três porquinhos”.
Outro sinal de que Dilma não é tão durona assim é que ela mantém relações pessoais e de trabalho por muito tempo. Quando vai a Porto Alegre, por exemplo, Dilma costuma ficar na casa do ex-marido, Carlos Araujo, pai da filha Paula e com quem Dilma viveu por quase 30 anos. A presidente também cultiva amizades antigas. Fernando Pimentel, recém-nomeado ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior é amigo desde a época em que os dois lutavam contra a ditadura, em Belo Horizonte.
A fidelidade de Dilma nas relações se estende a funcionários e também em relação ao consumo. Num traço típico mineiro, a presidente continua mandando fazer as roupas na mesma costureira que a atende há anos em Porto Alegre. Em Brasília, compra sapatos – uma paixão – em uma mesma loja desde que chegou à cidade, ainda durante o primeiro mandato de Lula.
Anjos da guarda
Há vinte anos a presidente tem dois anjos da guarda. Giles Azevedo, seu auxiliar há duas décadas e recentemente nomeado chefe de gabinete, e Anderson Dorneles, filho de uma ex-funcionária quando Dilma morava em Porto Alegre. Anderson foi praticamente “adotado” pela família. Dilma bancou os seus estudos e ele virou um ajudante de ordens de total confiança: cuida de organização de emails, recebe presentes e carrega a bolsa da presidente.
Apesar de toda a autoridade que exerce no trabalho, Dilma tem dificuldades de “dobrar” a única filha, Paula Rousseff, de 34 anos. Às pessoas próximas, Dilma já admitiu que a única pessoa que a convence de qualquer coisa é Paula.
– Ela é a única que manda em mim.
Discrição
Uma das maiores queixas do presidente Lula durante a presidência era ter perdido a liberdade do lazer em locais públicos. Lula só podia relaxar dentro do Palácio da Alvorada. Em várias entrevistas durante o mandato, o presidente disse que o mais sentia falta era de poder ir ao Estádio do Pacaembu assistir a um jogo do Corinthians, de poder ir ao cinema ou a um churrasco.
Este será um desafio também para Dilma. Quando era ministra da Casa Civil, ela nunca abriu mão das caminhadas pelas ruas do Lago Sul com o labrador Nêgo, que herdou do seu antecessor na pasta, José Dirceu. Também não deixava de ir ao supermercado, ao cinema ou ao shopping.
As aparições públicas de Dilma já diminuíram durante a campanha e, principalmente, após as eleições. Depois da vitória nas urnas, Dilma tentou manter o endereço na casa alugada pelo PT no Lago Sul, mas o assédio da imprensa antecipou a mudança. Na Granja do Torto, Dilma continuou o ritmo intenso de trabalho, mas quase não saía de lá. As aparições públicas foram raras, mas o sumiço foi também estratégico: Dilma não queria ocupar os holofotes enquanto Lula ainda era o presidente. Ela chegou a falar várias vezes a interlocutores que “não iria sentar na cadeira de presidente antes da hora”.
Para manter o estilo discreto, Dilma exige discrição dos que trabalham com ela. O cabeleireiro Celso Kamura, responsável pela mudança no visual da petista durante a campanha, foi chamado para uma conversa depois de ter dado entrevistas “falando demais”, para os padrões da presidente. Afinal, este é o estilo Dilma.