20/03/2011 10:17
A Polícia Civil de São Paulo anunciou recentemente que tem planos de utilizar a técnica da hipnose para resolver crimes. O Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) do Estado pretende criar ainda neste ano um espaço para que vítimas e testemunhas de violência sejam submetidas a sessões para relembrar informações consideradas esquecidas. Uma proposta semelhante foi utilizada por mais de 10 anos em investigações no Paraná. Afinal, a hipnose pode ajudar os policiais a desvendar crimes?
Há controvérsia em relação à eficácia do método e quanto aos casos em que seria ético fazer uso desse expediente, mas o fato é que a técnica já foi utilizada como ferramenta auxiliar em investigações – e, em alguns casos, com sucesso.
Rui Fernando Cruz Sampaio, perito aposentado do Instituto de Criminalística do Paraná, criou o primeiro Laboratório de Hipnose Forense do Brasil, em 1998, e utilizou a técnica até o final de 2008. “Quando eu me aposentei, o Estado não tinha mais técnicos preparados para fazer o trabalho, por isso o laboratório foi fechado”, disse o psiquiatra, que também tem graduação em psicologia.
Segundo ele, a falta de profissionais habilitados é a maior dificuldade para realizar esse tipo de trabalho na polícia. Sampaio começou a utilizar a hipnose em caráter experimental e defende a técnica como um importante aliado na solução de crimes, mas faz um alerta: “a hipnose não pode servir como uma prova, e sim como uma finalidade médica que busca informações das vítimas ou das testemunhas para qualificar a investigação”.
O perito afirma que em seu trabalho nunca foram produzidos laudos sobre as sessões de hipnose. “A minha função não era tomar um depoimento da testemunha ou da vítima em estado de hipnose. Isso iria confrontar a lei. A técnica deve ser utilizada somente como um instrumento auxiliar na investigação.” Ele cita como exemplo uma vítima de trauma que durante as sessões se lembrou da placa do carro de um suspeito de atropelamento. Ele diz que a informação foi repassada aos investigadores, que encontraram o veículo, fizeram a perícia e comprovaram resquícios de sangue no automóvel. “A hipnose é uma pista, não uma prova cabal.”
O presidente da Associação dos Advogados Criminalistas de São Paulo, Ademar Gomes, concorda com a utilização da técnica apenas para auxiliar nas investigações. “No inquérito policial pode (ser usada), para efeito de investigação, desde que as partes envolvidas não se oponham ao procedimento”, afirma o criminalista, que contesta o seu emprego no processo penal.
“A defesa tem o direito de questionar a testemunha e a vítima, portanto fazer hipnose entre pessoas envolvidas em um processo criminal viola o direito do contraditório.”
Sobre a utilização do método com acusados de crimes, o advogado também é contra. “A nossa lei é bem clara ao afirmar que o acusado não pode fornecer prova contra si próprio.”
O especialista em hipnose também é contrário ao emprego da técnica em suspeitos, indiciados e réus em crimes. “Primeiro, porque ninguém e obrigado a produzir prova contra si. Segundo, porque mesmo em estado de hipnose, a pessoa está plenamente consciente e ela pode mentir.”
Sampaio diz que já atendeu mais de 700 pessoas, todas testemunhas ou vítimas de estupros, assaltos, sequestros e outros tipos de traumas. “Na maioria dos casos fomos bem-sucedidos, as pessoas conseguiram montar retratos-falados com detalhes da face, identificaram marcas no corpo, detalhes da roupa dos suspeitos, placas de carro e outras informações importantes nas investigações”, diz.
Emprego da técnica
Segundo Sampaio, na polícia do Paraná o trabalho era feito em uma sala especialmente montada para atender as vítimas e testemunhas. Havia uma janela espelhada caso alguma autoridade quisesse acompanhar a sessão. A pessoa sentava em uma cadeira reclinável e era feita uma entrevista.
“Quando falamos em hipnose, nos referimos a um estado alterado da consciência produzido por uma centena de técnicas. Não existe uma fórmula única, por isso primeiro é importante conhecer a pessoa para depois escolher a técnica mais adequada de acordo com o seu perfil”, afirma.
Ele diz que a tendência das pessoas que sofreram um trauma é esquecer os detalhes. “A vítima acaba criando um processo de amnésia, ela vai fazer um retrato-falado e não se lembra. Nesses casos de amnésia parcial ou total a hipnose serve para fazer a pessoa relembrar”, explica.
Sampaio diz que, se a técnica for empregada por profissionais da psiquiatria e da psicologia altamente qualificados, sem confrontar com a lei, a hipnose é uma grande aliada da polícia.
Reconhecimento Científico
Para o psiquiatra Emmanuel Fortes, 3º vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, diversos estudos já comprovaram a eficiência da hipnose. “De fato ela tem uma larga aplicação em diversas áreas médicas, além da odontologia e da psicologia. Se aplicada com os rigores que a Ciência exige, ela se torna uma importante ferramenta para tratar a dor e também consegue alcançar informações na organização psíquica que espontaneamente não viriam à mente”, afirma.
O especialista, no entanto, adverte que a técnica deve ser empregada por profissionais qualificados, que tenham passado por um treinamento rigoroso e que tenham grande conhecimento do aparelho psíquico. “Nem todas as pessoas são suscetíveis a responder à hipnose e muitas podem construir uma memoria falseada e até mentir. O profissional precisa estar preparado para capturar as informações certas”, afirma Fortes.
Por isso, ele defende que, para utilizar a hipnose nas investigações de crime, é preciso disponibilizar profissionais preparados para a função. “Desde que seja com o consentimento de quem será hipnotizado e realizado por profissionais qualificados, acredito que auxilia a polícia.”