Tabagismo no domicílio e doença respiratória em crianças menores de cinco anos

28/04/2011 16:27

A infecção respiratória aguda é a principal causa de morte em crianças menores de cinco anos 1. Estimativas globais recentes indicam que morrem anualmente 10 milhões de crianças menores de cinco anos e que 99% dessas mortes ocorrem em países em desenvolvimento, 70% causadas por infecções, sendo as infecções do trato respiratório inferior a principal causa dos óbitos dessas crianças 2.

No Brasil, a infecção respiratória aguda é também a maior responsável pela morbi-mortalidade de crianças com idade inferior a cinco anos 3,4, constituindo, ainda, a principal causa de hospitalização dessa faixa etária 5.

O aleitamento natural é considerado um fator protetor contra a infecção respiratória aguda 6, e entre os fatores de risco incluem-se: a ventilação do domicílio, o estado nutricional da criança, o nível de escolaridade dos pais, a densidade domiciliar e o tabagismo dos moradores da casa, principalmente o da mãe 7,8.

A fumaça domiciliar do tabaco é o mais comum poluidor do ar doméstico, podendo variar sua concentração de acordo com o número de fumantes do domicílio e do número de cigarros fumados dentro de casa, estando associada a vários desfechos desfavoráveis à saúde infantil 9,10.

Apesar da evidência de que o fumo passivo aumenta a incidência das infecções respiratórias e de já terem sido criadas leis (Lei n. 9.294 de 1996) proibindo o fumo em alguns locais públicos, são elevadas as taxas de exposição de crianças ao tabagismo passivo no Brasil 3,11,12,13. Com isso, um grande número de crianças continua sendo exposto ao tabagismo domiciliar.

Em Cuiabá, Mato Grosso, Brasil, já foram realizados alguns trabalhos, com população de clínicas, sobre os efeitos do fumo passivo na saúde de crianças menores de cinco anos 3,13. No entanto, não foram encontrados estudos de base populacional.

Diante do exposto, foi realizado este estudo com o objetivo de determinar quais os principais fatores associados aos sintomas e às enfermidades respiratórias de crianças de 0 a 5 anos e, ainda, qual a fonte de exposição ao tabagismo domiciliar que apresenta o maior risco para essas crianças.

Métodos

Foi realizado um estudo transversal, de base populacional, com crianças de ambos os sexos, com idade inferior a sessenta meses, que freqüentaram as salas de vacinação dos postos de saúde da Cidade de Cuiabá, entre agosto de 1999 e janeiro de 2000.

A cobertura vacinal da cidade é considerada alta (97% para tríplice bacteriana em menores de um ano em 1999) e as crianças são encaminhadas pelo hospital em que nasceram ao posto de saúde mais próximo de sua residência para imunização. Dos 38 postos existentes, em quatro foram realizados estudos piloto com 400 crianças que indicaram prevalências de sintomas respiratórios como dispnéia, o menos freqüente, ao redor de 10%. Para essa prevalência, com um poder de 80% e uma precisão de 1% seriam necessárias 1.934 crianças. Como a taxa de não resposta, no estudo piloto, foi muito baixa, a amostra foi constituída de 2 mil crianças. Para tanto, foram sorteados dez postos com probabilidade proporcional ao volume de atendimento. Todos os responsáveis que estavam acompanhando os filhos foram convidados a participar do estudo. O recrutamento foi feito consecutivamente até atingir o total estimado de crianças em cada unidade sanitária. A taxa de recusa foi de 0,4%.

Os pais ou responsáveis das crianças que concordaram em participar da pesquisa, responderam a um questionário contendo questões relacionadas ao nascimento das crianças, à exposição ao tabagismo passivo, à morbidade respiratória atual e pregressa, características sócio-demográficas e condições de moradia.

Os sinais e sintomas de infecção respiratória aguda foram referentes aos 15 dias anteriores à entrevista, para evitar possíveis vieses de memória. As enfermidades respiratórias, como bronquite ou asma e pneumonia, foram referidas pelo responsável. Para classificar os sintomas utilizou-se a Classificação Internacional de Doenças 14.

A Cidade de Cuiabá é dividida em quatro regiões, conforme a área geográfica que ocupa, e em cada uma dessas regiões foi criado um distrito sanitário com o objetivo de gerir as unidades de saúde de sua região de abrangência. Dentre os quatro distritos existentes na cidade, o distrito oeste foi utilizado como referência pela menor prevalência de sintomas respiratórios entre as crianças.

Foram consideradas em aleitamento natural, as crianças cujas mães relataram estar amamentando no momento da entrevista.

O nível sócio-econômico foi avaliado pelo instrumento da Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado (ABIPEME) 15, em função de bens e escolaridade do chefe da família, com categorias que variam de A (nível mais elevado) até E (nível mais baixo). A ocupação dos pais foi classificada tendo como parâmetro a Classificação Brasileira de Ocupações 16, sendo agrupadas aquelas cuja prevalência dos sintomáticos respiratórios era similar. Para os pais, a ocupação foi classificada em técnicas e artísticas; diretores e gerentes de empresas; administração; comércio; serventia; hospedagem; higiene e segurança; agropecuária; produção industrial e transportes. Para as mães, a ocupação foi classificada em técnicas e artísticas; administração; comércio; serventia; hospedagem; higiene e segurança; produção industrial.

A escolaridade dos pais foi classificada em quatro categorias: primeiro grau incompleto, primeiro grau completo, segundo grau completo e terceiro grau completo. Para analisar de forma combinada escolaridade e ocupação foi criada uma variável binária para escolaridade (mais baixa e mais elevada) com pontos de corte específicos para cada categoria ocupacional.

A renda mensal per capita da família foi obtida por meio da soma das rendas individuais dos moradores, dividida pelo total de moradores do domicílio, em salários mínimos. Para a análise da renda como variável categórica, foram utilizados a mediana e o terceiro quartil, como pontos de corte.

Foram considerados fumantes todos aqueles que, no momento da entrevista, referiram fumar pelo menos um cigarro por dia, pelo período mínimo de um ano, e tabagista gestacional a mãe que informou ter fumado durante a gravidez.

Foi considerada exposta à fumaça domiciliar do tabaco ou fumante passivo, toda criança que morasse com pelo menos um fumante no domicílio (pais, parentes ou amigos).

Análise dos dados

Para a análise bivariada dos dados foi utilizado o teste do qui-quadrado para avaliar as diferenças estatísticas entre as proporções. Para verificar a linearidade das associações, utilizou-se o teste do qui-quadrado para tendência linear. A razão de prevalência foi usada como medida de associação entre a variável “presença de sintomas respiratórios” (variável dependente) e as demais variáveis estudadas. As variáveis do modelo teórico que se mostraram estatisticamente significativas na explicação das diferenças entre a presença ou não de sintomas respiratórios, na fase descritiva, foram selecionadas para a próxima fase da análise. Nesta etapa, por meio da regressão logística multivariada, as variáveis foram incluídas em blocos, utilizando a abordagem hierárquica 17. Os fatores mais distais (sócio-econômicos e demográficos) foram os primeiros incluídos, seguidos das características familiares e do ambiente e, finalmente, aquelas mais próximas do evento. Foram testadas interações entre idade e as outras variáveis do modelo pela possibilidade de maior susceptibilidade entre os mais jovens, portanto, a idade seria modificadora de efeito das associações entre tabagismo com sintomas e doença.

Utilizou-se para as análises os programas Epi Info, versão 6.02 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos), e SPSS versão 9.0 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos).

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Mato Grosso e pelos diretores dos distritos e gerentes dos postos de saúde, onde foram desenvolvidos o estudo. Antes do início da entrevista os pais ou responsáveis eram informados sobre o objetivo da pesquisa e da possibilidade de aceitar ou rejeitar a participação de seu filho na mesma. Após consentimento informado era dado início a coleta dos dados.

Resultados

Participaram do estudo 2.037 crianças com idade inferior a sessenta meses, sendo 51,4% do sexo masculino e 48,6% do feminino. Dentre essas, 49,4% eram menores de 12 meses, 32,6% tinham idade entre 12 e 36 meses e 18% eram maiores de 36 meses.

A prevalência de sintomáticos respiratórios nesse grupo foi de 59,9%, sendo maior para os que conviviam com fumantes. O “tabagismo dos moradores” foi a variável que se mostrou mais associada com a presença de sintomáticos respiratórios no domicílio, sendo por isso considerado marcador do tabagismo no domicílio.

Os principais sinais, sintomas e infecção respiratória aguda estão descritos na Tabela 1. Dentre as patologias pulmonares referidas, a asma/bronquite foi a que apresentou maior associação com o tabagismo, representando uma chance quase duas vezes maior para os expostos em relação aos não-expostos.

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