Governos aproveitam mal royalties do petróleo

07/11/2011 09:18

A discussão sobre o destino dos royalties e participações especiais oriundos da exploração do petróleo limita-se, por enquanto, a uma batalha pelos recursos. Apesar de essa gorda contribuição aos orçamentos dos estados e municípios não ser uma novidade no Brasil, as formas de utilizar o dinheiro permanecem a critério de governantes, e, portanto, sujeitas a interferências de ideologia, proposta de governo e uso eleitoreiro.

O caso de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, é emblemático nesse sentido. E o exemplo não é dos melhores. Como produtor de petróleo, Campos recebeu 10 bilhões de reais nos últimos dez anos. Os recursos são, em tese, uma compensação pelos impactos causados pela exploração do petróleo, uma indústria com grandes implicações ambientais. Tanto dinheiro, no entanto, não serviu para resolver questões básicas da cidade, e o município até hoje tem abastecimento de água precário e não tem cobertura ou tratamento completos de esgoto. Na habitação, o cronograma de obras está atrasado e algumas construções estão paralisadas. Na área da saúde, o número de profissionais é insuficiente. A pesquisa “Pobres Cidades Ricas”, coordenada pelo professor Cláudio Paiva, do departamento de economia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), mostra que dobrou a verba para a saúde, sem que com isso aumentasse o acesso da população ao serviço.

O levantamento tem como base dados de 2009, mas, de lá para cá, pouco mudou. Nesses dois anos, Paiva foi muitas vezes a Campos e detectou a permanência de problemas anteriores à bonança do petróleo. A bonança, na verdade, foi para os políticos. A conclusão de Paiva é de que houve aumento dos casos de malversação dos recursos públicos, fiscalização propositalmente falha e corrupção. E isso não é um problema apenas de Campos. O levantamento de Paiva cita informações do pesquisador Sérgio Gobetti, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que mostra o aumento nos gastos dos 141 municípios chamados de “dependentes do petróleo”. As cidades gastaram quase 44% a mais em educação e 45% em saneamento – os municípios são obrigados a investir 15% dos recursos em saúde e 25% em educação. O estudo de Paiva, no entanto, mostra que o aumento do repasse de verbas para essas áreas não significou melhorias no serviço prestado.

As cidades dependentes do petróleo aumentaram em 160% os gastos com a prefeitura e com a câmara municipal. As despesas com a máquina pública cresceram cerca de três vezes mais do que o dinheiro destinado à saúde e à educação, segundo a pesquisa. Esses mesmos municípios têm uma arrecadação tributária 30% menor do que aqueles que não recebem royalties do petróleo. Esse é o caso de Quissamã, no Rio de Janeiro, que arrecada 8 milhões de reais e recebe 250 milhões de receita do petróleo. “É muito dinheiro e vai crescer os olhos da corrupção”, diz o professor da Unesp, fazendo um alerta para a quantidade de dinheiro que será injetada nos municípios com o pré-sal.

A estimativa de receita para 2020 é da ordem de 59 bilhões de reais (segundo o Plano de Negócios da Petrobrás) ou 79 bilhões de reais (pelo projeto de Lei do senador Vital do Rêgo). É muito dinheiro para pouca discussão sobre como investi-lo. “Cria-se a falsa justiça federativa. As pessoas acham que a justiça estaria sendo feita ao distribuir de forma igualitária os recursos. Na verdade, não daremos salto de desenvolvimento econômico dando um quinhão para cada um”, afirma Paiva. A solução para ele seria a criação de um fundo nacional que concentrasse a maior parte dos recursos e promovesse um salto qualitativo no desenvolvimento, para tornar possível a redução das desigualdades nacionais.

Pulverização – A redução da distância entre os diferentes entes federativos se daria, na visão de Paiva, pelo investimento em educação, infraestrutura, ciência e tecnologia. É esse o grande desafio da abundância prometida ao Brasil nos próximos anos. A regra número um para que o dinheiro do petróleo não termine no ralo é evitar a pulverização dos recursos. O projeto do senador Vital do Rêgo, aprovado no Senado Federal, vai justamente na contramão desse pensamento.

O projeto de lei proposto por Rêgo é abrangente quando se trata da finalidade do dinheiro do petróleo. Se sancionado pela presidente Dilma Rousseff, o substitutivo define que, no mínimo, 40% da verba sejam investidos em educação, até 30% vão para projetos de infraestrutura social e econômica, e 30% para saúde, segurança, programas de erradicação da miséria e pobreza, cultura, esporte, pesquisa, ciência e tecnologia, defesa civil e para o meio ambiente.

Todo mundo recebe. Mas todos ficam com pouco. Ou seja, contempla-se todas as pastas, mas a população, sem uma diretriz e prioridades claras, ficou em último lugar.

Fundo – Os senadores Cristovam Buarque (PDT-DF) e Aloysio Nunes (PSDB-SP) são autores de um projeto que define a destinação do dinheiro em bases semelhantes à proposta pelo professor Paiva. Toda a verba arrecadada iria para um fundo que começaria a ter os seus rendimentos resgatados a partir de 2020. A partir daí, o dinheiro seria investido em educação e em financiamento de pesquisas.

Os juros e a correção monetária seriam divididos pelo número de crianças em cada estado. A ideia é dar um destino mais seguro ao dinheiro e tentar fazer com que ele dure por mais tempo. Pelo projeto de Rêgo, é improvável que os recursos sejam capazes de reverter algum dos vários problemas brasileiros. “O projeto do senador Vital do Rêgo não desagradou ninguém, mas também não construirá nada para o futuro do Brasil”, afirma Buarque.

Marcelo Crivella (PRB-RJ), um dos senadores empenhados em derrubar a proposta de Vital do Rêgo e em manter a maior parte dos recursos com os estados produtores, considera o conceito defendido por Buarque o mais adequado. “A liberdade para estados e municípios investirem a verba ficou ampla porque os senadores sofreram pressão dos prefeitos, que querem poder usar o dinheiro como bem entenderem. Investir pouquinho em muita coisa não muda a vida das pessoas”, critica.

O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) também alerta para o risco de os investimentos ficarem dispersos e não apresentarem resultados. “Quem prioriza tudo acaba não priorizando nada. O projeto de Buarque e Nunes reconhece que o recurso é finito e olha preocupado para as futuras gerações”, defende Ferraço.

Pelo substitutivo de Rêgo, levarão os recursos aqueles que tiverem mais força política e fizerem mais pressão para abocanhar uma fatia do dinheiro do petróleo. O resultado é um gasto rápido e pouco efetivo em termos de melhorias para a população. “Da maneira que ficou, pode ser aplicado em tudo, até em ONGs do Ministério do Esporte”, diz Cristovam Buarque, aproximando a fartura de dinheiro aos casos de corrupção que culminaram com a queda do ministro Orlando Silva. O pedetista explica a disputa pelos royalties e participação especial da seguinte forma: uma briga entre os estados e municípios e não uma discussão entre presente e futuro.

Fonte:Veja

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