Bela concha põe náutilo em perigo

13/11/2011 09:28

Trata-se de um fóssil vivo, cujos ancestrais remontam a meio bilhão de anos atrás – até os primeiros dias da vida complexa no planeta, quando a terra era estéril e os oceanos eram quentes.

Naturalistas sempre se maravilharam com sua concha. A espiral logarítmica imita os braços curvados de furacões e galáxias distantes.

Em Florença, os Médici transformavam as conchas aperoladas em xícaras e taças ornamentadas, enfeitadas com ouro e rubis.

Hoje, segundo cientistas, os humanos estão amando o náutilo e sua concha com câmaras até a morte, colocando sua própria existência em perigo.

”Uma terrível chacina está acontecendo aqui’’, declarou Peter D. Ward, biólogo da Universidade de Washington, durante um recente censo de criaturas marinhas nas Filipinas. ”Eles estão quase aniquilados’’.

O responsável? As crescentes vendas de joias e ornamentos derivados de sua lustrosa concha. Para satisfazer a demanda mundial, cientistas temem que pescadores estejam matando náutilos aos milhões. Agora, biólogos marinhos começaram a avaliar o status de sua população e a considerar se o animal deveria ser listado como espécie ameaçada para deter o comércio das conchas.

No eBay e em outros lugares, pequenas conchas de náutilo são vendidas como brincos por US$ 19,95 e como pingentes, por US$ 24,95. As conchas maiores – atingindo o tamanho de pratos – podem ser encontradas por US$ 56, muitas vezes cortadas ao meio para exibir as elegantes câmaras internas.

Como joia, o material opalescente da superfície interna das conchas – comercializado como uma alternativa mais barata à pérola verdadeira – pode chegar a US$ 80 por brincos, US$ 225 por pulseiras e US$ 489 por colares.

Capturar o náutilo é um cada-um-por-si praticamente sem regulamentação, em que pescadores de países pobres do Pacífico Sul aceitam alegremente US$ 1 por concha.

Cientistas temem que o aumento da demanda possa acabar erradicando um animal que cresce lentamente e precisa de 15 anos para atingir a maturidade sexual – um tempo excepcionalmente longo para um cefalópode (seus primos incluem a lula e o polvo).

”Em certas regiões, o náutilo está ameaçado de extermínio’’, garantiu Neil H. Landman, biólogo e paleontólogo do Museu Americano de História Natural e coeditor de ‘Nautilus: The Biology and Paleobiology of a Living Fossil’, um compêndio de relatos científicos.

O náutilo vive nas encostas de profundos recifes de corais no sudoeste do Pacífico. Embora seja de fácil captura com armadilhas e iscas em linhas compridas, as profundidades – até 600 metros, fora do alcance da luz do sol e de mergulhadores – dificultam o estudo.

Censo de conchas
Assim, para descobrir em que grau o náutilo está realmente ameaçado, biólogos iniciaram um censo formal no último verão, em pelo menos seis regiões que sabidamente abrigam as tímidas criaturas.

Segundo Landman, os relativamente poucos cientistas que estudam o náutilo precisam superar ”uma tremenda falta de conhecimento’’ sobre seus números gerais e sua distribuição geográfica.

Por outro lado, os consumidores modernos sabem até demais, disse ele: ”Você encontra as conchas polidas sendo vendidas em qualquer lugar’’.

Pequenos navios vivos
O registro fóssil coloca os ancestrais do náutilo no fim do período cambriano, há 500 milhões de anos. Alguns cresceram para se tornar verdadeiros monstros marinhos, com conchas gigantescas e grandes tentáculos. Ao longo das eras, os milhares de espécies acabaram se transformando num punhado.

A palavra ‘náutilo’ vem do grego para barco. Quando as primeiras conchas chegaram à Europa renascentista, os colecionadores ficaram fascinados: eles enxergavam as espirais perfeitas como um reflexo da ordem maior do universo.

Mais tarde, residências vitorianas exibiam-nas como curiosidades. Em seu famoso poema ‘The Chambered Nautilus’, de 1858, Oliver Wendell Holmes admirava ”a labuta silenciosa’’, que produzia essa ”mola brilhante’’. E em ‘Vinte Mil Léguas Submarinas’, Júlio Verne criou um submarino de muitos compartimentos e batizou-o de Nautilus.

Sobre essas câmaras: enquanto cresce, a criatura ergue periodicamente barreiras dentro de sua concha, deixando uma série de espaços desocupados para trás. Como um submarino, o náutilo muda a quantidade de gás nas câmaras vazias para ajustar sua capacidade de flutuar. E usa propulsão a jato para nadar.

Para se alimentar de peixes e camarões, o animal chega a ter 90 pequenos tentáculos – e, como todos os cefalópodes, cérebro e olhos relativamente grandes. A concha em espiral pode exibir um lustro perolado de cores brilhantes. A criatura não pode ir fundo demais para não implodir sua concha – como o casco de um submarino.

Embora os estoques cada vez menores de uma espécie amada possam às vezes servir como estímulo à ação – pense nas baleias, pandas e ursos polares _, a ameaça ao náutilo tem passado praticamente despercebida ao público. Espécimes são vendidos a preços relativamente baixos e em aparente abundância. A situação é bastante diferente da que vemos com chifres de rinocerontes ou presas de elefantes, que já são considerados contrabando.

A propaganda enganosa pode ajudar. O material iridescente dentro da concha do náutilo é algumas vezes moldado em formatos agradáveis e vendido como ‘pérola de Osmena’ (nas Filipinas, onde são pescadas grandes quantidades de náutilo, a família Osmena é uma dinastia política e seu nome confere prestígio).

Um recente anúncio online oferece um ”colar de pérolas de Osmena’’ por US$ 495, classificando as doze pérolas como ”lindas, grandes, em tons de prata e um azul pálido’’. O alegre anúncio não diz nada sobre sua origem.

E ainda pior, coletores falam da obtenção de raras ‘pérolas náutilo’, vendidas por milhares de dólares cada. Cientistas descartam as pérolas como fraudulentas.

Ao longo das décadas, os alarmes científicos dispararam periodicamente. Biólogos conseguiram lentamente compilar relatos de declínios populacionais perto das Filipinas, Indonésia e Nova Caledônia (cujo emblema oficial traz uma concha de náutilo).

Mas os alarmes soaram com nova intensidade no ano passado, numa conferência em Dijon, na França. Patricia S. De Angelis, do U.S. Fish and Wildlife Service, reportou que os Estados Unidos haviam importado 579 mil espécimes entre 2005 e 2008.

Quando Ward, da Universidade de Washington, soube disso, ”os números me deixaram embasbacado’’, lembrou ele.

Subitamente, uma espécie considerada abundante se tornou objeto de grande preocupação.

Neste verão, o Fish and Wildlife Service contratou Ward e seus colegas para que iniciassem um censo global na ilha filipina de Bohol, que há tempos figurava destacadamente no comércio de conchas.

Num e-mail em agosto, ele afirmou que a equipe estava trabalhando com pescadores locais para montar 40 armadilhas por dia, mas que vinham capturando no máximo duas criaturas – de um décimo a um milésimo da taxa de uma década atrás. ”Um show de horrores’’, classificou ele, acrescentando suas suspeitas de que um tipo específico de náutilo ”já está extinto nas Filipinas’’.

”Uma espécie muito antiga está sendo exterminada rapidamente por aqui’’, escreveu ele.

Os náutilos capturados foram radiografados e devolvidos ao mar.

A equipe pretende ir à Austrália em dezembro, para expandir o censo em sua Grande Barreira de Coral. A esperança é que dados de seis cidades permitam que os cientistas estimem a população restante de náutilos no mundo e o que poderia constituir uma pesca sustentável.

O temor científico sobre o destino do náutilo acompanha a crescente apreensão com os efeitos da pesca submarina sobre uma variedade de criaturas. No mês passado, a Assembleia Geral das Nações Unidas conduziu um debate aberto sobre o assunto, com o objetivo de desenvolver garantias de segurança.

Biólogos marinhos estão fazendo lobby pela proteção do náutilo sob as mesmas regras da ONU que protegem o urso negro americano, o papagaio cinza africano, a iguana verde e milhares de outras criaturas. As regras, criadas pela Convenção do Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas (ou CITES, sigla em inglês), permitem a troca comercial se ela for legal e sustentável.

Numa entrevista, De Angelis, do Fish and Wildlife Service, chamou a equipe do censo de náutilos de ”os melhores entre os melhores’’, e descreveu seus objetivos como chegar ao fundo da questão populacional e retornar com uma estimativa plausível para as dimensões do comércio global.

”No fim das contas’’, disse ela, ”estamos estudando se isso é sustentável’’.

Fonte:IG

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