A Fazenda, entre o manual e a solução

06/01/2016 18:41

A decisão do Ministro da Fazenda Nelson Barbosa de quitar de vez as chamadas “pedaladas” de 2015, valendo-se de recursos da Conta Única do Tesouro Nacional, é uma demonstração evidente do pragmatismo necessário contra a visão ideológica do ex-Ministro Joaquim Levy.

A Conta Única do Tesouro Nacional é uma reserva depositada no Banco Central, recebendo as disponibilidades financeiras da União. É uma maneira de não ficar dependente do caixa do Tesouro.

Nos últimos meses, especialistas tinham notado um acúmulo dessas reservas. Esta semana foi anunciado que parte dessas reservas, R$ 55,8 bilhões, será utilizada para quitar as chamadas “pedaladas” – o saldo negativo do Tesouro junto aos bancos públicos.

Em termos práticos, significa injetar liquidez no BNDES, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal e no FGTS. A esses recursos se somam outros pagamentos, R$ 30 bilhões para para o BNDES, R$ 22,6 bilhões para o FGTS e R$ 18,2 bilhões para o Banco do Brasil.

Levy pretendia quitar esses débitos com sangue, suor e lágrimas, dentro da pedagogia do sofrimento. Se atropelou as boas regras fiscais, o equilíbrio deverá ser reconquistado sem subterfúgios, cortando na carne o orçamento, para, através da expiação dos pecados, conquistar de novo as virtudes.

Esse tipo de visão burocrática certamente fez rolar no túmulo todos os (grandes) economistas ortodoxos que precederam Levy. Papel de Ministro não é se restringir ao manual das boas práticas: é resolver problemas.

Em 1953, quando o dólar escasseou e o país precisava de investimentos, o ortodoxo Eugene Gudin preparou a Resolução 130 da Sumoc, permitindo que, para a implantação de indústrias, as matrizes enviassem para cá máquinas e equipamentos usados, isentos de taxas.

Antes disso, através da Instrução 70 da Sumoc, o Ministro da Fazenda Oswaldo Aranha e o presidente do Banco do Brasil Souza Dantas instituíram um sistema de taxas múltiplas que permitiu ao país atravessar o período de franca escassez de dólares. E quem foi defender a proposta no FMI foi Roberto Campos.

Aliás, a reação de Aranha contra a visão burocrática do economista de manual ficou célebre: “Vocês são uma raça perigosa de animais híbridos que não fecundam, não produzem nada”.

Ora, o cenário econômico atual é o seguinte:

1.     Uma crise fiscal da União impedindo qualquer política proativa.

2.     Sem gastos públicos, o PIB continua despencando, derrubando as receitas fiscais e, com isso, ampliando o déficit público.

3.     Por outro lado, um desmonte na cadeia do petróleo e gás exigindo uma atuação bancária firme na reestruturação de passivos.

4.     Tudo isso agravado pela política monetária do Banco Central que praticamente extirpou o crédito da praça.

É mais que óbvio, para qualquer economista que não enxergue a economia com os óculos da ideologia burocrática, que o único instrumento anticíclico de que dispõe o país são os bancos públicos, se devidamente recapitalizados.

Ao se valer dos recursos da Conta Única, Barbosa zera o jogo e consegue algum fôlego para tentar segurar a queda do PIB.

Confundir essa visão pragmática com irresponsabilidade fiscal é má fé, ou tapa-olho ideológico.

 

por Luis Nassif no blog Luis Nassif ONLINE
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