O Banco Central e a Razão Populista

23/01/2016 15:17

Em 20 de janeiro comemorou-se o dia de São Sebastião do Rio de Janeiro. Um dia depois, o Conselho de Política Monetária (COPOM) resolveu não aumentar a taxa Selic. A tragédia trouxe à cidade um frio não carioca e choveu a ponto de fechar o aeroporto Santos Dumont.

Graves senhores, senhoras, jovens senhorita(o)s, tiveram faniquitos pelo fato de a biruta do Banco Central não ter apontado na direção desejada. Queriam mais juros em economia estagnada, que outra forma de controlar a inflação não se conhece. O breque mudou as expectativas e o dólar explodiu. Não confessam, mas sabem que voltará ao patamar anterior.

Para eles, agora sim, Dilma, Barbosa e o FMI fizeram a pequena cabeça de Tombini, e puseram o Brasil para quebrar de vez. Nem a entrevista de Trabuco (Bradesco) ao Valor, suposto aliado, dizendo estar tudo parado e que nem mesmo crédito se procura, serviu-lhes para abalar as convicções ortodoxas.

Serei chulo. Vão … não, não serei. Apenas não estou nem aí para seus anseios de austeridade pobretona; peço-lhes obrarem por mim e depois andarem. Tomo uma “Boazinha” recém-saída do freezer, leio a biografia do herói Tarso de Castro, e ouço Moyseis Marques (notem a grafia, o escrivão escreveu como ouviu de um carioca) cantando “Nomes de Favela”, do Paulo César Pinheiro.

Mas vamos a alguns “austeróides” que se pronunciaram contra a brecada do BC. A professora Eliana Cardoso, a economista De Bolle, o jornalista Torres Freire, para citar os inteligentes. Deixemos de lado o professor de Deus, Alexandre Schwartsman, sempre a favor de seus patrões, e o inacreditável Raul Veloso, contumaz porta-voz da cova rasa que um dia vira bronze.

Praticamente, todos citam o “populismo econômico”. Pelo fato de não aumentar a Selic, o governo provocará algo que nem Mário Amato teria imaginado. Ferraram o País, para ser educado, mas “econômico”, é o cacete. Não existe tal segmentação no populismo.

Da inteligente, culta, agradável, e viajada professora Eliana Cardoso (FEA-USP), leio:

“O populismo econômico está sim ameaçando tomar conta do país. Até agora os políticos pareciam conscientes de que o aumento da inflação é uma grave ameaça à popularidade deles. Resta saber se a persistência da inflação no ano que vem e o aumento da impopularidade da presidente tornarão evidente a má ideia de insistir nos erros passados e presentes. A teimosia e a arrogância matam”.

Pode ser. Ou não. Por acaso, é possível ver competência entre os tecnocratas banqueiros que se foram, os presentes e os que virão? A grande maioria escreveu artigos magistrais e no poder só fez merda.

Mas a citação ao populismo me trouxe lembranças saborosas.

O sociólogo Octávio Ianni (1926-2004), por exemplo, nos barracões da USP, cabelos já grisalhos e desgrenhados, a nos explicar as teses de “O Colapso do Populismo no Brasil” (Civilização Brasileira, 1968).

Pois é, professor, foi reeditado. Não o livro, mas o populismo, com o significado de que o bem-estar social deve sempre (!) estar subordinado ao tripé do anão anormal.

Para o senhor, populismo é a forma de trazer rupturas nos sistemas econômico e social, sempre impedidas pelo acordo secular de elites. Pois bem, isso tem sido avacalhado pelo neoliberalismo, que nunca prioriza redistribuição, a não ser quando um troca-troca dentro do 1% detentor da riqueza mundial.

Caminhemos um pouco mais, com as mesmas adoração e dor. O argentino Ernesto Laclau (1935-2014), em “A Razão Populista” (Editora Três Estrelas, 2013).

Ele usa sábias 383 páginas para mostrar que “o populismo é a garantia da democracia”. E agora?

Infelizmente, ele se foi sem que pudéssemos trazer a ouvidos paneleiros a palestra que deu na Fundação Joaquim Nabuco, em Pernambuco.

Sobrou-me, então, devorar o livro, perceber o quanto nossas ideias estão fora do lugar, como mostrou Roberto Schwarz, e ter esperanças no que pensa Laura de Carvalho.

A USP já foi bem mais.

 

por Rui Daher 
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