Drones no campo

30/01/2016 20:40

Avanços recentes em áreas da tecnologia da computação, associados ao desenvolvimento de sistemas globais de navegação e geoprocessamento, estão ampliando as perspectivas de uso dos veículos aéreos não tripulados, os drones, na agricultura

Relativamente baratas e fáceis de usar, essas aeronaves, equipadas com sensores e recursos de imagem cada vez mais eficientes e precisos, podem auxiliar agricultores a aumentar a produtividade e reduzir danos em lavouras por meio de levantamentos de dados que permitem detectar pragas e estimar o índice de crescimento das plantas, para citar alguns exemplos. Diante das possibilidades de uso dessas aeronaves, os cientistas da computação Bruno Squizato Faiçal, Heitor Freitas e o professor Jó Ueyama, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (ICMC-USP) de São Carlos, interior paulista, desenvolveram um sistema inteligente e autônomo de pulverização de agroquímicos com drones.

O uso de agroquímicos é essencial na agricultura de larga escala. Esses defensivos químicos, em geral, são pulverizados manualmente sobre as lavouras ou com o auxílio de tratores. Mesmo quando usam algum tipo de proteção, como máscaras, os trabalhadores rurais ficam expostos ao produto, que pode provocar sérios problemas de saúde como câncer e efeitos adversos ao sistema nervoso central e periférico. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos. A venda no país cresceu substancialmente nos últimos anos, saltando de US$ 2 bilhões em 2001 para mais de US$ 8,5 bilhões em 2011, segundo um relatório do Instituto Nacional do Câncer (Inca) sobre os riscos para a saúde humana do uso de agrotóxicos. Controlar a quantidade de agroquímicos aplicados nas lavouras, por sua vez, é muito difícil. A pulverização quase sempre está sujeita a fatores meteorológicos, como a velocidade e direção do vento, que podem comprometer sua aplicação na área de cultivo, espalhando-o por áreas vizinhas.

O sistema desenvolvido pelos pesquisadores do ICMC-USP prevê o uso orquestrado de um drone de asas rotativas, na forma de hélices, e uma rede de sensores sem fio instalada ao redor da área de cultivo. Baseia-se em um sistema de inteligência artificial capaz de ajustar a rota da aeronave de acordo com condições meteorológicas específicas. Segundo eles, isso se dá por meio do cruzamento de dados gerados pelo drone com os obtidos em tempo real pelos sensores instalados às margens da área a ser pulverizada. “Primeiro, o drone faz alguns voos de treinamento em diferentes alturas e condições meteorológicas para conhecer o padrão de deposição de seu sistema de pulverização e a influência causada pelas condições meteorológicas”, explica Faiçal. “Essas informações são armazenadas para que mais tarde sejam usadas para construir um modelo de conhecimento que permita ao drone tomar decisões durante a pulverização em condições meteorológicas semelhantes às anteriores ou inéditas.”

Ao se aproximar dos sensores instalados ao redor da área pulverizada, o drone verifica se as informações por ele geradas conferem com as obtidas em tempo real pelos equipamentos no solo. Com base no cruzamento dessas informações, o sistema é capaz de regular a liberação do produto químico sobre a lavoura. A ideia é que a aeronave e demais sensores funcionem de modo autônomo, com uma estação de controle e um técnico para monitorar o andamento do processo.

As coordenadas registradas no sistema de navegação do drone, em concordância com os cálculos cruzados entre a aeronave e os sensores, determinam a potência de uma bomba que regula a quantidade de agroquímico liberado. Quanto maior for a potência, mais produto é liberado. Segundo os pesquisadores, isso favorece uma pulverização mais segura e precisa, capaz de melhorar a cobertura da aplicação e a qualidade do processo de cultivo, garantindo maior aproveitamento dessas substâncias pelas plantas com menos prejuízo ao ambiente. O sistema foi avaliado em um drone de asa rotativa com oito motores elétricos mantidos por baterias e capacidade de carga de 2,5 quilogramas (kg) em campos abertos dentro da própria universidade.

O protótipo mostrou-se eficaz ao liberar quantidades controladas de agroquímicos em áreas predeterminadas, levando em conta aspectos meteorológicos e as rotas calculadas pelo seu sistema de GPS. “Nosso sistema poderá garantir uma aplicação específica e inteligente, com menos desperdício e menor contato do agricultor com o agrotóxico”, comenta Faiçal. Outra vantagem, segundo ele, é que esse mesmo sistema pode ser adaptado e instalado em outros veículos usados em terra, como tratores, por exemplo, se conectando com sensores espalhados na lavoura. Um longo caminho ainda precisa ser percorrido, no entanto, até que a tecnologia esteja à disposição de agricultores. Um dos desafios é adaptar todo o sistema para ser usado em aeronaves maiores, capazes de pulverizar grandes áreas agrícolas. A equipe do ICMC-USP já entrou com um pedido de patente por meio da Agência USP de Inovação.

Novas aplicações

Nos últimos 15 anos, agricultores de vários países começaram a ver nos drones uma oportunidade para aplicar no campo conceitos da chamada agricultura de precisão, baseada no uso de instrumentos e recursos da tecnologia da informação para implementar melhorias na produção agrícola. A vantagem dos drones sobre outros sistemas de monitoramento é que eles podem fazer sobrevoos semanais, a baixo custo, durante todo o período de produção. A Embrapa Instrumentação, em São Carlos, interior de São Paulo, investe desde a década de 1990 no desenvolvimento de novos sistemas e aeronaves capazes de operar com bom desempenho mesmo em condições de campo adversas. Sob coordenação do engenheiro eletrônico Lúcio André de Castro Jorge, os projetos procuram ampliar as possibilidades de adaptação dos drones a operações agrícolas diversas por meio do uso de câmeras convencionais de alta definição, sensores e câmeras termais e multiespectrais, em geral, usadas no monitoramento de lavouras, em estimativas de volume de produção e índice de doenças e pragas.

Em Gavião Peixoto, município próximo a São Carlos, pesquisadores testam novos componentes em drones semelhantes a um mini-helicóptero, com hélice de 2,80 metros (m) de diâmetro. Eles fazem sobrevoos periódicos em plantações de laranja para a detecção do greening, doença que afeta o amadurecimento dos frutos, deixando as folhas das plantas amareladas, e costuma ser identificada apenas em estágio avançado. Mais flexíveis e precisos durante a pulverização, sem uso de sensores e de forma manual, também em culturas de arroz, soja e trigo, os drones da Embrapa integram um conjunto mais amplo de pesquisas voltado ao desenvolvimento de softwares e sistemas embarcados de captura de imagens adequados a várias aplicações agrícolas, de pequenas a grandes propriedades.

Os projetos contam com o apoio da Rede de Agricultura de Precisão da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da própria Embrapa, e são desenvolvidos no novo Laboratório de Referência Nacional em Agricultura de Precisão (Lanapre), inaugurado em 2013. Nele, a equipe de Lúcio Jorge trabalha na concepção de novos sistemas integrados, testando-os e validando-os em plantações de soja, milho e pastagens cultivadas em uma fazenda da Embrapa ao lado do laboratório. “Os testes são feitos com diferentes modelos de aeronaves, como o Isis, da Hórus, o Echar, da XMobots, e o Otus, da Aérials, todas empresas nacionais, e embarcados com software livre, o que ajuda a baratear o processo de inovação”, diz o pesquisador.

Os sistemas hoje desenvolvidos pelo grupo de Lúcio Jorge têm possibilitado identificar falhas no plantio, estimar o índice de crescimento das plantas e detectar diferentes níveis de estresse nutricional e anomalias causadas por ferrugem, estresse hídrico, fungos e pragas, por meio de câmeras multi e hiperespectrais, capazes de obter simultaneamente imagens em alta resolução espacial, espectral – com várias faixas de comprimento de onda eletromagnética na formação da fotografia – e de infravermelho. Outras, ainda em desenvolvimento, poderão ajudar na dispersão de sementes de eucalipto e liberação de inimigos naturais de algumas pragas para controle biológico.

Os primeiros drones no Brasil começaram a ser desenvolvidos em meados dos anos 1980 com o Acauã, aeronave na forma de um miniavião concebida pelo Centro Tecnológico Aeroespacial (ver Pesquisa FAPESP nº 211) em parceria com a empresa Avibras, inicialmente para fins militares. Esse crescimento – para além do âmbito militar – tem se refletido em aplicações diversas, do monitoramento ambiental à inspeção aérea em operações de combate ao tráfico de drogas, até missões humanitárias, com a entrega de medicamentos e vacinas em áreas de difícil acesso, por exemplo.

Mesmo com o desenvolvimento acelerado do setor, os voos dos drones ainda carecem de regras específicas. A legislação brasileira avançou um pouco nesse sentido a partir de uma consulta pública feita recentemente pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), segundo Lúcio Jorge. “Não haverá restrições ao uso de drones nos campos, desde que se respeite as altitudes estabelecidas”, diz. As empresas do setor vendem aeronaves, peças e softwares, mas esperam por uma regulação mais específica. Nos Estados Unidos, no dia 14 de dezembro, a Administração Federal de Aviação (FAA, na sigla em inglês) anunciou novas regras para o uso de drones em seu espaço aéreo. Os proprietários dessas aeronaves naquele país terão de cadastrar nome, endereço e e-mail em um banco de dados nacional, que gerará um certificado de registro das aeronaves.

Os drones são responsáveis em grande medida pela expansão e pelo desenvolvimento da indústria aeroespacial mundial, com estimativas de grandes investimentos, dos atuais US$ 2,7 bilhões por ano para cerca de US$ 8,3 bilhões anuais na próxima década. As possibilidades são várias e com a regulamentação do setor o uso civil da tecnologia deverá ser ainda mais expressivo. Enquanto os órgãos regulatórios do Brasil procuram a melhor maneira de lidar com questões de segurança e privacidade, a Lux Research, empresa norte-americana que presta consultoria em pesquisas de mercado, estima que mais de 1 milhão de drones deverão ser vendidos até 2025.

A tecnologia embarcada deve ser responsável por US$ 670 milhões do US$ 1,7 bilhão movimentado neste mercado durante esse período. No relatório Commercial drones: Market shares, strategies, and forecasts, worldwide, 2015 to 2021, um documento de 620 páginas produzido e divulgado pela empresa norte-americana RnR Market Research, analistas do setor afirmam que os drones estão mudando a maneira como a agricultura é conduzida no mundo e que essas aeronaves movimentaram US$ 609 milhões em 2014. Eles estimam que esse valor deva alcançar US$ 4,8 bilhões em todo o mundo até 2021.

 

fonte - Revista Fapesp
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