A verdadeira mudança na política econômica

31/01/2016 18:09

De um neoliberal para o keynesiano que, de saída, anuncia a retomada do crédito pelos bancos públicos. Em busca de esperança por uma mudança, por ora é pouco

Dezembro reservou emoções conflitantes ao carioca Nelson Barbosa. Enquanto seu Vasco caía de novo para a Segunda Divisão, o economista subia ao cargo de ministro da Fazenda. Agora é Barbosa a despertar sensações ambíguas. Ele acaba de anunciar a retomada do crédito via bancos públicos, medida usada com êxito na crise global de 2008. Ponto para o ex-presidente Lula e o PT, há tempos a cobrar de Dilma Rousseff tal saída.

Com aval da presidenta, Barbosa também tem defendido uma reforma da Previdência, motivo de angústia na base social petista. Alvo de disputa nos bastidores, o rumo da gestão Barbosa e da política econômica deverá clarear no retorno do “Conselhão” após 18 meses abandonado. Uma coisa é certa, porém. Barbosa gosta bem mais de falar de crescimento do que Joaquim Levy e já foi incumbido pelo Palácio do Planalto de ir às ruas vender algum otimismo.

O ministro logo intensificará as aparições públicas – entrevistas, eventos, reuniões –, a fim de colocar na praça ideias que talvez animem o público. Enterrará, em suma, o samba de uma nota só de Levy, autor da marchinha “cortar, cortar e cortar”. Estimular os empréstimos dos bancos estatais é uma dessas tentativas de soprar otimismo. Se com Levy a ordem às instituições financeiras era dificultar os empréstimos, agora é facilitar. Sobretudo se o cliente for micro ou pequena empresa. Para estas, ganhar fôlego financeiro significa a diferença entre seguir viva ou baixar as portas.

Estancar a sangria econômica e no mercado de trabalho é a preocupação imediata de Barbosa, e o apoio ao crédito ajuda nisso. No ano passado, o PIB recuou uns 3%, e as previsões apontam outro tombo em 2016. Até novembro, sumiram 945 mil postos com carteira assinada, resultado a anular toda a criação de emprego formal de 2014 (938 mil). Em outra frente antissangria, Barbosa aposta nos prometidos leilões de repasse de bens públicos à exploração particular. Até junho devem ser concedidos ao setor privado quatro aeroportos federais, os de Porto Alegre, Salvador, Fortaleza e Florianópolis. Se saírem do papel, os investimentos da Petrobras são outra esperança. Na terça-feira 12, a petroleira anunciou um reforço de 1 bilhão de dólares no aporte programado para 2016.

Para convencer o País de que a economia vai se recuperar, diz Nelson Barbosa a CartaCapital, é preciso não só reduzir a inflação e promover a estabilidade fiscal, mas, principalmente, estabilizar o nível da atividade econômica e o nível de emprego. “A estabilização macroeconômica requer também a recuperação do crescimento, não existe uma coisa sem a outra”, afirma.

Mudanças em legislações setoriais também podem ajudar a sacudir o pessimismo e impulsionar investimentos mesmo que não vigorem já. Dois exemplos citados por Barbosa: o novo Código da Mineração, proposto ao Congresso em 2013, e outro Marco Regulatório das Telecomunicações, um projeto prestes a ser concluído no governo. Duas leis antigas (a primeira é de 1967 e a segunda, de 1997) que, atualizadas, talvez gerem novos negócios.

De olho mais no futuro do que no curto prazo, Barbosa planeja encampar um grande debate sobre o Orçamento, uma reforma fiscal. Ajuste Fiscal, na visão dele, busca resultados contábeis imediatos, fazer caixa para pagar juros da dívida pública. Já uma reforma fiscal discutiria quanto o Estado gasta, para onde vão os recursos e quem paga a conta. Uma discussão sobre o tipo de sociedade que se deseja. “É o debate mais importante nas grandes democracias e precisa avançar no Brasil”, diz.

É por essa ótica que ele prega um tema que, com o impeachment à espreita e eleições municipais à vista, é bem delicado do ponto de vista político. Se depender do ministro e de Dilma, o Congresso receberá uma proposta de reforma da Previdência ainda este ano, apesar das preocupações do PT e do ex-presidente Lula de que seria arriscado perder apoio de gente disposta a defender o mandato de Dilma. “Existe reforma para acabar com programas sociais, eu defendo reforma para preservá-los”, afirma Barbosa. “Quando o País muda, os programas precisam mudar.”

A ênfase na busca do crescimento é a principal diferença entre Barbosa e o antecessor, na avaliação do economista e consultor Antonio Corrêa de Lacerda, da PUC de São Paulo. Para ele, Levy tinha “um diagnóstico e uma terapia equivocados”. Formado na Escola de Chicago, acreditava que o ajuste fiscal podia ser obtido só com cortes de despesas e que isso levantaria a confiança e os investimentos empresariais.

“Mas cortar investimentos e programas sociais jogava contra o ajuste, pois, se o próprio governo pisa no freio, por que o setor privado investiria?”, diz Lacerda. Com Barbosa, um keynesiano clássico, a Fazenda não estará mais dominada por uma visão financista. “Por isso o ‘mercado’ parece não ter gostado dele, o que é bom para o Brasil”, diz Lacerda. Ele crê, porém, que os esforços pró-crescimento serão sabotados pelo Banco Central, caso os juros subam na quarta-feira 20, dia em que Barbosa debutará no Fórum Econômico Mundial, em Davos.

A indicação de Levy para a Fazenda após a eleição de 2014 foi um sinal claro de que a austeridade daria o tom da política econômica no início do segundo mandato de Dilma, mas o descompromisso da presidenta com o crescimento seria perceptível desde 2011, segundo o economista da UFRJ João Sicsú, ex-diretor de Macroeconomia do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Para ele, o primeiro governo Dilma abandonou a política fiscal ativa da gestão Lula. A expansão média de 4% na era Lula seria resultado daquela política. “Quem decide a política econômica é o presidente da República. Até agora não ouvi nada da presidenta sobre mudanças na política econômica. Sem isso, mudar ministro vale pouco”, diz.

Do ponto de vista da economia, Barbosa pode dar certo ou não, o tempo dirá. Mas pelo menos o governo funcionará melhor. Colaborador da gestão federal petista desde 2003, Barbosa conhece os caminhos, as pessoas e os humores de Brasília. É mais afeito ao diálogo com os atores públicos, acha que não basta propor, é preciso convencer o outro de que é o caminho correto. Levy na Fazenda mais atrapalhava do que ajudava os colegas de Planalto e de primeiro escalão.

Motivo: sua personalidade (não aceita perder, sai do sério diante da divergência, tem um quê de messiânico) e sua ortodoxa linha de pensamento, contrária à de peças importantes do poder. “Ele achava que tinha de nos catequizar, que tinha de salvar o Brasil da gente. Conversar com ele era como conversar com um manual de economia”, conta uma testemunha de negociações internas no governo com Levy.

Os atritos entre o Planalto e o PT também tendem a arrefecer. Os petistas torciam o nariz para Levy, mas simpatizam com Barbosa, cultivador do partido mesmo sem ser filiado. Foi formulador da plataforma de Lula na eleição de 2006. Como ministro do Planejamento, em 2015, frequentou o Instituto do ex-presidente e debateu com a cúpula do PT. Sua ida para a Fazenda foi louvada pelo presidente do partido, Rui Falcão.

Ele diz agora: os sinais emitidos até agora pelo ministro são “indefinidos”. Nos bastidores, o PT tenta influenciar o rumo da política econômica. Cobra, por exemplo, alívio tributário aos mais pobres e maior taxação dos ricos e, no mínimo, a correção da tabela do Imposto de Renda, algo até agora descartado. “Não queremos uma política neoliberal que impeça o País de crescer. Este tem de ser o ano da retomada do crescimento”, diz Falcão.

Parte das “indefinições” sobre a política econômica começará a ser desfeita na próxima reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão. Dilma Rousseff nunca deu bola para o órgão, criado por Lula em 2003 para empresários, acadêmicos e sindicalistas terem voz perante o Planalto. O chefe da Casa Civil, jaques Wagner, esforçou-se, no entanto, para ressuscitar o grupo. Na segunda-feira 11, levou à presidenta uma lista de suas indicações ao Conselho. Se tudo correr como planejado, o grupo deverá reunir-se no dia 28, tendo como pauta o desenvolvimento do País. No que depender de Nelson Barbosa, “crescimento com distribuição de renda, aumento da renda per capita e ampliação dos serviços públicos” de uma espécie de novo programa de governo.

Uma curiosidade: Barbosa tem simpatizantes até no PSDB, embora no ninho tucano esse sentimento seja disfarçado pelas conveniências do Fla-Flu político. Quando ensaiava deixar o posto de número 2 da Fazenda em maio de 2013, o senador Aécio Neves, presidente tucano, disse à Folha de S.Paulo: “No meu time, onde a meritocracia vale, tem lugar para um economista talentoso como Nelson Barbosa”. Hoje general do impeachment, o mineiro revelou certa amnésia ao assinar uma nota em dezembro para comentar a escolha de Barbosa: “O maior mérito do novo ministro da Fazenda é agradar ao PT”.

O economista soube ser o eleito de Dilma para o sonhado cargo no próprio dia da nomeação. Até a noite da véspera, achava que favorito era o ministro Armando Monteiro Neto, do Desenvolvimento. Em uma reunião de cerca de uma hora no Planalto com Dilma no dia da indicação, 18 de dezembro, mostrou-se, segundo relato obtido porCartaCapital, consciente de que sua missão exige lidar com três públicos: o “mercado”, o Congresso e a sociedade. E que, neste último caso, a palavra-chave é “esperança”.

Tarefa difícil, esta, de despertar esperança. O motivo da atual insatisfação popular é a economia, o cidadão sente que a vida piorou e está sem fé na palavra de Dilma graças às promessas eleitorais descumpridas, diz Renato Meirelles, do Datapopular, especializado na classe C. Com inflação e desemprego em alta e salários em queda, as pessoas viram o poder aquisitivo cair e experimentam um sabor amargo. “É a primeira crise econômica em uma geração em que o brasileiro tem sensação de perda”, afirma. Nunca o Datapopular identificou tanta gente na classe C a fazer bico, 69%. “Mudar o gestor da economia conta pouco, o governo precisa explicar suas decisões aos brasileiros e convencer. Até hoje as pessoas não entenderam as mudanças no seguro-desemprego e no Fies. Mas como convencer se não existe mais confiança no governo?”

No Congresso, boa vontade com o ministro existe, e não só no PT. Desde 2015, por exemplo, ele mantém uma relação próxima com o PMDB do Senado, o maior da Casa, tendo chegado, inclusive, a formar com os peemedebistas uma aliança que quase desembocou na demissão de Levy em agosto. Na primeira reunião no Planalto após a troca na Fazenda, líderes governistas da Câmara fizeram questão de assinar uma nota a manifestar “plena confiança” em Barbosa e apoio a “ações para recuperar e fomentar o desenvolvimento econômico e produtivo do País, tendo em vista a geração de emprego e renda”. Uma estocada em Levy. A ideia da nota partiu do líder do PSD, Rogério Rosso, que em uma reunião em agosto no Planalto com ministros, disse a Levy: “Sugiro que o senhor saia um mês de férias e (se) coloque um desenvolvimentista (no lugar)”.

A troca na Fazenda e as alterações na política econômica funcionam como um reinício do segundo mandato para Dilma Rousseff. Servirão para devolver popularidade à presidenta, salvá-la da cassação e tornar o governismo competitivo na eleição presidencial de 2018? Para Marcos Coimbra, do Vox Populi, dificilmente a economia produzirá resultados até o desfecho da batalha do impeachment, daqui a três ou quatro meses.

A imagem de Dilma, diz, parece irrecuperável, pela sensação de traição econômica por parte do eleitorado, entre outras razões. “Para 2018, o governismo não tem de torcer pela recuperação da popularidade da Dilma, mas para o governo melhorar, e nisso a economia pesa. Se diminuir o pessimismo, o eleitorado terá menos disposição para olhar as alternativas.

 

por André Barrocal em Carta Capital
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