22/02/2016 07:03
”O país viverá tempos sombrios até 2017; Nada adiantará repetir mais do mesmo; Fragilidade da democracia explica corrupção; PT, ‘UDN de tamancos’, caiu na zona”.
Dilma Rousseff, ex-guerrilheira da Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares [VAR-Palmares], não estaria à altura dos desafios estabelecidos pela crise econômica que grassa o Brasil. É o que afirma o historiador Daniel Aarão Reis Filho, doutor da Universidade Federal Fluminense [UFF].
No primeiro mandato de Dilma Rousseff, já não tivemos a retomada da prosperidade dos tempos de Lula. Neste segundo mandato, nada indica que teremos a bonança daqueles tempos de volta. De nada adiantará insistir em mais do mesmo. O país está diante de desafios de reformas profundas.
Crise Persistirá
O escritor e autor de ‘A Revolução Faltou ao Encontro’ [1990] e de ‘Luís Carlos Prestes – Um Revolucionário entre Dois Mundos’ [2014] é taxativo. “Segundo as análises disponíveis, vagas e, às vezes, muito ‘chutadas’, teremos tempos sombrios até o fim de 2017, pelo menos”, fuzila o ex-capa-preta do MR-8.
A cultura da corrupção no Brasil se alimenta da frágil democracia, acredita Daniel Aarão Reis Filho. O “realismo político” matou a vocação reformista do PT e o emparedou nesta promiscuidade lamentável com empreiteiras e bancos, insiste. O engraçado é que o PT fazia questão de afirmar-se como ‘diferente’.
Confira a íntegra da entrevista:
Sob o impacto da crise econômica de 2016, a herança do Lulismo, como o crescimento de 7,5% do PIB em 2010, corre risco, como aponta André Singer?
Daniel Aarão Reis Filho – No primeiro mandato de Dilma, já não tivemos a retomada da prosperidade dos tempos de Lula. Neste segundo mandato, nada indica que teremos a bonança daqueles tempos de volta. De nada adiantará insistir em mais do mesmo. O país está diante de desafios de reformas profundas e não parece que a presidenta esteja vendo isto com clareza, nem parece que esteja à altura deste tipo de desafio…
O cenário mundial adverso com a desaceleração da China, a queda na exportação de comoditties, a crise na Europa e retração comercial com os países do Mercosul servem para explicar a dêbacle de Dilma Rousseff?
Daniel Aarão Reis Filho – Em parte, sim. Por outro lado, tem sobrado incompetência para vislumbrar saídas a longo prazo, o que já se evidenciou ao longo do primeiro mandato de Dilma. Não se trata apenas de incompetência técnica, embora esta também exista. O que falta é avaliação política e capacidade de decisão para enfrentar desafios que exigem mais do que a conciliação que presidiu os governos Lula e que, na época, foi suficiente para garantir a prosperidade de um jogo de ganha-ganha, em que todos ganhavam, embora ninguém tenha ganho tanto quanto os grandes empresários, empreiteiros e banqueiros.
2016, 2017 e 2018 apontam para o Brasil “mais do mesmo”: inflação, recessão e crise?
Daniel Aarão Reis Filho – Segundo as análises disponíveis, vagas e, às vezes, muito “chutadas”, teremos tempos sombrios até o fim de 2017, pelo menos.
Como explicar o enraizamento da cultura da corrupção no Brasil?
Daniel Aarão Reis Filho – Trata-se de uma tradição que vem de longe e suas raízes mergulham na fragilidade de nossa democracia, onde as instâncias de controle são incipientes e feitas para “deixar passar” a grossa corrupção. Os governos petistas, infelizmente, nada fizeram para por cobro nisso, nenhuma reforma digna deste nome. Ao contrário, a promiscuidade entre empresários e políticos só tendeu a crescer, basta dar uma olhada nos financiamentos das campanhas eleitorais. O sistema político, como um conjunto, chafurda numa lama que dá desgosto. Foi preciso o STF intervir para proibir os financiamentos – obscenos – empresariais. Logo veio uma “compensação”- o brutal aumento do “fundo partidário”…quando os partidos políticos aprenderão que devem viver exclusivamente do apoio de seus filiados e militantes?
Como o PT, então udenista de esquerda, ou da linha de montagem, enveredou-se pela caminho das relações promíscuas entre o público e o privado?
Daniel Aarão Reis Filho – Prevaleceu a ideia, liderada por Lula e José Dirceu, que fazia parte do “realismo político” aceitar esta promiscuidade como um “dado” da realidade. A UDN de tamancos, como dizia o Brizola, caiu na zona, como sua antecessora. Uma tragédia para a história das esquerdas brasileiras. Como disse o próprio Jacques Wagner, “lambuzaram-se” sempre em nome do “realismo político”. Abandonaram a perspectiva reformista e se transformaram em “gerentes” de uma ordem desigual e injusta. Juntar os cacos não vai ser tarefa fácil….
1997: então, me diga: Paulo de Tarso Venceslau estava certo?
Daniel Aarão Reis Filho – Certíssimo. Ele denunciou antes de todos os perigos da promiscuidade, desenhada ainda nos anos 1990. Não foi ouvido. Ao contrário, o expulsaram do Partido. Deu no que deu.
Triste fim para José Dirceu, de sua geração de 1968 e dos exílios, não? Como explicar?
Daniel Aarão Reis Filho – Tudo passa pela afoiteza de “chegar lá”, não na base da persuasão e do convencimento, mas do “realismo político”. O “realismo político” matou a vocação reformista do PT e o emparedou nesta promiscuidade lamentável com empreiteiras e bancos. O PT fazia questão de afirmar-se como “diferente”. Hoje, sua maior ambição é ser tratado como um partido “igual aos outros”.
Primeiro, Honduras. Depois, Paraguai. Por último, Argentina. Venezuela e Brasil na pauta. A esquerda latino-americana será afastada do poder?
Daniel Aarão Reis Filho – As tradições nacional-estatistas conhecem profunda crise. A onda nacional-estatista, forte a partir dos anos 1990, e apesar de suas ambições, não consolidou uma perspectiva de “socialismo do século XXI”, tivemos apenas uma nova versão de uma cultura política que se enraíza lá nos anos 1930 e 1940. Conciliação de classes, paternalismo, lideranças carismáticas…é preciso muito mais para superarmos esta crise, do ponto de vista dos interesses das camadas populares.
O que explica a ascensão do Syriza, na Grécia, do Podemos, na Espanha, do Bloco de Esquerda, em Portugal, e da esquerda no Trabalhismo Britânico?
Daniel Aarão Reis Filho – A crise de 2008 foi superada, a duras penas, penalizando-se as grandes massas de trabalhadores. O capital financeiro triunfou em toda a linha. Há uma busca, em todo o mundo, por alternativas às velhas fórmulas. No Brasil, o PT, em certo momento, pareceu ser portador destas expectativas. Não foi o caso. O desafio está posto.
Qual a sua expectativa sobre Bernie Sanders, nos EUA?
Daniel Aarão Reis Filho – Muito boa. Sanders representa perspectivas reformistas e democráticas radicais. É disso que precisamos no Brasil.
Existem diferenças substanciais entre Democratas e Rpublicanos?
Daniel Aarão Reis Filho – Existem diferenças substanciais entre a direita republicana (Tea Party e Donald Trump & Ted Cruz & Marc Rubio) e a esquerda democrática (Sanders). Se esta polarização acontecer, vai haver um debate rico na sociedade estadunidense.
O modelo-partido esgotou-se como instrumento para a transformação social?
Daniel Aarão Reis Filho – Os partidos não desaparecerão a curto prazo, mas se apequenaram e se deixaram aprisionar em jogos viciados e elitistas. Para transformações radicais, necessárias, vai ser necessário inventar outras formas.
O que o senhor anda lendo?
Daniel Aarão Reis Filho – Literatura russa (Isaac Babel) e bibliografia sobre o nacional-estatismo, em particular Ângela Castro Gomes.
Projeto de novo livro?
Daniel Aarão Reis Filho – Editar um livro sobre um seminário internacional que organizamos aqui no Rio sobre a emancipação da escravidão/servidão na Rússia, Brasil e EUA (previsão para novembro deste ano). Preparar uma reedição de ‘A Revolução Faltou ao Encontro’, prevista também para este ano. Por outro lado, venho me dedicando a escrever Contos da Luta Armada, um exercício ficcional sobre a luta armada contra a ditadura. Publicação prevista para 2017.
Fonte - Diário da Manhã