O Executivo Financeiro na era dos conglomerados

25/02/2016 11:51

”…O executivo financeiro que dirige empresas de ramos que não conhece por experiência, ele só conhece finanças e números”.

Entre 1945 e 1970, a organização das grandes empresas se dava em torno do setor de atividades, que exigia executivos experientes no setor. O conhecimento do RAMO DE NEGÓCIO era considerado essencial para se dirigir uma empresa. Nas montadoras existiam os que começaram como simples engenheiros de produto e chegavam à presidência com 40 anos de experiência no ramo. Nomes célebres como Lee Iacocca, com décadas na Ford e que depois salvou a Chrysler eram a regra do sistema capitalista.

No fim dos anos 60 começa uma nova era, os chamados “conglomerados”, grupos que, através de fusões e aquisições, juntavam empresas de setores sem relação um com outro. Nasce aí um novo tipo de empresa nos EUA, como a LTV, siderurgia e aviões, United Technologies, elevadores e turbinas de aviação, Rockwell, eletrônica e utensílios domésticos, Raytheon, radares, mísseis e TVs, a própria General Electric, que de eletricidade se volta para química, plásticos, motores de aviação, financeira. Mas o grande inventor dessa onda foi Harold Geneen, um contador nascido na Inglaterra e que fez fama e fortuna nos EUA quando assumiu a presidência da International Telephone and Telegraph Corporation, a célebre ITT. Entre 1961 e 1970, a ITT comprou 350 empresas dos ramos mais disparatados, como locação de automóveis (Avis), hoteis (Sheraton), seguros (Hartford) bombas (Gould), de um faturamento de $700 milhões de dólares chegou em 9 anos a $17 bilhões, tornou-se uma empresa emblemática com envolvimento político nas quedas de Jango e Allende.

Geneen não fez só a ITT crescer. Ele foi o guru intelectual de uma filosofia empresarial que pregava que um bom executivo poderia dirigir empresa em qualquer setor, não precisava ser especialista em nada a não ser em finanças, replicando o que ele era de profissão, um contador-auditor que virou presidente de um vasto conglomerado multi-ramo.

Esse doutrina Geneen virou uma espécie de crença universal e fez nascer o EXECUTIVO FINANCEIRO que dirige empresas de ramos que não conhece por experiência, ele só conhece finanças e números. Grandes exemplos não faltam, toda uma geração de executivos que pulam de empresa em empresa com currículo de financeiro na mão, especialista em cortar custos a qualquer custo como quem espreme um limão, não importa qual o setor.

Isso pode funcionar a curto prazo, mas é um câncer para o capitalismo. Esse tipo de executivo é perigoso para a economia, não tem função social, pode liquidar a longo prazo com o próprio capitalismo. O caso SAMARCO é um exemplo típico. Para espremer custos e gerar lucros no trimestre e garantir o bônus de fim de ano, se espreme a despesa e cuidados com certas áreas que “parece que dá para cortar”, o geniozinho deixa de reforçar a barragem e provoca na sequência um prejíizo 200 vezes maior do que gastaria. Esse tipo de executivo se replica em tudo e só o Estado com agências reguladoras fortes pode barrá-lo de cometer desastres na tarefa de “cortar custos correndo riscos”.

O exemplo máximo e mais deletério é o do grupo GP-Lehman-Ambev com suas fusões infinitas de cervejarias, criando um monstrengo cujo mecanismo central é comprar para cortar custos e com isso pagar a compra. Que sentido tem para o mundo um grupo sozinho controlar 300 marcas de cerveja em cinco continentes? Gera exatamente o que, qual o benefício social a não ser para eles? O capitalismo só sobreviveu porque ao criar prosperidade e riqueza beneficia a todos, essa é a justificativa social e política do modelo capitalista desde Adam Smith, o capitalismo não pode ser só bom para os donos.

O capitalismo do tipo exclusivamente financeiro produz concentração de renda e nada beneficia a população em geral. O fenômeno está sendo percebido mundialmente por pensadores como Piketty, Stiglitz e o resultado político dessa malignidade do capitalismo financeiro pós 1970 está se expressando em situações políticas em grandes paises onde uma população desencantada com a concentração de renda vê em candidatos fora do circuito financeiro-político, como Trump, que é rico mas não faz parte do sistema corporativo, ele é empresário individual, e novos partidos pela Europa, subprodutos desse mal estar anti-capitalista que esmaga as pequenas empresas e concentra toda a economia em mãos de meia dúzia de grupos, no processo reduzindo salários e eliminando empregos.

Além do aspecto social, esse modelo é intrinsicamente disfuncional, elimina a concorrência e ameaça o Estado. A concentração que se permitiu no sistema bancário brasileiro é absurda e levou a cartelização do sistema que pode cobrar as mais altas taxas de juros do planeta e é uma das causas da recessão brasileira. O modelo gerou um exército de empregos marginais de milhões de pessoas ganhando baixos salários, quando antes da expansão desse modelo a distribuição dos salários médios era muito mais equitativa nas empresas e bancos, o sistema era mais harmônico.

Geneen criou um monstro e seu modelo, em algum momento, será contestado por explosões sociais a nível mundial.

A doutrina do executivo financeiro contaminou as “escolas de administração de empresas” que estão totalmente voltadas à formação de executivos financeirizados sem ligação com produto ou ramo, só com balanços, o que em nível macro torna o conjunto das empresas menos eficientes para o sistema econômico como um todo, embora possam ser eficientes para os bônus dos executivos. Essa disfunção esteve por trás da crise financeira de 2008 e está atualmente produzindo um mal estar mundial nas economias dos países ricos e emergentes, ninguém está satisfeito com a economia porque ela não está mais atendendo às necessidades e expectativas das populações.

 

Por André Araújo no blog Luis Nassif OnLine