30/03/2016 07:01
Por que Temer e o PMDB só terão dor de cabeça agora. Sobreviver sem estar no governo é uma experiência inédita para o PMDB, que pode tropeçar nas próprias pernas.
Alguém já disse que é necessário tomar cuidado com nossos desejos porque eles podem se realizar. Ao abandonar o governo Dilma Rousseff, o PMDB e o vice-presidente Michel Temer fazem a aposta mais arriscada de sua história: assumir o poder sem intermediários, ao apoiar o impeachment da presidente, e enfrentar seus próprios fantasmas, como as fortes disputas internas, o histórico de fisiologismo e o ônus das medidas impopulares necessárias à retomada da economia.
“Um eventual governo Temer não tem garantia de coesão”, explica Roberto Romano, professor de Ética da Unicamp. Um aperitivo do que estaria por vir foi a própria reunião do diretório nacional do PMDB, que formalizou o rompimento com o governo Dilma. A decisão demorou apenas três minutos para ser aprovada pelos mais de 100 delegados da legenda presentes ao evento – para ser preciso: três minutos e muitos meses.
Isto porque a posição precisou ser negociada por muitos caciques do partido desde meados do ano passado. Era para ser aprovada na sua convenção nacional, em novembro. As divergências empurraram a própria convenção para o início de março. E, no melhor estilo peemedebista, a convenção jogou a decisão para a reunião do diretório nacional. “Cada decisão que o PMDB toma é um parto, porque o partido não tem unidade; é uma confederação de interesses regionais”, diz Romano.
Os rachas internos devem ser potencializados se o PMDB assumir o comando do país em um momento de aguda crise econômica, como o atual. Na verdade, as fissuras já começaram a aparecer. A primeira é a esperada desfiliação de Kátia Abreu, ministra da Agricultura, que deve ficar com Dilma e voltar para o PSD, o partido criado pelo ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que se declarou incolor – nem de direita, nem de esquerda. “O PMDB não vai sair ileso disso tudo”, afirma o cientista político Paulo Silvino, professor da Fespsp (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).
Quem encara?
Outro problemão, a partir de agora, é a montagem de um eventual governo Temer. Com o impeachment já encobrindo o nariz de Dilma, o vice-presidente pode assumir o poder até abril, segundo as contas de seus aliados. Os porta-vozes de Temer vêm insistindo que ele fará um governo de reconciliação nacional, montando um ministério de notáveis. O fato, porém, é que nada disso é garantido.
A reconciliação enfrentará a ira do PT, que, uma vez apeado do poder, voltará a vestir o figurino de oposição raivosa e intransigente. Representantes de movimentos sociais e sindicais ligados à legenda já prometem, publicamente, infernizar a vida do futuro governo – qualquer que seja.
O segundo desafio é convencer o PSDB a apoiá-lo. “Dificilmente, o discurso de reconciliação vai colar”, afirma Silvino, da Fespsp. Para Romano, da Unicamp, o mais provável é que os tucanos “façam corpo mole” em relação a Temer, apoiando medidas pontuais, mas sem fechar completamente com o novo governo, repetindo a estratégia adotada durante o governo Itamar Franco (1992-1995). O motivo é candidamente simples: o PSDB quer chegar ao Palácio do Planalto em 2018. Por que, mesmo, os tucanos apoiariam de coração uma legenda que também quer ter candidato próprio a presidente no mesmo pleito?
Outra coisa: o PMDB terá coragem de adotar, realmente, medidas impopulares para reconstruir a economia, num momento de recessão, aumento do desemprego, protestos populares e às vésperas das eleições municipais? Mesmo que tenha peito para isso, Temer demorará a ver os resultados práticos dessas políticas, no melhor estilo “vai piorar, antes de melhorar”. A dúvida é se as medidas surtirão efeitos tão positivos, em dois ou três anos, a ponto de apagar o sofrimento que causarão antes.
Fantasma
Por último: os correligionários de Temer estão tão enrolados na Lava Jato quanto os petistas com quem romperam hoje. “A Lava Jato ainda pode abater muitos peemedebistas”, observa Silvino, da Fespsp.
Se a ascensão do maior partido do país ao poder não é garantia de tempos mais arejados, o que nos espera? Para Romano, da Unicamp, não há nada animador no horizonte: “Temer pode ser uma repetição do governo Sarney”, diz, referindo-se à primeira vez que um peemedebista ocupou o Palácio do Planalto, entre 1985 e 1990.
É verdade que Sarney se filiou ao PMDB nos estertores da ditadura, após romper com a Arena e aderir à candidatura indireta de Tancredo Neves à presidência. Mesmo que não fosse um peemedebista de raiz, os problemas que enfrentou não mudaram nada até aqui: “toda essa divisão do partido levou o governo Sarney a ser um fracasso total”, lembra Romano. Ao querer andar sozinho, o PMDB corre o risco de tropeçar nas próprias pernas.
Da Redação com informações de Márcio Juliboni