Opinião – Como os juros baixos mundo afora afetam o Brasil?

12/04/2016 11:56

Será que teremos que esperar tudo isso passar para acordar para as oportunidades?

Os países desenvolvidos enfrentam um grave problema há anos causado pelo salvamento do sistema financeiro em 2008 e que perdura até hoje. Os juros estão baixos ou negativos nas maiores economias do mundo, a inflação baixa e o desemprego em queda. Um cenário completamente diferente do brasileiro.

Como e por que isso afeta o Brasil?

Este juro zerado ou negativo tem preocupado vários economistas que divergem sobre como essas economias conseguirão sair destas armadilhas. Para muitos, o problema ainda persistirá por muitos e muitos anos, sendo necessário manter os juros nesses níveis por mais tempo. É claro que devemos ter em mente que há analistas que acreditam no oposto, ou seja, que o Federal Reserve está no caminho errado e que o juro americano pode e deve ser elevado de maneira abrupta.

Há quem acredite que a demanda por títulos americanos vai cair muito e por isso o juro terá que ser elevado de maneira rápida para atrair capital (algo similar ao que ocorre no Brasil hoje). Na última quinta-feira (07/04/2016), por exemplo, Jamie Dimon, CEO do JPMorgan, disse que o mercado não poderá contar com os maiores compradores de dívida americana: o Fed, nações estrangeiras e bancos comerciais. Alguns investidores mais radicais acreditam que juro deva ir para 5% no curto prazo.

Porém, o ponto dessa resenha não é se a política do FED está certa ou não e, sim, sobre quais poderiam ser as consequências destes juros baixos por mais tempo. E, se esses economistas estiverem certo, que Deus nos proteja! Os cenários futuros, claro, são traçados para nunca se confirmarem por completo. Eles são feitos para errar. Acho que nunca li uma análise que acerte todas as premissas, muito menos as previsões. Cenários são traçados para que os investidores tenham um norte e um caminho. Durante a caminhada, as variáveis oscilam teimosamente diferente do previsto e precisamos fazer o ajuste fino.

Analisando a crise aguda que vivemos no Brasil, a primeira conclusão poderia ser a de que não há consequências positivas. O juro está perto de zero desde 2008 e a crise no Brasil só parece piorar. Europa e Japão estão com juros negativos e, aqui, o juro está 14.25% ao ano. Vamos pensar: do que adiantaria aplicar a juros de 15% no Brasil, se o câmbio se desvaloriza 20% no ano ou a inflação é de 15%?

Mas o quadro não é bem este: os EUA imprimiram cinco trilhões de dólares para salvar sua economia, o que teve reflexos positivos, por muito tempo, no Brasil. E mais, se não fosse assim, a crise estaria muito, mas muito mais profunda e dolorosa (isso mesmo, poderia estar pior, acredite). Antes da crise de 2008 (crise imobiliária e bancária americana que derrubou os juros deles para zero e os fez imprimir todo esse dinheirão) o juro estava em 5,25% e, antes da bolha da Internet de 2000, na Nasdaq, estava a 6,5%, quando foi derrubado para 1%.

Nem quero imaginar onde estariam dólar, bolsa e a curva de juros hoje se o mundo estivesse trabalhando aos níveis de juros anteriores à crise e antes de os principais bancos do mundo terem quebrado. Afinal de contas, juro zero nas economias mais ricas do mundo significa que boa parte do capital disponível para investimentos está acessível para apostas que paguem apenas um pouco acima do razoável (o juro brasileiro é bem acima do razoável).

Juros baixos mundo afora, próximos de zero e, às vezes, até negativos, trazem alento para nossa economia, que sofre bastante no momento. Estamos com sorte. Sorte, é isto mesmo o que eu escrevi e você leu. Como já disse, poderíamos estar numa situação bem pior. Lembrem-se de que antes de os EUA derrubarem o juro para zero, na verdade uma banda entre 0 e 0,25%, e decidirem por irrigar dinheiro no sistema (Quantitative Easing), o secretário do Tesouro Americano, Henry Paulson, se arrependeu amargamente de ter deixado o Lehman Brothers quebrar por achar que era um banco pequeno. O mesmo Paulson defendeu a tese de que para salvar a  economia americana da situação em que se encontrava, o BC americano deveria passear de helicóptero pelas cidades com chuvas de dinheiro,  li-te-ral-men-te. Claramente, Paulson estava errado em deixar o Lehman e aquela situação foi o gatilho para uma quebradeira em série que foi contida, com muita dificuldade, pelo BC americano: GRAÇAS A DEUS!

Em Março desse ano, novamente o Banco Central Europeu (BCE) e o Fed tiveram postura mais dovish. O Fed disse que não pretende mais aumentar por quatro vezes o juro em 2016, apenas duas (a ver, muitos discordam…). Foram elogiados pelo FMI. O  BCE contemplou cortes adicionais das principais taxas de juros e anunciou expansão de seu programa de Quantitative Easing. O BCE também disponibilizou linhas de financiamento bancário de quatro anos a juros negativos – imaginem isso no Brasil…pegar dinheiro emprestado e, quatro anos depois, pagar menos de volta?! Parem de imaginar, senão dá tristeza.

O fato é que nunca o Brasil teve tanta colher de chá como agora. Os juros, o desemprego e a inflação lá de fora sempre refletiam negativamente em nossa economia. Temos uma oportunidade de ouro para sair de nossa crise, que não é pequena, mas que pode estar na iminência de começar a terminar. Infelizmente, estamos vivendo há alguns anos uma crise de credibilidade no Brasil. Isso ficou evidente apenas agora para o grande público. Faz tempo que o mundo passou a olhar para o nosso país com cautela crescente. Não somos mais ricos porque o preço das commodities caiu de forma acentuada nos últimos dois anos. Na verdade, nunca fomos, mas parecia que éramos porque tínhamos fluxo de caixa alto.

Fatores políticos de lado, um dos efeitos que ocorrem com juros negativos mundo afora é o financiamento de projetos de private equity em economias emergentes. São investimentos em empresas da economia real que não são listadas em bolsa. Investimentos desse tipo demonstram credibilidade internacional de nossas instituições, o que também é positivo num cenário onde a credibilidade está em crise. Há quem diga que isso é bom e há quem diga que é ruim por estarmos vendendo nossos ativos a preços baixos. De qualquer maneira, este é um dos efeitos.

O ponto é que por causa do real desvalorizado, os estrangeiros têm mostrado muito interesse na aquisição de fatias de empresas ou de empresas inteiras no Brasil. Essas operações geralmente são financiadas por linhas de crédito externas com juros baixíssimos (lembre-se que se fosse na Europa, o juro do empéstimo poderia ser negativo).  Aproveitando empresas baratas e com bons produtos, a crise tem aberto oportunidades. Empresas de renome têm captado bilhões para serem investidos no Brasil. Fundos soberanos não têm perdido oportunidades. Muitos estrangeiros estão de olho no mercado imobiliário, que além de tudo, caiu de preço em reais. Esta circunstância trará expertise internacional em diversos setores, como o setor hospitalar e educacional. A frase que temos ouvido dos grandes investidores internacionais é: “Não podemos perder os bons preços!”.

O Fed mais cauteloso e o efeito do novo patamar dos preços do petróleo mais baixo ajudam a estabilizar o mercado de commodities e a amenizar saídas de capital estrangeiro de países exportadores de commodities, como o Brasil.

Commodites e títulos americanos são produtos substitutos (historicamente) e, estabilidade no juro americano, como tem demonstrado o Fed, tende (deve) a reduzir volatilidade no preço das commodities (e, logo, reduzir as quedas abruptas nesses preços). Aliás, isso pode trazer boas oportunidades para investidores em títulos do tesouro, que têm sofrido muito por causa da queda acentuada no preço das commmodities nos últimos tempos e, no caso dos estrangeiros, sofreram adicionalmente pela desvalorização de nossa moeda.

Historicamente, esse tipo de investimento não tem proteção por hedge cambial pelo alto custo da operação (corrói a performance).

Será que essa janela de oportunidade que insiste em sorrir para nós há quase uma década terá que fechar para percebermos que o mundo mudou? Será que teremos que esperar tudo isso passar para acordar? Será que os pessimistas estão certos e ano que vem será completamente diferente do ano passado?

Ninguém sabe. O que sei é que precisamos aproveitar a oportunidade senão será tarde demais.

Precisamos de um viés cada vez mais comercial e enxergar os investidores estrangeiros (ou até os turistas) como clientes, que nos trazem dinheiro e, junto com eles, desenvolvimento e oportunidades de uma inserção cada vez maior em um mundo cada vez mais globalizado. Espantá-los é o maior erro que podemos cometer.

Boa sorte, Brasil !

 

Por Pablo Stipanicic Spyer economista, gestor de recursos (CVM) e Diretor da Mirae Asset Corretora