Entrevista – Um novo governo não é a solução, diz executivo

18/04/2016 10:53

O fundador da Eurasia diz que um novo governo não resolverá os problemas crônicos da economia brasileira. E que a “Lua-de-mel” com Temer não vai durar muito.

Assim que o vice-presidente Michel Temer assumir a Presidência da República, haverá um pequeno período de “lua-de-mel” no Brasil. No entanto, esse cenário não irá durar por muito tempo. A opinião é de Ian Bremmer, presidente e fundador da consultoria de risco político Eurasia. “Os problemas estruturais da economia brasileira permanecem em seu lugar, e uma mudança na liderança política não muda isso”, diz.

Em entrevista por e-mail a, Bremmer destacou que dificilmente a presidente Dilma Rousseff sobreviverá à votação do processo de impeachment: “Na improvável chance de sobrevivência, a tentativa de um pacto de unidade nacional não funcionará.”

No cenário macroeconômico, o presidente da Eurasia acredita que o pior da contração econômica pode já ter passado para alguns grandes mercados emergentes, como a Rússia, e até mesmo o Brasil. “Vejo resultados melhores contra baixas expectativas, o que já é algo”, admite. Contudo, a situação “em ruínas” da economia brasileira faz com que haja um risco de regresso das conquistas sociais da última década, no curto prazo. “Já começamos a ver isso.”

Leia, abaixo, a íntegra da entrevista:

Enquanto líderes políticos são investigados e o país discute o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, qual é o cenário para a economia brasileira?

Bremmer: Não é bom. Haverá um pequeno período de “lua-de-mel” quando o [vice-presidente Michel] Temer assumir, mas não irá durar muito. Os problemas estruturais da economia brasileira permanecem em seu lugar, e uma mudança na liderança política não muda isso.

Se Dilma Rousseff sobreviver (e o impeachment não for aprovado), quais serão as principais dificuldades para o governo durante esses últimos anos de mandato?

Bremmer: Bem, não parece que ela irá sobreviver à votação do impeachment. Mas mesmo que ela, de alguma forma, sobreviva, o Brasil terminará onde está agora: com uma economia em dificuldade que continua a ficar atolada com o caos político. Na chance improvável de Rousseff sobreviver à votação, ela tentará fazer um pacto de unidade nacional com os partidos centristas, que não vai funcionar.

Os gastos do governo no Brasil são, em sua maioria, obrigatórios e quase metade deles são requerimentos da Constituição. De certa maneira, criando um tipo de “bem estar social de terceiro mundo”. A crise fiscal atual – em que o país não consegue cortar os gastos devido a esse pacto social – revela uma falha no modelo? E que precisamos, neste momento, de uma reforma mais profunda?

Bremmer: Não diria que esse modelo falhou. O fracasso tem mais a ver com a ineficiência e a corrupção na gestão do país do que o projeto do pacto social. Se o governo fosse mais efetivo e transparente, haveria mais disposição por parte do eleitorado para demonstrar flexibilidade e paciência, mas não é.

A última década do Brasil foi destacada por conquistas sociais e a ascensão das camadas de renda mais baixas da população ao mercado consumidor. Há um risco de regresso nessas áreas?

Bremmer: No curto prazo, sim, especialmente porque a economia do Brasil continua em ruínas. Já começamos a ver isso.

Como as preocupações renovadas a respeito do crescimento global e da efetividade das políticas dos bancos centrais ao redor do mundo podem impactar o mercado?

Ian Bremmer: Bem, certamente ajuda [o fato de] que agora nós temos um piso vindo de Janet Yellen [presidente do Federal Reserve, o banco central norte-americano], o que acalma o mercado em relação às taxas de juros. E mesmo que os números de crescimento global tenham sido revisados para baixo nesta semana, nós estamos vendo sinais de estabilização, particularmente da China. A recuperação dos preços das commodities e do petróleo está colocando um piso abaixo de muitos exportadores de matérias-primas, e o pior da contração pode já ter passado em alguns grandes mercados emergentes, como a Rússia e até mesmo o Brasil, talvez. Em suma, vejo melhores resultados contra baixas expectativas, o que já é algo.

Em relação ao petróleo, é possível prever a extensão do cenário de excesso de oferta? O que podemos esperar dos preços?

Bremmer: É improvável que os preços se recuperem notavelmente neste ano, então estamos olhando para uma era de preços “mais baixos por mais tempo”. Parte disso tem a ver com o lento crescimento de demanda, enquanto a outra parte tem a ver com o aumento de produção de outros países, como o Irã, o Iraque e a Líbia. E isso não ajuda com fato de que não haverá coordenação política vinda dos membros da Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo] no futuro próximo. A Arábia Saudita não quer assumir seu tradicional papel de principal fornecedor para estabilizar os preços, optando por maximizar a produção para manter sua participação de mercado. Então, o excesso de oferta continuará até que os mercados de petróleo comecem, finalmente, a se reequilibrar, provavelmente no segundo semestre do próximo ano, uma vez que o crescimento da demanda reduzirá o excesso de oferta e começaremos a ver a queda dos níveis dos estoques globais.

Em relação aos Estados Unidos, como o senhor acredita que as eleições presidenciais neste ano podem impactar os mercados? Qual candidato seria a “melhor opção” para Wall Street?

Bremmer: Não acredito que as eleições presidenciais dos EUA terão muito impacto sobre os mercados, desde que o vencedor não seja Donald Trump ou Bernie Sanders, que permanecem incríveis ‘azarões’. Quanto à preferência de Wall Street, qualquer centrista seria suficiente. Em geral, os mercados estão mais animados do que a cobertura política por aqui.

 

Da Redação - Entrevista concedida ao O Financista por Vinícius Andrade