Entrevista – Mais realidade e menos esperança com o impeachment

25/04/2016 12:09

Consultoria de Roubini avalia uma dependência de maior realidade e menos de esperança com o impeachment. Ariel Rajnerman, fala sobre o ambiente econômico e político do Brasil.

Os investidores precisam mais de realidade do que esperança para renovar as apostas com o Brasil, avalia Ariel Rajnerman, economista para a América Latina da RGE Monitor, consultoria de Nouriel Roubini. Segundo ele, a parte do mercado que pensa no longo prazo irá, assim que Dilma Rousseff e o PT saírem do governo, remover das projeções os cenários mais pessimistas. Isso, aponta Rajnerman, pode ser um ponto de virada.

O economista, que nos últimos meses têm acompanhado de perto o país, entende que o maior desafio em um eventual novo governo Michel Temer está mais relacionado com a implementação das possíveis reformas. “Os maiores riscos neste assunto continuam associados com a evolução das investigações de corrupção, que continuarão a chegar perto de Temer e seu partido, diminuindo o capital político e a sua habilidade de trabalhar as maiorias no Congresso”, diz.

Veja, a seguir, a íntegra da entrevista:

O senhor acredita que um processo de impeachment, e um novo governo, poderia restaurar a confiança no Brasil e, com isso, ajudar a tirar a economia da crise atual?

Ariel Rajnerman: Achamos que Dilma Rousseff simplesmente perdeu a capacidade de recuperar a confiança perdida. A confiança do investidor e dos empresários irá depender da capacidade de um novo governo em implementar as muito necessárias reformas para reduzir o déficit fiscal, estabilizar a dinâmica da dívida pública, e atingir os gargalos do lado da oferta. A confiança do consumidor também melhora assim que os cidadãos se sentirem mais otimistas com o futuro, mas isso vai levar um tempo para ser retomado devido à deterioração do mercado de trabalho, que deve persistir por um tempo, independentemente dos eventos políticos.

Uma administração Michel Temer estará em uma posição muito melhor para implementar essas reformas para conduzir a uma recuperação da confiança. A agenda econômica dele será muito mais clara e irá focar nas reformas estruturais (em particular os problemas de médio prazo – como a reforma da previdência), ao contrário de soluções rápidas para reduzir, na margem, o superávit primário que foram parte dos últimos programas anunciados por Nelson Barbosa.

O problema estará mais relacionado com a implementação. Os maiores riscos neste assunto continuam associados com a evolução das investigações de corrupção, que continuarão a chegar perto de Temer e seu partido, diminuindo o capital político e a sua habilidade de trabalhar as maiorias no Congresso. Além disso, evidências conclusivas de que a sua campanha eleitoral, e de Dilma Rousseff, foi financiada ilegalmente poderiam o forçar para fora do cargo, mesmo após que a presidente tenha saído.

Dado que o processo de impeachment está quase completo, o que irá agora guiar os mercados brasileiros?

Rajnerman: Poderíamos esperar uma reação positiva do mercado quando Temer se tornar presidente no lugar de Rousseff, mas um rali sustentado iria exigir sinais de coesão no Congresso e progresso nas reformas. As ações não parecem particularmente baratas, justificando uma postura cautelosa, apesar de que esperaríamos ver um retorno positivo para a dívida local. O real pode ter exagerado em sua reação; acreditamos que em torno de R$ 3,70 – R$ 3,80 por dólar estaria mais em linha com os fundamentos.

Até que exista uma maior clareza no ambiente político e no alcance das investigações de corrupção, esperaríamos uma maior volatilidade nos ativos brasileiros e sugerimos cautela. 

Parte dos investidores irá esperar até o final do processo de impeachment para começar a construir posições de longo prazo no Brasil?

Rajnerman: Não. Os mercados antecipam. Uma mudança no governo já foi amplamente precificada a este ponto. Os ativos brasileiros avançaram assim que aumentou a esperança de que os problemas fiscais e outros problemas estruturais serão resolvidos e a mudança de governo ficou mais provável. Muitos investidores começaram a construir posições assim que ficou possível a saída de Rousseff.

Para ver novos ralis a partir de agora, nós precisamos pular das esperanças/expectativas para a realidade; precisamos ver sinais de que o Congresso voltará ao trabalho e o governo terá a habilidade para seguir com as reformas necessárias para resolver a dinâmica insustentável da dívida e aumentar o PIB potencial.

Para os investidores de longo prazo, assim que Rousseff e o PT estiverem fora de cena, eles podem remover os cenários mais pessimistas (que envolvem uma espiral da dívida e uma retomada da inflação). É por isso que uma mudança de governo poderia ser um ponto de virada para os investidores; qualquer uma das possíveis trocas poderia iniciar uma agenda de reformas e estaria em uma posição muito melhor do que Rousseff para aprovações no Congresso. Muitos desafios vão continuar com certeza, mas a perspectiva iria melhorar, sem dúvida.

O Brasil testemunhou, na última década, muitos avanças nas áreas sociais. Agora, contudo, os gastos subiram demais e pioraram as contas públicas. O Brasil deveria reduzir as transferências de renda para abrir espaço para investimentos?

Rajnerman: O Brasil precisa definitivamente caminhar para um sério processo de consolidação. Mas precisa fazer isso de uma maneira inteligente. O país não deveria eliminar os principais programas sociais como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida; esses programas são cruciais para ajudar uma parte vulnerável da sociedade; e se bem implementado, o processo será benéfico para a sociedade como um todo.

O Brasil precisa definitivamente reformar o seu generoso sistema de pensão que se tornou insustentável (incluindo um aumento na idade mínima e com a equalização das exigências entre gênero e atividades) e aplicar uma emenda constitucional para reduzir os gastos que são mandatórios (atualmente em 90% do total).

Também é importante conter a expansão fiscal (os empréstimos subsidiados dos bancos públicos e de desenvolvimento). Os empréstimos subsidiados não apenas uma grande causa do enorme déficit fiscal (as perdas com esses empréstimos são, em última instância, pagos pelo Tesouro); eles também enfraquecem a efetividade da política monetária já que metade do estoque de empréstimos tem juros que não são diretamente influenciados pelo Banco Central.

 

Por Gustavo Kahil  - Entrevista publicada originalmente no site O Financista