Açúcar – Nova política da UE afeta mercado brasileiro

19/05/2016 10:58

Nova política da Europa para o açúcar muda mercado global e afeta o mercado brasileiro. Brasil e UE não possuem acordos de livre comércio que regulem a commodity

Mudanças expressivas nas barreiras comerciais que controlam o setor de açúcar estão redesenhando o mapa do mercado de uma das commodities mais protegidas do mundo.

Muitos países produtores de açúcar protegem sua indústria doméstica através da combinação de pagamentos garantidos a agricultores, restrições à produção ou limites de importação. Mas esse setor está sendo gradualmente liberalizado com uma série de medidas que podem derrubar os preços do açúcar. Refinarias e exportadores estão tentando descobrir o que vai mudar quando elas entrarem em vigor.

A maior mudança será a remoção das cotas de produção e dos pagamentos mínimos para os produtores de beterraba usada na fabricação de açúcar na União Europeia a partir de outubro de 2017. A expectativa é que os agricultores passem a exportar a maior parte do excedente, o que pode transformar a UE em uma grande concorrente no mercado internacional.

Além disso, a Organização Mundial do Comércio está analisando se a Tailândia, o segundo maior exportador de açúcar do mundo, está violando as regras comerciais ao subsidiar sua produção em um processo aberto pelo Brasil, o maior produtor mundial e uma voz potente a favor da liberalização. As barreiras de mercado na África também estão sendo pressionadas por acordos comerciais regionais.

“O mundo do açúcar vai ser sacudido por completo”, diz Hartwig Fuchs, diretor-presidente da Nordzucker AG, o segundo maior produtor de açúcar da Europa. Fuchs estima que a Europa tem potencial para colocar mais 3,5 milhões de toneladas de açúcar novo no mercado global por ano, total ligeiramente superior a 6% do volume de comércio global esperado para este ano.

As mudanças em andamento criam incertezas em um momento de volatilidade para o mercado de açúcar. O consumo de açúcar deve ultrapassar a oferta em 2016, depois de cinco anos de superávits e preços estagnados. O mercado subiu nos últimos meses depois que secas reduziram a produção em várias partes do mundo. Ainda assim, analistas acreditam que os preços podem cair no longo prazo pelo excesso de produção.

As mudanças que entrarão em vigor na Europa em outubro de 2017 são o auge de um processo que já provocou um corte nos subsídios do açúcar na UE depois de a OMC condenar o bloco em 2005 por praticar dumping em um processo aberto pelo Brasil, Tailândia e Austrália.

Com as reformas do ano que vem, os produtores europeus, que atualmente ocupam o terceiro lugar no ranking da produção mundial, dizem que irão elevar a oferta e exportar mais açúcar.

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“A UE certamente se tornará uma exportadora líquida”, diz Olivier Lippens, diretor administrativo da Finasucre SA, uma produtora de açúcar da Bélgica. Lippens estima que as exportações líquidas podem atingir até três milhões de toneladas ao ano.

Enquanto isso, as restrições sobre as importações de açúcar demerara serão mantidas na UE. Essa combinação pode prejudicar importadores como Tate & Lyle Sugars, cuja refinaria em Londres vem produzindo açúcar há 138 anos.

“Não seremos competitivos depois de 2017 a menos que a regulação mude”, diz Gerald Mason, vice-presidente da Tate & Lyle.

Muitos produtores de demerara do Caribe e da África dependem das vendas para refinadores europeus. “As pessoas que vêm fornecendo para a Europa há mais de 100 anos ou mais, infelizmente, são as vítimas”, diz Karl James, gerente da Jamaica Cane Products Cales Ltd.,exportadora jamaicana de açúcar.

Entre essas vítimas potenciais está também o Brasil. As reformas da UE devem reduzir o acesso do açúcar brasileiro à Europa ao mesmo tempo em que cria um concorrente para o produto do Brasil no mercado internacional, disse Geraldine Kutas, assessora sênior da presidência da Unica para assuntos internacionais, em entrevista ao The Wall Street Journal, de Bruxelas. A Unica é a entidade que representa a indústria brasileira de açúcar e etanol.

“Com a abolição das cotas de produção, os países mais competitivos da UE como França e Alemanha irão elevar sua oferta de açúcar, reduzindo a necessidade de importação do bloco em até 50%”, disse ela. Esse açúcar que precisará ser importado virá de países com os quais a UE possui acordos de comércio ou cotas sem impostos, acrescentou.

Hoje, o Brasil exporta 600 mil toneladas de açúcar por ano para a UE através de um sistema de cotas pelo qual paga um imposto de 98 euros por tonelada, considerando um preço médio de 350 euros por tonelada. “Como o Brasil não possui um acordo de livre comércio com o bloco para o açúcar e o etanol, esse volume exportado pode desaparecer a partir de 2017”, disse Kutas.

Além de perder o acesso ao mercado europeu, o Brasil terá que enfrentar a concorrência dos produtores da UE no mercado internacional de açúcar. Atualmente, a UE tem suas exportações limitadas em 1,4 milhão de toneladas, “mas esse número pode subir consideravelmente com as reformas”, afirma a assessora.

A mudança também deve atingir os produtores com custo mais elevado do Caribe, que podem ter dificuldades em competir na Europa quando os preços caírem com o fim das cotas.

Na Europa, os produtores de beterraba já cortaram os preços para ganhar mercado antes da reforma de 2017. O impacto está sendo sentido por todo o setor açucareiro. A refinaria da Tate & Lyle, às margens do Tâmisa, está operando com capacidade reduzida. Em outubro, a Jamaica Cane Products Sales concordou em estender por um ano um contrato de fornecimento de açúcar demerara para a Tate & Lyle por cerca de US$ 370 a tonelada, bem abaixo dos US$ 770 registrados no acordo anterior de três anos.

Em uma mudança de posição em relação à decisão da OMC de 2005 que derrubou as barreiras europeias, o Brasil agora está colocando a mira em seu antigo aliado, a Tailândia. O Brasil tem acusado a Tailândia de aumentar sua participação no mercado de açúcar global subsidiando as exportações. Em uma manobra complexa, o governo tailandês fixa os preços domésticos do açúcar, taxa as vendas e usa a receita para subsidiar os produtores de cana-de-açúcar. O Brasil afirma que isso é uma violação às decisões da OMC que custa aos seus exportadores cerca de US$ 1 bilhão por ano.

O Brasil “quer um resultado similar ao que obteve quando processou a União Europeia”, diz João Botelho, analista da corretora INTL FCStone Inc.

 

Por Ed Ballard no The Wall Street Journal - Colaborou Eduardo Magossi.