Análise Política – Excesso de partidos pode explicar atual crise e futuras

21/05/2016 12:16

Número excessivo de partidos pode ter sido motivo da dificuldade de Dilma na formação de uma base aliada, contribuindo assim para 0 seu afastamento.

Afastada da Presidência desde 12 de maio, Dilma Rousseff mantém o discurso de que foi vítima de um “golpe”, mas agora também passou a apontar o excesso de partidos políticos como uma das explicações para a crise política que levou à abertura do processo de impeachment contra ela.

Para Dilma, a composição do Congresso dificulta a formação de uma base compromissada com o programa do governo federal. A avaliação foi feita em entrevista ao jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept, divulgada na quinta-feira (19).

“Aumenta o número de partidos sistematicamente e cada vez os governos vão precisando de mais partidos para formar a maioria simples e a maioria de dois terços do parlamento. Você tem de ter uma base de alianças. Quanto maior a base de alianças, menos política e ideologicamente [ela é] alinhada. Então você passa a ter de construir alianças muito amplas. Este é um processo extremamente complexo”

Dilma Rousseff presidente da República afastada, em entrevista a Glenn Greenwald

 

A desintegração da base de Dilma

O país tem atualmente 35 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, 25 deles com representação no Congresso. A base aliada de Dilma chegou a ter oficialmente dez partidos. O principal era o PMDB, que em março rompeu com a petista e migrou para a oposição.

A gestão da presidente afastada teve o maior número de partidos em ministérios desde a redemocratização, parte deles concedida em troca da promessa de apoio das legendas nas votações na Câmara e no Senado.

Essa relação entre Legislativo e Executivo não começou com Dilma, e nem é uma exclusividade do Brasil. Mas no caso dela o resultado não foi o esperado. A petista sempre foi muito criticada por sua falta de paciência para lidar com parlamentares.

O problema, no entanto, não foi só esse. Sua base ruiu em meio às denúncias da Lava Jato (que atingiu boa parte do Congresso) e à crise econômica. E o desembarque de aliados veio em bloco assim que o impeachment se tornou uma possibilidade real.

Com Temer, a criação do ‘centrão’

Agora, já com o vice Michel Temer como presidente interino, 13 partidos anunciaram a criação do “Centrão” na Câmara, bloco que representa 225 dos 513 deputados.

O grupo reúne legendas médias e pequenas, como PP, PSD, PR e PEN. Embora com pouca identidade partidária e sem pautas políticas em comum, o grupo será determinante na aprovação ou veto de projetos na Câmara.

A maior parte desses partidos, após abandonar a base de Dilma, votou pelo impeachment e já sinalizou a Temer que o apoio a ele não será gratuito.

A opinião de cientistas políticos

Dois cientistas políticos para saber se o número de partidos também explica a crise do governo Dilma e se é de fato determinante para a governabilidade de qualquer presidente. São eles:

Carlos Melo, cientista político e professor do Inspe e Marcia Ribeiro Dias, cientista política e professora da Unirio.

O número de partidos foi fator complicador para Dilma e é também para governabilidade, seja quem for o presidente?

Carlos Melo – “O número de partidos é um grande problema, mas não é o único vilão. Além disso, tem-se como espírito desse relacionamento [entre Legislativo e Executivo] o fisiologismo: a divisão de cargos e recursos [em troca de apoio].

O que a presidente afastada aponta é verdadeiro, é real, talvez seja até mais complexo. Mas a questão é: ela não percebeu isso antes? No auge do seu bom momento, por que ela não encaminhou medidas contra isso? A forma de trazer governabilidade no Brasil está viciada, mas acho que Dilma, de certa forma, se deixou levar por esses vícios.

A justificativa de Dilma vem tarde. Ela se acomodou a um sistema, sabidamente ruim, até que chegou em um momento que não tinha mais nada a dar. Esse sistema entra em colapso porque ele é voraz. Quando você baseia uma relação política exclusivamente na distribuição de cargos e de recursos, vai dar problema, porque os recursos são finitos. Se Temer continuar com essa lógica também terá problema e quem assumir em 2018 também.”

Marcia Ribeiro Dias – “O número de partidos no Brasil é um caso único no mundo no plano das democracias. A quantidade é dramática, mas não chega ser tão dramática quanto o uso que se faz deles. A maioria dos partidos são fisiológicos. Legendas para amparar candidaturas e não conjunto políticos ideológicos verdadeiramente consistentes.

Não acho que o problema seja só pelo número de partidos, mas a inconsistência. É essa inconsistência que permite, por exemplo, que o PMDB, mesmo eleito com a agenda do PT, consiga reverter isso com uma aliança com o PSDB e o DEM, os principais partidos da oposição. Isso é um recado ao eleitor de que ele não pode confiar no partido. E isso é péssimo para a democracia.

Para além da hiper-fragmentação do sistema partidário, temos um problema mais de fundo que são grandes partidos que controlam grandes fatias do poder e reproduzem essa inconsistência e a propagam. Como governar com isso? Isso abre brechas para a traição.”

Qual a solução?

Carlos Melo “É necessário reformar esse processo todo. Eu eliminaria as pontes, eliminaria ao mínimo necessário os cargos de livre provimento [cargos de confiança], geralmente usados para se distribuir aos partidos e forças políticas. Se eu não tenho cargo para dar, vou ter que buscar acordos de outro nível. Eu também limitaria o número de mandatos a parlamentares. Não vejo lógica em uma pessoa ficar 40 anos no Congresso. Isso transforma a política em feudos. Tem um grande grau de romantismo no que estou dizendo, mas se você não tiver coragem e ousadia, não se altera o processo. Quando se fala em reforma política, o sistema atual é esperto. Ele muda regras sem transformar a essência e faz a discussão que lhe interessa.”

Marcia Ribeiro Dias – “Partidos são necessários para a democracia. Quanto mais plural a sociedade, maior a necessidade de ter partidos que representem essa pluralidade (em termos culturais, econômicos e sociais). Mas não a hiper-fragmentação, como é o caso do sistema brasileiro. Já se buscaram fórmulas mágicas para se romper isso, como a cláusula de barreiras, mas ela eliminaria partidos com identidade partidária.

As elites políticas não estão aptas a fazer uma reforma política que leve em conta a necessidade dessa transformação porque elas se beneficiam desse sistema. Mas a reforma política é urgente para que se possa pensar em continuarmos democratas.

Um dos caminhos é o plebiscito, por meio de uma discussão de fato com a sociedade. É um exercício complicado, mas pode trazer resultados potentes. O outro caminho é uma Assembleia Constituinte para fazer a reforma política. Intelectuais e especialistas devem participar desse debate para se discutir novas regras de eleição proporcionais (para vereadores e deputados), as regras de financiamento… Todo esse processo tem que ser revisto. Urge identificar as causas da instabilidade brasileira. Essa instabilidade não vai acabar com o governo Temer. Não há solução de curto prazo sem intervenção racional sobre esse modelo.”

 

Por Lilian Venturine no Nexo Jornal