Opinião – Novamente, o aumento do servidor

06/06/2016 09:44

”A mídia informa, que em São Paulo foi ajuizada ação popular, com pedido de liminar, para “barrar” o reajuste dos servidores públicos federais.”

Volto a abordar o aumento do servidor público federal, em tramitação no Congresso Nacional (ver artigo anterior).

A mídia informa, que em São Paulo foi ajuizada ação popular, com pedido de liminar, para “barrar” o reajuste dos servidores públicos federais.

Não se discute o princípio constitucional, que garante o direito de todo cidadão recorrer à justiça (artigo 5º, XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito).

O postulante pede a nulidade de ato administrativo, ainda não consumado, por considerar que a crise econômica e a instabilidade política serão agravados. No arrazoado cita equivocadamente suposto percentual menor do último reajuste concedido aos trabalhadores (11.6%), porém reconhece que os recursos financeiros estão previsto no orçamento da União e o desembolso será gradativo.

No mínimo inusitada a postulação, salvo se o objetivo for à busca de holofotes, ou tentativa de intimidação do Senado e do Presidente da República.

Senão vejamos.

Os reajustes dos servidores, aprovados na Câmara, não são dadivosos. Inclusive, não repõem a inflação de um período de dois anos.  Eles cumprem a regra constitucional, por serem atos obrigatórios, segundo o disposto nos artigos 37, X (in fine) e 39 da CF, além da regulamentação da lei n°10.331, de 18.12.01.

Estão sendo adiados há uma década, o que felizmente não ocorreu em relação aos trabalhadores em geral, que vêm tendo justos aumentos regulares, nos últimos anos.

Observe-se que o reajuste discutido prevê reescalonamento em três etapas, entre 2017 e 2019, tudo já previsto em Orçamento.

É falsa a alegação de que esses aumentos trarão impactos nocivos à economia. Há muito tempo a relação entre despesa de pessoal e Receita Corrente Líquida da União está equilibradíssima, com o percentual de 37.1% em 2015, muito abaixo do que recomenda a Lei de Responsabilidade fiscal, que fixa o limite prudencial de 51%.

O governo mínimo é necessário, como meio de agilizar procedimentos na economia e superar os óbices da burocratização. Todavia, não significa governo sem máquina pública eficiente, capaz de garantir o equilíbrio social e aplicar sanções, quando necessário.

Percebe-se que nos últimos dez anos, de acordo com a série história, o limite de gastos com funcionalismo foi sempre respeitado, abaixo de 40%, o que demonstra ser injusta a imputação de que o desequilíbrio das contas públicas decorre do ônus com o pagamento da folha de servidores.

O desequilíbrio tem origem em outras situações.

Por exemplo: o Estado, jornal notoriamente conservador, registrou em reportagem recente, que o atual governo estuda rever uma categoria de gasto público que disparou nos últimos anos: os benefícios concedidos ao setor empresarial.

O autor do artigo é defensor intransigente do livre mercado e de estímulos à economia, através da iniciativa privada comprometida com o verdadeiro interesse coletivo, que é a geração de empregos em curto prazo e novas oportunidades.

Esse processo, todavia, não justifica os fatos concretos que o Estado destacou em reportagem, ou sejam, subsídios, desonerações e regimes tributários diferenciados para toda sorte de setores – portos, indústrias químicas, empresas de petróleo, fabricantes de equipamentos de energia eólica e até o agronegócio, que “quase não paga Previdência e impostos porque a maioria dos produtores, inclusive os que faturam bilhões, acabam sendo enquadrados como pessoa física, e não jurídica”.

Os benefícios tributários, financeiros e creditícios ao setor privado somam R$ 270 bilhões neste ano, mais que o dobro do déficit primário do governo, estimado em R$ 120 bi, o que não reduz o aumento constante do desemprego.

A principal justificativa desses benefícios seria cortar impostos para fomentar o desenvolvimento de regiões menos favorecidas, quando 52% do total beneficiaram o Sudeste, a região mais próspera.

Por outro lado, o aumento da dívida pública e os escândalos notórios de sonegação fiscal desequilibram a economia, tornando inquestionável que não será correto responsabilizar o servidor público pelos males nacionais.

Sem prejuízo da necessidade de mudanças pontuais no serviço público, que cortem privilégios e aumentem à eficiência, “anular” o reajuste do servidor em tramitação, como pede a Ação Popular proposta, significaria também impedir os reajustes periódicos de trabalhadores, aposentados, pensionistas e também sustar a aplicação de qualquer índice econômico, que atualize desembolsos de contratos devidos à iniciativa privada, decorrentes de empréstimos, financiamentos, ou situações correlatadas.

ney lopes

Por Ney Lopes – jornalista, ex-deputado federal; procurador federal; ex-presidente do Parlamento Latino-Americano, e professor de Direito Constitucional da UFRN – [email protected]www.blogdoneylopes.com.br
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