Opinião – De olho no ‘baixo clero’

26/06/2016 16:13

”…quais interesses representam personagens como Tia Eron? Trata-se, basicamente, de uma componente do grande grupo denominado ‘baixo clero’…”

O noticiário político recente tem se concentrado sobre o processo de cassação de Eduardo Cunha, presidente afastado da Câmara dos Deputados, o que coloca em evidência figuras pouco conhecidas do público. Personagens como a baiana Tia Eron, deputada federal que desapareceu no momento de proferir o voto derradeiro sobre o futuro de Cunha no Conselho de Ética da Câmara, hoje impressionam a opinião pública com seus padrões de comportamento pouco apropriados para alguém que recebeu a confiança de mais de cem mil pessoas. A representatividade do sistema político brasileiro, portanto, é tema que precisa ser bastante discutido.

O principal componente da democracia não é apenas sua capacidade para escutar as maiorias, mas sim a maneira como permite a participação das minorias no exercício do poder. Nesse sentido, a democracia representativa brasileira mostra condições formais para cumprir com tal função: nossa sociedade é diversa, e não há dúvida de que o Legislativo nacional já reflete uma parte desses extremos e contradições.

A questão, portanto, é: quais interesses representam personagens como Tia Eron? Trata-se, basicamente, de uma componente do grande grupo denominado “baixo clero”, ou seja, aqueles que não ocupam qualquer lugar de destaque no Parlamento. É possível imaginar que tais parlamentares nem sequer têm pretensões de alcançar fama e glória na política.

A principal preocupação dos deputados que compõem o “baixo clero” parece ser mesmo a de se manter no cargo, o que os leva a mirar constantemente a próxima eleição. Dessa forma, procuram, de todas as formas, mostrar resultados apenas para as pessoas que votaram neles no pleito passado. O horizonte limitado desses parlamentares não é, por definição, um problema: na pior das hipóteses, ajudam a manter a situação atual, que lhes permitiu a chegada ao poder.

A questão principal não se relaciona tanto com a ação dos políticos, mas sim com a ausência de ação do eleitorado. A prática da representação pressupõe que o público tenha consciência do sistema político, e assim faça uso desse para levar à atenção do poder público suas demandas. O entrave brasileiro reside, portanto, nessa equação aparentemente simples: em um país com mais de 35% de analfabetos totais e funcionais, qualquer transmissão de conhecimento se torna uma tarefa extremamente difícil. Uma grande parte da população, assim, tem sua participação na política condicionada pelo jogo de aparências realizado por muitos candidatos, especialmente os membros do “baixo clero”.

Esse fenômeno tem efeitos que vão além da baixa representatividade de parte da população brasileira junto ao poder. Quando um deputado não se sente vigiado por seus eleitores, passa a se comportar de acordo com uma dinâmica individualista, o que dita os rumos da Câmara como um todo: não se forma maioria sem o consentimento desse grande grupo, o que obriga qualquer governo a atender as vontades pontuais e superficiais do “baixo clero”. Dependemos, assim, da educação para romper esse ciclo.

paulo diniz
Por Paulo Diniz jornalista e reporter em O Tempo
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