Entrevista – Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia

30/06/2016 00:31

Kahneman – ”A maioria que perde pensa que está ganhando”. Em entrevista, o Prêmio Nobel de Economia comenta semelhança entre Brexit e Trump

Deixe sua carteira de investimentos em paz e não tenha medo de se arrepender e mudar de ideia. As recomendações de Daniel Kahneman, 82, Prêmio Nobel de Economia em 2002, ultrapassam o universo das finanças.

“Entendemos bem menos o mundo do que acreditamos”, diz o psicólogo americano de origem israelense, que sintetiza a mente humana em sistema 1 e sistema 2, sendo um automático e intuitivo e o outro lento e consciente, conforme explicado no best-seller “Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar” (2011).

Kahneman dissecou erros dos investidores e deu conselhos para fugir do excesso de confiança na palestra proferida a cerca de 400 pessoas, em evento da Empiricus na tarde de quarta-feira (28), em São Paulo. Confira a entrevista concedida por ele.

“Há óbvios paralelos [do Brexit] com Trump. É uma preferência de gente mais velha do que jovem, menos educada do que educada. É uma categoria de pessoas que, em ambos os casos, sente que o mundo foi tomado delas”, afirma o professor emérito da universidade de Princeton, hoje consultor de empresas.

A seguir, leia os principais trechos da conversa:

O senhor nota semelhanças entre o Brexit e a ascensão de Donald Trump?

Daniel Kahneman: Ficou claro que havia muito mais emoção no lado do Brexit do que no lado do “Remain”. O voto pela permanência foi, na maior parte das vezes, originado do sistema 2, do pensamento não impulsivo. Interessante notar que, se o referendo fosse hoje, o resultado já seria diferente.

Há óbvios paralelos com Trump. É uma preferência de gente mais velha do que jovem, menos educada do que educada. O Brexit e Trump são escolhas de uma categoria de pessoas que, em ambos os casos, sente que o mundo foi tomado delas.

Elas acham que o mundo costumava ser melhor, assim como mais fácil de compreender. Agora seria mais complicado e diverso. Em ambos os casos, há os elementos de medo e ódio aos estrangeiros.

O dinheiro não compra felicidade, diz o clichê, mas ele compra bem-estar? Uma pesquisa Gallup, que o senhor gosta de citar, mostrou que americanos com renda anual menor de US$ 60.000 por ano eram mais infelizes do que as que ganhavam acima desse patamar. Eles são mais infelizes ou têm menos bem-estar?

Kahneman: Faço uma distinção entre felicidade emocional e satisfação com a vida. Quanto mais dinheiro as pessoas têm, mais satisfeitas elas estão. E isso não para, evolui indefinidamente. Mas não é verdade que há felicidade emocional em ser mais rico.

Quando as pessoas têm mais dinheiro do que essa quantia indicada pela pesquisa, elas começam a perder o prazer com algumas coisas. Pode-se dizer que a satisfação em ter mais dinheiro compensa essa perda de prazer.

Qual é o pior erro de um investidor?

Kahneman: Em geral, os investidores não parecem aprender com as suas experiências e continuam fazendo errado. Embora você possa provar estatisticamente que não é bom, há quem compre e venda ações no mesmo dia. Cerca de 1% ganha dinheiro mesmo, muito dinheiro. São bons. Mas a maioria perde. Mesmo assim, quem perde pensa que está ganhando. O que acontece é que, quando o mercado está indo bem, as pessoas pegam carona e acham que são muito inteligentes. E, quando está indo mal, elas acreditam que deram azar.

Experimentos da economia comportamental podem contribuir efetivamente para a elaboração de políticas governamentais?

Kahneman: Sim, o livro “Nudge”, de Richard H. Thaler, traz muitos exemplos.

O ponto mais importante é que os economistas, tradicionalmente, apostam que os incentivos fazem diferença, assim como a informação. Se você der informação às pessoas e fornecer incentivos, poderia atingir determinados objetivos. Mas a informação não é útil em muitos casos, já que as pessoas nem sempre conseguem assimilar. Além disso, há diferentes aspectos que trabalham para anular os incentivos e este é o ponto principal das finanças comportamentais: como influenciar o comportamento econômico das pessoas, sem incentivos.

O senhor concorda com a taxação de grandes fortunas? Isso não poderia desincentivar a criação de riqueza?

Kahneman: As respostas para essa pergunta são altamente correlacionadas com posições políticas. Um dos economistas que admiro é Robert H. Frank. Ele sugere que a maior razão para o cultivo da riqueza é o status que ela confere às pessoas. Se a tributação não fizer os ricos perderem status, então tudo bem. Há economistas que não concordam com Frank, mas simpatizo com a sua ideia.

Nessa linha, é ridículo dizer que Larry Page (CEO da Alphabet) faz o que faz apenas para ganhar dinheiro. Claramente, para Larry Page, ter mais dinheiro é uma espécie de procuração para atingir certos objetivos – e acho que isso vale para muitas pessoas ricas. Dinheiro é uma caminho para auto-respeito, orgulho etc.

O senhor prescreve algum remédio para o excesso de confiança?

Kahneman: Ter a visão de fora é uma cura. E se é algo em que você está emocionalmente envolvido, meu conselho é pedir conselho a um amigo que seja inteligente e não se importe muito se vai machucar os seus sentimentos.

Em quem pretende votar: Hillary Clinton ou Donald Trump?

Kahneman: Essa é fácil, eu não conheço ninguém que votará em Trump.

 

Por Conrado Mazzoni em O Financista