Entrevista – O sonho do Brasil em ser uma potência. Quando será?

12/07/2016 11:56

Harold Trinkunas e David Mares comentam o insucesso do Brasil por um lugar entre as grandes potências mundiais. Até agora, apenas uma potência de escândalos de corrupção

O Brasil tentou quatro vezes – e fracassou em todas elas – conseguir um lugar de destaque entre as grandes potências mundiais. Desde 1914, o país reivindica para si a condição de grande país, e não apenas de país grande. Mas tem encontrado barreiras intransponíveis.

No livro “Aspirational Power – Brazil on the Long Road to Global Influence” (Aspirante a Potência – O Brasil no Longo Caminho até a Influência Global, em tradução livre), lançado em junho pelo centro de estudos Brookings Institution, baseado em Washington, os autores David R. Mares e Harold A. Trinkunas analisam essa ambição ao longo dos anos, os sucessivos insucessos e suas razões.

Trinkuas e Mares falam muito do “soft power” brasileiro. O termo, que pode ser traduzido como “poder brando”, se refere à capacidade de atração e persuasão que um país possui, e normalmente se opõe ao “hard power”, ou “poder duro”, que se refere às políticas de coerção e intimidação. Influência cultural é “soft” e invasão militar é “hard”.

A reportagem conversou com os autores sobre o livro, onde evidenciam a busca do sonho do Brasil sobre as tentativas frustradas do país e sobre o papel da crise atual no futuro das pretensões internacionais brasileiras. São eles:

  • David Mares, titular da Cadeira de Relações Inter-Americanas no Instituto das Américas da Universidade da Califórnia, San Diego. É membro do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos e do Conselho de Relações Exteriores.
  • Harold Trikunas, titular da Cadeira Charles W. Robinson e membro sênior e diretor do programa Iniciativa Latino-Americana em Política Internacional da Brookings. Sua pesquisa foca em política latino-americana, particularmente em assuntos relacionados a política externa, governança e segurança.

O livro se refere à falta de ‘dimensão militar’ do Brasil. Isso é algo que um país aspirante a potência deveria buscar para ganhar influência numa nova ordem?

David Mares Nós não argumentamos que o Brasil deveria desenvolver capacidades militares ofensivas. Mas a segurança é parte da governança internacional, e a força pode ser necessária em algumas circunstâncias. Um Estado certamente pode discordar do uso da força em situações particulares, mas nenhuma nação que tem o desejo de ser influente no espaço internacional pode simplesmente dizer que não será líder em nenhum cenário que exija reagir a evidentes agressões ou a violações massivas de direitos humanos. O Brasil é participante em operações de manutenção de paz, mas não tem poder logístico, de mão-de-obra ou de fogo para complementar o que tem sido até hoje funções sobretudo diplomáticas ou, até certo ponto, operacionais.

Harold Trinkunas Como outras potências emergentes, como a Índia, o Brasil vive hoje numa região do mundo muito pacífica. Isso contribuiu para a preferência brasileira em evitar o uso da força na política internacional. Porém, nós argumentamos no livro que o país deveria aumentar sua capacidade militar para contribuir para o fortalecimento da segurança internacional, particularmente por meio da liderança em operações de paz, como faz no Haiti. Nesse sentido, o Brasil pode usar seu ‘hard power’ para fortalecer o alcance de sua influência e de seu ‘soft power’.

Os srs. mencionam ‘três tentativas do Brasil de alcançar um status de potência no passado’. Quais foram essas tentativas e por que elas falharam?

David Mares A primeira tentativa foi iniciada na Segunda Conferência de Paz de Haia, em 1907, e terminou com a saída do Brasil da Liga das Nações no fim da década de 1920. Durante esse tempo, o país teve participação mínima na Primeira Guerra Mundial. Esse esforço foi bastante prematuro, dado que o país não tinha nem ‘hard power’ nem ‘soft power’ que justificasse uma posição de liderança na Liga. E foram essas mesmas fraquezas que abreviaram a emergência do Brasil depois da Segunda Guerra Mundial, apesar de um esforço moderado na Europa.

A terceira tentativa aconteceu durante a ditadura militar na Guerra Fria. O governo embarcou numa estratégia de emergência que teve uma forte orientação de ‘hard power’ (incluindo avançados sistemas armamentícios e a capacitação nuclear), mas também aumentou seu ‘soft power’ com o desenvolvimento de uma política de substituição de importação e com esforços diplomáticos para achar um caminho nacionalista independente durante a Guerra Fria. Essa tentativa falhou em vários sentidos. As aspirações de ‘hard power’ foram longe demais, com as tecnologias nuclear e balística gerando preocupações importantes nos Estados Unidos e na Europa acerca das intenções brasileiras. Mais importante ainda, talvez, foi o retorno da democracia no Brasil e o fim da Guerra Fria, que minaram de forma significativa os apoios interno e externo para que essas metas fossem atingidas. Qualquer ‘soft power’ que a ditadura tenha construído desapareceu junto com sua deslegitimação, com o colapso da política de substituição de importações e com a hiperinflação.

Harold Trinkunas No livro, nós examinamos a história do Brasil para identificar momentos em que o país buscou integrar instituições internacionais ou adquirir capacidades que eram exclusivas das grandes potências de cada era, e nós encontramos quatro episódios. A primeira foi quando o Brasil participou da Primeira Guerra Mundial [1914-1918] ao lado dos Aliados para, em seguida, buscar um assento permanente na recém-criada Liga das Nações [precursora da ONU]. A segunda é marcada pela aspiração brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, após a Segunda Guerra Mundial [1945], quando o país lutou do lado dos Aliados. A terceira tentativa teve início quando o Brasil lançou uma ambiciosa tecnologia nuclear nos anos 1970, que incluía um programa secreto para adquirir capacidade militar nuclear. E o Brasil relançou seu interesse num assento permanente no Conselho de Segurança, assim como aspirou à liderança de outras organizações internacionais, como a Organização Mundial do Comércio.

Em todos esses casos, o Brasil não alcançou suas aspirações, pela combinação de três fatores: suas capacidades não eram suficientes, mudanças adversas no sistema internacional limitaram sua oportunidade de emergir e crises em suas instituições domésticas minaram sua credibilidade internacional.

Os srs. fazem diversas referências ao ‘soft power’ brasileiro. Como isso funciona? O futebol também é uma ferramenta de ‘soft power’? Pois nós já não estamos sequer rendendo da mesma forma nesse esporte.

David Mares ‘Soft power’ é a habilidade de atrair apoiadores; eles te apoiam porque eles acreditam nos mesmos valores que você, e querem te imitar. ‘Soft power’, assim como todo tipo de poder, é relativo – se você tem ‘soft power’ em algum espaço, mas alguém tem mais ‘soft power’ que você nesse mesmo espaço, você talvez não será capaz de atingir seus objetivos. Então, sim, os sucessos do futebol brasileiro geraram algum ‘soft power’, mas em um espaço que não ajudou de fato o Brasil a aglomerar apoiadores de suas aspirações a papeis de liderança na economia global ou no Conselho de Segurança da ONU. O Brasil também gerou ‘soft power’ no Caribe através de medidas diplomáticas, econômicas e de saúde, mas os Estados Unidos têm mais ‘soft power’ por lá, então o poder brasileiro na região não foi suficiente para mudar a estrutura de governança dominada pelos americanos. No esforço brasileiro mais recente de emergir, seu ‘soft power’ (baseado no sucesso econômico, estabilidade democrática, e nas políticas sociais e de saúde) se desenvolveu até um ponto em que EUA, Europa, Japão, Rússia e China tiveram que prestar atenção. Mas esse ‘soft power’ não se desenvolveu até o ponto que o Brasil pudesse demandar mudanças significativas na governança internacional. E o comportamento brasileiro, como se seu ‘soft power’ tivesse de fato chegado até tal ponto, arrefeceu a disposição americana de acomodá-lo no topo da hierarquia internacional.

Harold Trinkunas ‘Soft power’ é um conceito desenvolvido por Joseph Nye em Harvard para descrever a habilidade de alguns países de influenciar outros por meio do poder de atração, mais do que pelo uso de coerção econômica ou militar. Certamente, as façanhas futebolísticas, assim como a música, os filmes e outras instituições culturais são parte desse ‘soft power’. Mas, no livro, nós focamos na habilidade do Brasil entre 2000 e 2013 em alcançar uma combinação de rápido crescimento econômico, redução da desigualdade, crescimento da classe média e consolidação democrática, o que é algo particularmente atrativo, especialmente para países em desenvolvimento. Por isso a recente crise do Brasil é importante – não apenas por razões internas, mas também por seu impacto na influência internacional do Brasil e no seu ‘soft power’.

Como a crise mais recente – e em especial o processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff – refletem na avaliação que os srs. fazem da estabilidade brasileira, assim como nas pretensões e na imagem internacional do Brasil?

David Mares A crise interna brasileira teve um impacto negativo importante na sua imagem internacional, e tirou o foco do governo de exercer um papel importante no exterior para sobreviver internamente. O impeachment da presidente Dilma causa um impacto menos negativo do que os escândalos de corrupção e o colapso econômico do país. O Brasil levará um longo tempo até reconquistar parte de seu ‘soft power’ perdido.

Harold Trinkunas Como o ‘soft power’ é uma parte tão importante das capacidades do Brasil contemporâneo, a crise interna diminui a influência internacional do país no curto prazo. Porém, no longo prazo, a resolução da crise dentro dos limites constitucionais definidos contribuirá para a credibilidade do país, particularmente se combinado com uma bem sucedida luta contra a corrupção que está sendo conduzida por juízes, Ministério Público e Polícia Federal. Uma economia doméstica sólida e em bom funcionamento, além de instituições políticas e sociais sólidas, são as fundações de um ‘soft power’ influente do Brasil no exterior.

Como os EUA reagem às tentativas do Brasil de alcançar esse status de potência?

David Mares Os EUA receberiam bem outro Estado em algum cargo de liderança se esse Estado tivesse valores democráticos e liberais. O Brasil é democrático e, em seu âmago, é também liberal – acreditando nos direitos humanos, no mercado e na prestação de contas do governo. Mas seu comportamento de buscar alianças com a Rússia e com a China (que não são democracias liberais) levaram os EUA a questionar se o comprometimento brasileiro não era com uma mera reforma na ordem internacional, o que significou que os EUA bloqueariam a emergência brasileira da forma que pudessem. Entretanto, o fracasso brasileiro em emergir dessa vez não resultou apenas da oposição americana, mas talvez os próprios fracassos internos tiveram um peso ainda maior na destruição virtual de seu ‘soft power’.

Harold Trinkunas Os EUA, como um dos Estados que fundaram a atual ordem internacional a partir da Segunda Guerra Mundial, têm sido ambivalente a respeito da emersão do Brasil. Eles reagem positivamente quando o Brasil contribui para preservar a ordem atual. Exemplos recentes disso são a cooperação para a governança global da internet e o combate às mudanças climáticas. Mas o Brasil é um crítico frequente de aspectos da ordem internacional, particularmente do grande poder do unilateralismo e do tratamento desigual dos Estados, e isso tem ocasionalmente gerado fricção com os EUA.

 

joao paulo charleauxPor João Paulo Charleaux - Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo. Coordenador de Comunicação da Conectas Direitos Humanos. Foi editor assistente da seção internacional do jornal O Estado de S. Paulo entre 2008 e 2011, além de ter trabalhado para o jornal Folha de S. Paulo em Santiago do Chile em 2011 e 2012
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