Meio Ambiente – O custo de zerar o desmatamento no Brasil

13/07/2016 17:43

Acabar com o desmatamento no Brasil pode custar uma fábula de R$ 5 bilhões/ano até 2030, evitando assim, que seja emitido mais de 5 bilhões de t de CO2 na atmosfera

Conservar a natureza no Brasil pode não ser tão caro quanto se imagina, desde que se saiba onde fazer. Essa é a principal mensagem de um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que mapearam para todo o território onde se tem os menores custos ou maiores ganhos de proteger florestas em troca dos serviços que ela presta.

A ideia foi avaliar as melhores oportunidades para adotar o chamado Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), em que o proprietário de terra é remunerado para não desmatar ou recuperar uma vegetação a fim de preservar os recursos hídricos, absorver carbono da atmosfera (ou evitar sua emissão) e proteger a biodiversidade.

Analisando o custo de oportunidade da terra em todo o País, os pesquisadores concluíram, por exemplo, que com R$ 5,2 bilhões por ano, seria possível zerar todo o desmatamento no Brasil até 2030, considerando uma projeção de que 20,5 milhões de hectares (205 mil km²) estariam na linha de corte nos próximos 15 anos – a maior parte no Cerrado. Isso evitaria as emissões de até 5,6 bilhões de toneladas de gás carbônico (CO2).

O cálculo considerou que um pagamento máximo de R$ 402,57 por hectare por ano (mediana do custo de oportunidade da terra no Brasil) seria o suficiente, uma vez que boa parte da retirada de vegetação ocorre em áreas que, uma vez abertas, vão render ao proprietário muito pouco depois, como nos casos de pecuária extensiva e pouco produtiva na Amazônia. Além de que, se cometer um desmatamento ilegal, por lei o dono da terra tem de recuperá-la. Se, em vez disso, ele for pago para preservar, saem ganhando ele, o ambiente e o entorno.

Área desmatada da Floresta Amazônica, no Pará; a terra é preparada para plantações de soja. Logged area in the Amazon rainforest, in Pará state, to clear land for soy plantations.

Área desmatada da Floresta Amazônica, no Pará; a terra é preparada para plantações de soja.

“O ganho que se tem com o desmatamento que persiste é baixo comparado com a recuperação depois, da ordem de grandeza de dez vezes”, afirma Carlos Eduardo Young, coordenador do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que realizou o estudo.

“Aproximadamente metade da área projetada para ser desmatada nos próximos anos não terá rendimento superior aos R$ 402,57. Imagine, por exemplo, derrubar um hectare para colocar um boi. É uma pecuária de baixíssima produtividade e o preço da carne acaba sendo baixo. Se o proprietário ganhar R$ 200 com esse boi vai ser muito. E esse desmatamento vai jogar na atmosfera 150 toneladas de carbono. Estamos dando o ouro em troca de banana”, calcula.

“Nossa ideia com PSA não é combater a agricultura inteligente, de alta produtividade, mas o desmatamento burro, que perde carbono, biodiversidade e água por um retorno muito baixo”, diz.

O trabalho, encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente, traz subsídios para a construção de uma política nacional de Pagamento por Serviços Ambientais. É na prática uma ferramenta que serve para modelar qualquer tipo de projeto em qualquer lugar.

A ideia de pagar um produtor que esteja conservando pelos serviços prestados por essa mata é considerada hoje por cientistas e ambientalistas como uma das melhores formas de se incentivar a conservação no Brasil, é prevista no novo Código Florestal e ganhou destaque após a Rio+20. Mas, apesar de haver diversos projetos no Congresso sobre o tema, a discussão pouco avançou nos últimos anos.

Flexível

Isso ocorreu em parte porque existe a ideia de que teria de se pagar muito para conservar e em parte porque se imagina que os custos viriam todos do poder público. O pulo do gato do estudo da UFRJ foi mostrar que dependendo da intenção do PSA, ele pode ser mais vantajoso em uma região ou em outra do País, o que traz mais flexibilidade e preços mais em conta para os projetos.

Por exemplo, se o objetivo é apenas evitar desmatamento, os projetos teriam concentração na Amazônia, na Caatinga e no norte do Cerrado. Já uma política de conservação visando os estoques de carbono (ou seja, evitar que o gás que provoca o aquecimento global seja liberado), é melhor focar na Amazônia, uma vez que a densidade de carbono nas árvores da floresta são maiores que em outros biomas.

Por outro lado, uma ação voltada para o replantio de vegetação pode ser mais interessante na Caatinga. Para o Brasil inteiro, de acordo com o levantamento, a atividade pode ser bastante cara, ultrapassando R$ 165 bilhões em um ano, com replantio e cercamento, de modo a resolver todo o passivo ambiental estimado (áreas de Reserva Legal que foram desmatadas).

O dado, sozinho, já mostra que conservar é muito mais barato que ter de recuperar depois. E lança um alerta vermelho para a meta do governo brasileiro, assumida junto ao Acordo de Paris, de restaurar 12 milhões de hectares até 2030 como parte dos compromissos de redução das emissões.

Considerando o custo de oportunidade da terra e cercamento, a recuperação desse montante seria de R$ 57 bilhões. Valor próximo obtido por uma outra análise feita pelo Instituto Escolhas.

Mas há um outro lado deste dado. Ele também revela que, dependendo do local, a situação é diferente. Os custos por hectare em média para o País são de R$ 8.790 para um ano. Na Caatinga esse valor cai para R$ 6.909/ha, o que indica que parte da restauração poderia ser feita nessa ali, aumentando a resiliência da região e trazendo uma nova renda para o pequeno agricultor.

Se o objetivo for evitar erosão e proteger os recursos hídricos, o mapa também muda de figura. “O corredor central da Mata Atlântica não é o mais barato para fazer PSA, mas ainda assim é o mais barato dentro do bioma e com o maior potencial para capturar carbono e evitar erosão”, explica Young. Não é à toa que a maior parte das iniciativas que hoje existem são de pagamentos para produtores de água justamente nessas regiões.

Algo parecido vale para a biodiversidade. Os pesquisadores levaram em conta quais áreas no País tem a maior densidade de espécies ameaçadas por área de vegetação remanescente. Em geral todos os biomas brasileiros são muito ricos em biodiversidade, mas o trabalho recomenda que projetos que visem a proteção das espécies deveriam ser pensados para a Mata Atlântica, que é o bioma que mais foi desmatado no País.

Quem paga a conta?

O estudo analisa ainda experiências que já vêm sendo feitas no Brasil, os projetos de lei em andamento e estratégias para o pagamento. Uma delas é o comércio de crédito de carbono. Uma tonelada de CO2-equivalente vendida a R$ 50, calculam os pesquisadores, seria suficiente para evitar o desmatamento de 20,5 milhões de hectares, praticamente todo o desmatamento projetado para o período 2016-2030.

Young defende também que o consumidor do benefício pague ao produtor do serviço. Por exemplo, uma cidade que se beneficie com água poderia ter um valor, acrescido na sua conta, destinado para o PSA dos agricultores.

A proposta recomendada pela equipe é que se crie uma fórmula progressiva de benefícios. Uma das discussões que existe em torno de projetos de PSA é se não está se pagando apenas para o indivíduo cumprir a lei – pelo Código Florestal, por exemplo, um proprietário de terra na Amazônia tem de preservar 80% de sua propriedade e recuperar o que desmatou ilegalmente. Por isso há quem defenda que o PSA deveria ser feito somente com quem está protegendo mais do que a lei já prevê.

“Isso é um lado da história. Por outro, a lei não está sendo cumprida. Assim como existe uma lei que diz que toda criança tem de estar na escola e ainda assim se paga para a família colocar os filhos na escola. Essa é uma agenda política. Mas tem de ser factível com a realidade orçamentária”, afirma Young.

De todo modo, ele sugere uma espécie de escalonamento. A ideia é pagar ao proprietário uma porcentagem do custo de oportunidade da terra, mas nunca o valor cheio. Mas, conforme a qualidade da conservação, este valor pode ir subindo. O projeto ganharia notas: pela biodiversidade, se a área for transformada em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), se está perto de outras áreas protegidas formando um mosaico, se tiver nascente, etc.

“A mensagem é que vai custar dinheiro, mas existem opções melhores e em troca de grandes benefícios”, diz.

 

Da Agência Estado