Opinião – Um golpe chegou

29/07/2016 11:19

”Se esses necessários golpes sociais continuarem ausentes da prática política, será uma questão de tempo para a realidade fazer o golpe político que não desejamos.”

Os golpes não nascem nas cabeças maquiavélicas dos candidatos a ditadores, mas nas pernas trôpegas de governantes democratas que não cumprem os compromissos assumidos nas eleições. Quando a democracia não atende as aspirações da nação e do povo, seus governantes cansam, e os golpistas se apresentam como alternativa.

Há décadas, a democracia brasileira caminha a passos trôpegos, deixando aberta a necessidade de diversos golpes: contra a corrupção, a irresponsabilidade fiscal, o aparelhamento do Estado pelo partido no poder, a concentração de renda, a violência urbana, a ineficiência e baixa produtividade da economia, sobretudo contra a deseducação geral de nossa população.

Só não necessitamos de golpes políticos contra a ordem democrática. Se esses necessários golpes sociais continuarem ausentes da prática política, será uma questão de tempo para a realidade fazer o golpe político que não desejamos. Se isso acontecer, duas causas serão identificadas: a resistência a pensar e o dogmatismo de colocar siglas, vantagens pessoais e preconceitos ideológicos à frente dos interesses do Brasil.

Domingo, 3 de julho, esperava um voo, em Porto Seguro (BA), para voltar a Brasília, quando uma senhora aproximou-se e perguntou: “O senhor é o senador Cristovam?”. Respondi que sim, estendendo-lhe a mão, que ela recusou, dizendo “Não aperto a mão de golpista”. Perguntei como ela sabia qual seria meu voto se, como um dos juízes do impeachment, só decidirei ao fim do processo, depois de analisar todos os argumentos favoráveis e contrários, buscando qual decisão será menos comprometedora para o futuro do Brasil: cassar outra vez o mandato de um presidente por crime de responsabilidade ou manter um mandato sem credibilidade nem rumo.

A senhora me respondeu com toda a convicção: “Dúvida é golpe. Se o senhor ainda não decidiu, é golpista”. Ou seja, refletir, pensar, julgar são atos golpistas. Por formas diferentes, esse comportamento vem sendo comum há anos na sectária política brasileira. Não há espaço para a dúvida e a reflexão; nem simpatia para ouvir ideias divergentes.

O golpe chegou derrubando o pensamento. O julgamento do impeachment, ao longo do prazo previsto pela Constituição, seria apenas pro forma: a decisão já deve estar tomada. De um lado, conforme a simpatia pela presidente, sem considerar seu governo ou os crimes que porventura tenha cometido; de outro, pelos que não querem a presidente, o impeachment deve ser definido logo, independentemente de ela ter ou não cometido crimes de responsabilidade.

A busca do melhor futuro para o Brasil está fora do “debate” entre as torcidas. Nesse jogo, todos perdem a oportunidade de uma grande e coletiva reflexão sobre o que está acontecendo com o nosso país e o futuro que nos aguarda.

O processo de impeachment chegou golpeando o pensamento. Prova é que, ao ler o título deste artigo, a maioria, provavelmente, já tomou posição contra ou a favor, antes mesmo de ler seu conteúdo.

 

cristovam buarquePor Cristóvão Buarque 
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