Saiba quem é Carmen Lúcia, a próxima presidente do STF

12/08/2016 16:45

A ministra será a segunda mulher a comandar a mais alta corte do judiciário do país. Saiba mais sobre Carmen Lúcia, a próxima presidente do STF, em 7 frases

Cármen Lúcia não quer ser tratada como “presidenta” do Supremo Tribunal Federal, cargo para o qual foi eleita na tarde de quarta-feira (10) e cujo mandato vai até setembro de 2018.

Ao rejeitar a forma preferida por Dilma Rousseff, afastada do Palácio do Planalto em meio a um processo de impeachment, a ministra nega que esteja fazendo um gesto político num momento de crise ou uma declaração de princípios relacionados a gênero.

Diz apenas ser “uma amante da língua portuguesa”, uma explicação um tanto incompleta, já que o uso do substantivo no feminino popularizado por Dilma também é formalmente correto.

Para além da discussão sobre “presidentes” e “presidentas” e sobre o significado da escolha da juíza, o fato é que sua trajetória tem episódios simbólicos que se misturam com a história das mulheres no Judiciário.

Cármen Lúcia foi a primeira mulher a presidir o Tribunal Superior Eleitoral, em 2012. Será a segunda presidente do Supremo, depois de Ellen Gracie (2006 a 2008). Há dez anos, foi a primeira mulher a usar calça comprida no plenário da mais alta corte do país. O gesto ocorreu em 2007 – o traje já estava liberado havia sete anos, mas seu uso ainda era tabu.

“As jornalistas se queixavam, eram impedidas de entrar por não estarem com o traje certo. Ora, o povo todo veste calças. Pensei: ‘Uma hora, acabo com isso. A mim, não vão barrar’. E cheguei ao plenário de calça e blazer. Foi um barulho danado”

Cármen Lúcia – ministra do Supremo e na época presidente do TSE, em entrevista em 2012

Cármen Lúcia é ministra do Supremo há dez anos. Foi indicada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Suas declarações públicas, em entrevistas e julgamentos, ajudam a traçar o perfil dessa juíza mineira de 62 anos especializada em direito constitucional. Abaixo, algumas delas:

Cármen Lúcia em 7 frases:

1 – CONTRA A REVISÃO DA LEI DA ANISTIA

“Não vejo como julgar o passado com os olhos apenas de hoje. (…) Não há dúvida de que a tortura não tem conexão com o crime político. Mas não vejo como, para efeitos jurídico-penais, reinterpretar a lei, 30 anos depois”

29 de abril de 2010 – em votar contrário à revisão da Lei da Anistia, que impede o julgamento de crimes políticos praticados durante a ditadura militar

2 – A FAVOR DA UNIÃO ESTÁVEL DE HOMOSSEXUAIS

“A forma escolhida para viver não pode esbarrar no Direito. (…) E, reitere-se, todas as formas de preconceito merecem repúdio de todas as pessoas que se comprometam com a justiça, com a democracia, mais ainda os juízes do Estado Democrático de Direito. Até porque (…) a escolha de uma união homoafetiva é individual, íntima e, nos termos da Constituição brasileira, manifestação da liberdade individual”

5 de maio de 2011 – em voto a favor da união estável, aprovada por unanimidade pela Corte

3 – A FAVOR DA APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA

“Alguém acha que uma ministra deste tribunal não sofre preconceito? Mentira, sofre. Não sofre igual – outras sofrem mais que eu -, mas sofrem. Há os que acham que não é lugar de mulher, como uma vez me disse uma determinada pessoa sem saber que eu era uma dessas: Mas também agora tem até mulher. Imagina”

9 de fevereiro de 2012 – durante julgamento sobre a  constitucionalidade de artigos da Lei Maria da Penha

4 – A FAVOR DAS COTAS RACIAIS EM UNIVERSIDADES

“Na década de 90, presenteei duas sobrinhas com duas bonecas negras lindas. Uma das sobrinhas, que é negra, rejeitou a boneca. Quando perguntei o motivo, ela falou que a boneca era feia porque parecia com ela. Ela não estava se reconhecendo como o padrão da sociedade”

26 de abril de 2012 – Ao rejeitar pedido do DEM contra a política de cotas raciais na UnB (Universidade de Brasília)

5 – A FAVOR DAS CONDENAÇÕES NO MENSALÃO

“Acho estranho e grave que uma pessoa diga ‘houve caixa dois’. Ora, caixa dois é crime, é uma agressão à sociedade brasileira. (…) E isso [admitir caixa dois] não é pouco. Me parece grave, porque parece que ilícito no Brasil pode ser realizado e tudo bem”

9 de outubro 2012 – em voto durante o julgamento do mensalão, ao reafirmar que houve corrupção e não somente a prática do caixa dois (dinheiro não declarado)

6 – CONTRA A AUTORIZAÇÃO PRÉVIA EM BIOGRAFIAS

“Censura é forma de cala boca. Pior, de calar a Constituição. O que não me parece constitucionalmente admissível é o esquartejamento da liberdade de todos em detrimento da liberdade de um. Cala a boca já morreu, é a Constituição do Brasil que garante”

10 de junho de 2015 – Ao votar contra a exigência de autorização prévia para a publicação de biografias, vetada por unanimidade pela Corte

7 – A FAVOR DO AFASTAMENTO DE EDUARDO CUNHA

“A imunidade referente ao cargo e aqueles que o detém não pode ser concluída, em nenhum momento, por impunidade ou possibilidade de vir a ser. Afinal, a imunidade é uma garantia. O que a República não comporta é privilégios”

5 de maio de 2016 – ao votar pela suspensão do mandato do então presidente da Câmara, réu na Lava Jato

Após mensalão, Lava Jato pela frente

Cármen Lúcia assumirá a presidência da Corte em 12 de setembro, no lugar de Ricardo Lewandowski, e ocupará o cargo por dois anos. Nesse período, a juíza terá entre suas atribuições comandar as sessões e definir as pautas de julgamento.

Depois de participar como ministra do julgamento do mensalão, o mais longo da história da Corte, Cármen Lúcia terá pela frente as inúmeras ações relacionadas à Lava Jato.

Muitas dessas ações serão avaliadas pela segunda turma do tribunal, colegiado em que atua o ministro Teori Zavascki, relator das ações sobre a operação que desvendou o esquema de corrupção na Petrobras.

Cármen Lúcia é integrante dessa turma. Ao assumir a presidência, vai deixá-la, mas, no comando do Supremo, terá de lidar com as questões do caso que forem submetidas ao plenário da Corte.

A julgar pelo volume de inquéritos em análise, as denúncias envolvendo a estatal  tendem a superar o julgamento de 2012, que envolvia 37 réus. De acordo com dados de maio do Ministério Público Federal, há investigações contra 134 pessoas em curso no Supremo por causa da Lava Jato.

Ficam na Corte apenas os inquéritos contra parlamentares e os relacionados a pessoas com foro privilegiado. Os demais casos estão em tribunais regionais – a maioria em Curitiba, com o juiz Sergio Moro.

No julgamento do mensalão, Cármen Lúcia acompanhou o voto da maioria e condenou réus por corrupção, rejeitando a tese de que houve apenas a prática de caixa dois (dinheiro não declarado à Justiça).

Desde que ações da Lava Jato começaram a chegar à Corte, a ministra já proferiu duros votos, entre eles os que mantiveram a suspensão do mandato do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e a prisão preventiva do ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS).

Contra Delcídio havia gravações em que ele insinuava ter como interferir em decisões de ministros do Supremo. A nova presidente da Corte não estava entre os citados no diálogo, mas ainda assim reagiu à fala do ex-senador. “Aviso aos navegantes dessas águas turvas de corrupção e das iniquidades: criminosos não passarão a navalha da desfaçatez e da confusão entre imunidade, impunidade e corrupção. Não passarão sobre os juízes e as juízas do Brasil”.

 

Por Lilian Venturini no Nexo Jornal