O que levou a ‘queda’ de um dos homens mais fortes da República atual

06/12/2016 00:01

O afastamento de Renan Calheiros estremece o ‘tabuleiro político’. Um dos alvos dos protestos de domingo, eis a terceira figura central da República que perde o cargo em sete meses

O ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello afastou o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado. O magistrado tomou a decisão no início da noite de segunda-feira (5) a partir de um pedido da Rede Sustentabilidade.

Trata-se de uma liminar, ou seja, ela tem caráter provisório, mas precisa ser cumprida imediatamente. Dessa forma, quem assumirá o cargo é o atual primeiro-vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC). Por meio de nota, Renan afirmou que só se manifestará após tomar conhecimento do conteúdo da liminar.

O afastamento de Renan ocorre após a queda de duas outras duas importantes figuras da República: Dilma Rousseff foi afastada temporariamente do Palácio do Planalto em maio, em meio a um processo de impeachment, e deposta definitivamente em agosto; Eduardo Cunha foi afastado da presidência da Câmara dos Deputados em maio e, em meio a denúncias de corrupção, renunciou ao cargo em julho.

Além de presidente do Senado, Renan é presidente do Congresso, ou seja, é o chefe de um dos três Poderes da República.

O que motivou o afastamento de Renan

A Rede ingressou em maio no Supremo com uma ação que proíbe parlamentares réus de ocupar cargos na linha sucessória da Presidência da República. Pela Constituição, os presidentes da Câmara, Senado e Supremo, nessa ordem, passam a ocupar a Presidência em caso de ausência do chefe do Executivo.

Na quinta-feira (1º), Renan tornou-se réu no Supremo em razão de uma acusação de 2007, segundo a qual ele desviou dinheiro público para pagar a pensão de uma filha que teve fora do casamento.

A questão é que o julgamento da ação da Rede começou em novembro, mas não foi concluído. Dos 11 ministros, seis já haviam votado e concordaram que réus não poderiam ocupar as presidências da Câmara, do Senado e do Supremo.

O ministro Dias Toffoli pediu vista, ou seja, mais tempo para analisar o caso, sem prazo determinado para que voltasse ao plenário do Supremo.

“Urge providência, não para concluir o julgamento de fundo, atribuição do plenário, mas para implementar medida acauteladora, forte nas premissas do voto que prolatei, nos cinco votos no mesmo sentido, ou seja, na maioria absoluta já formada, bem como no risco de continuar, na linha de substituição do Presidente da República, réu, assim qualificado por decisão do Supremo”

Marco Aurélio Mello ministro do Supremo, em decisão liminar que afastou Renan

Renan tornou-se réu, portanto, antes de o Supremo concluir o julgamento definitivamente. Ainda que seja uma hipótese remota, os ministros do Supremo que já votaram poderiam rever suas decisões e, eventualmente, mudar o placar final.

“O senador consultará seus advogados acerca das medidas adequadas em face da decisão contra o Senado Federal. (…) e o julgamento não se concluiu”, diz a nota assinada pela presidência do Senado.

Segundo o professor de direito Rubens Glezer, da FGV-SP, em outras ocasiões o Supremo já tomou decisões com base em ações ainda em curso, mas com maioria formada, o que abre precedentes para a liminar de Marco Aurélio Mello.

Também já houve manifestações na Corte em que ministros tomaram essas decisões de forma monocrática, ou seja, sozinhos. Do ponto de vista técnico, portanto, a decisão de Mello é adequada na avaliação de Glezer.

Ao justificar o pedido, a Rede sustenta que o fato de Renan ser réu passa a ser um “impedimento incontornável para a permanência” dele na presidência do Senado. Segundo os autores, o Supremo deveria manifestar-se com urgência sobre o caso, já que o mandato de Renan na presidência termina em 1º de fevereiro de 2017 e até lá haveria a possibilidade de a Corte não ter concluído o julgamento.

No entendimento da Rede, Renan ficaria indevidamente no exercício da função, o que “gera danos potencialmente irreversíveis”.

“(…) restará reforçada a percepção social tão nociva para o sentimento constitucional de que, no Brasil, a lei não vale para todos; de que entre nós os poderosos são imunes aos limites impostos pela ordem jurídica e até mesmo pela Constituição”

Rede Sustentabilidade – Pedido de liminar contra Renan

 

Renan foi alvo das manifestações no domingo

O afastamento de Renan ocorre um dia depois de ele ser o principal alvo das manifestações contra a corrupção pelo Brasil, no domingo (4). Nas ruas, o presidente do Senado e outros parlamentares foram acusados de tentar frear a Lava Jato.

Manifestante segura cartaz em apoio a Sergio Moro no Rio

As manifestações já vinham sendo convocadas há semanas com o mote pró-Lava Jato e contra Renan, mas ganharam um impulso com uma sequência de fatos ocorridos nos dias que as antecederam. Na madrugada de quarta-feira (3), a Câmara aprovou o pacote de “10 medidas contra a corrupção” com alterações substanciais no texto, entre elas a inclusão de uma emenda que prevê a criação de penas para juízes e procuradores por abuso de autoridade.

Renan tentou, naquela própria quarta-feira, votar a toque de caixa o projeto no Senado – o que o deixaria pronto para sanção presidencial –, mas não teve sucesso. A intenção motivou reações dos procuradores da Lava Jato, para quem o senador age para barrar as investigações e retaliar o Poder Judiciário, o que ele nega. Renan responde a oito inquéritos na Lava Jato.

Por que decisão foi de Marco Aurélio Mello
A decisão sobre o pedido liminar coube a Marco Aurélio Mello porque ele é o relator da ação original protocolada pela Rede. A ação chegou ao Supremo em maio de 2016 e tinha como alvo o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), então presidente da Câmara dos Deputados.

Cunha teve o mandato suspenso pelo Supremo, em maio, mas por força de outro pedido, apresentado pela Procuradoria-Geral da República. Na ocasião, o procurador-geral, Rodrigo Janot, afirmava que o deputado usava o cargo para atrapalhar as investigações da Lava Jato.

No caso de Cunha, o ministro Teori Zavascki também concedeu uma liminar, mas submeteu sua decisão ao plenário da Corte, que confirmou o afastamento.

A despeito da saída de Cunha, o pedido da Rede continuou porque os autores pedem que o Supremo se manifeste de forma geral sobre o assunto. O argumento do partido é de que a Constituição não permite que o presidente da República continue no cargo se for réu. Logo, o mesmo procedimento deve ser adotado para aqueles que compõem a linha sucessória.

Decisão pode afetar Temer

O senador alagoano está em sua terceira passagem pela presidência do Senado. No governo Temer, Renan é um dos principais aliados do Planalto no Congresso e um importante articulador das votações.

O Senado ainda precisa concluir a votação da PEC do Teto, projeto considerado essencial pelo governo para o ajuste fiscal e que precisa ser aprovado ainda neste ano.

Mantida a decisão do Supremo, quem ocupará o Senado e ficará responsável por definir a pauta de votações será Jorge Viana. O senador atualmente faz oposição ao governo Temer e seu partido, o PT, é contrário à PEC. Viana diz que aguardará notificação oficial para comentar a liminar.

 

Da Redação com informações de José Roberto Castro e Lilian Venturini