21/03/2017 01:10
Com a possibilidade de queda de 20% nas exportações, os prejuízos calculados são de U$ 2,7 bilhões e ministro está agindo para evitar colapso no setor produtivo e na economia do país
Anos para conquistar a confiança de um cliente estrangeiro, um dia apenas para estremecer os negócios internacionais e afetar as exportações brasileiras. A Operação Carne Fraca da Polícia Federal, deflagrada na sexta-feira, plantou a dúvida sobre a qualidade da carne brasileira e levou os principais compradores do Brasil a pedirem suspensão das encomendas dos frigoríficos suspeitos. Nesta segunda, China, União Europeia, Coreia do Sul e Chile anunciaram a suspensão temporária da compra de carnes do Brasil, depois que a Operação Carne Fraca identificou 21 unidades de produção suspeitas. Dezoito deles estão no Paraná, dois em Goiás e um em Santa Catarina.
O passo seguinte do imbróglio será a queda das vendas ao mercado externo neste ano, avisa José Augusto Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). “Aposto numa queda de 20% dos embarques de carne neste ano, com a redução do preço pago e da quantidade”, alerta. A exportação de carnes rendeu 13,8 bilhões de dólares ao Brasil no ano passado, ou 7% de todas as vendas do país ao exterior. A perda, portanto, pode chegar a 2,7 bilhões de dólares, uma vez que os países levarão um tempo para ouvir as explicações do Governo e fazer seus próprios controles. “É difícil ganhar um cliente, mas muito fácil perder”, diz Castro.
Em conversa com jornalistas em Brasília, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, disse que era natural a atitude desses países diante da dimensão do noticiário depois da Operação Carne Fraca. Afirmou, no entanto, que a decisão pode ser revertida à medida que tudo for esclarecido. “Temos um problema circunscrito a 21 unidades e, dessas, somente quatro exportavam para a Europa”, disse ele, que recebeu um representante da União Europeia nesta segunda, e tinha conversa agendada com representantes chineses por videoconferência.
Questionado sobre qual seria a consequência se esses compradores deixassem de comprar carne brasileira, ele respondeu: “Desastre. A China é um grande importador nosso, a Comunidade Europeia, além de ser nosso segundo ponto de exportação, é nosso cartão de visitas. Quem vende para a Europa vende para todo o mundo”, afirmou. Para evitar esse “desastre”, tranquilizar os importadores e os consumidores do mercado interno, o Ministério afastou 33 fiscais apontados pela PF como suspeitos de integrar uma quadrilha para liberar a fiscalização de plantas mediante propina, e exonerou os superintendentes da pasta no Paraná e em Goiás.
O Ministério anunciou, ainda, a suspensão de seis plantas de corte de carnes de forma preventiva. Essas unidades perderam as certificações concedidas pela pasta, o que significa que não podem operar nem no mercado interno nem no externo. Dentre elas, a Peccin e o Souza Ramos, que deram origem à investigação a partir da denúncia de um fiscal, Daniel Teixeira, que era subordinado a Maria do Rocio, flagrada em conversas pela PF em atitudes suspeitas. Tanto a Peccin como a Souza Ramos, entretanto, não são exportadores. Indústrias como JBS e BRF são suspeitas de pagamento de propinas para afrouxar a fiscalização.
Críticas à Polícia Federal
A presença da carne brasileira em mercados exigentes, como a China, Estados Unidos e União Europeia, por outro lado, tem sido o mote da defesa dos representantes do setor, que viram exagero na divulgação das informações da PF. “A abertura de mercados lá fora é super difícil. Somos auditados frequentemente, não pode ser que nossa carne seja tão ruim assim”, diz Pedro de Camargo Neto, vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira. Além do controle sanitário local, representantes de saúde dos países interessados em comprar no Brasil fazem visitas regulares aos frigoríficos selecionados a exportar, tanto antes como depois de fechar negócios.
Castro, da AEB, da Associação de Comércio Exterior do Brasil, observa que a ação da PF veio num momento oportuno para os parceiros comerciais do Brasil. O preço da carne no mercado internacional subiu e os compradores já estavam buscando motivos para barganhar descontos, explica ele. Segundo levantamento da AEB, entre março do ano passado e este ano, a carne bovina subiu 10%, a de frango, 23%, e carne suína, 40%. “Muitas das medidas adotadas [da suspensão da compra], além do aspecto sanitário, têm interesse de reduzir o preço atual dos embarques”, afirma.
Para Camargo Neto, a investigação da PF foi turbinada e arranhou não só a imagem do Brasil lá fora como da própria operação, ao colocar mil agentes federais na rua, divulgando informações que comprometeram toda a cadeia produtiva, quando na verdade eram alguns poucos frigoríficos os verdadeiramente suspeitos. “A PF foi irresponsável ao extrapolar o que tinha identificado”, diz ele. “Tem crimes no setor? Tem. Vamos resolver com transparência e punições”, sugere.
Francisco Turra, presidente da Associação de Proteína Animal, também critica a generalização feita pela operação ao falar do setor. “Nós aplaudimos a operação. Mas a partir da informação e da desinformação chegamos a um quadro em que estamos totalmente fragilizados”, diz ele. “No exterior a imagem do Brasil está na lata do lixo sendo que levamos dez anos para abrir mercado lá fora”, completa Turra, que reuniu a imprensa para uma coletiva, ao lado do presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abeic), Antonio Jorge Camardelli. “Estamos falando a favor de 6 milhões de trabalhadores envolvidos nessa cadeia, de 210.000 contêineres de carne de frango exportados todos os anos para o exterior – é 37% da exportação mundial de frango”, afirmou.
Críticas à operação
Camardelli pontuou que alguns ingredientes citados no relatório de 353 páginas da PF como sendo prejudiciais à saúde são, na verdade, permitidos. “O ácido ascórbico, que é a vitamina C, pode ser consumido. Tentaram dar uma conotação que não existe”, diz. O relatório das investigações diz que o frigorífico Peccin usa ácido ascórbico para disfarçar a deterioração da carne e, num diálogo reproduzido, sócios do frigorífico comentam uso de ácido sórbico. Os dois são conservantes e não proibidos, mas no caso do ácido sórbico há um limite do que pode ser utilizado. Sobre o uso de cabeça de suínos na produção de embutidos, Camardelli lembra que o tipo de carne de cabeça em alguns casos é permitido e até exportado. Em diálogo gravado pela PF, sócios da Peccin discutem usar cabeça de porco em linguiças do tipo frescal, o que é probido (entenda aqui os detalhes da operação).
Outro ponto é o papelão, citado na escuta da Polícia Federal, em conversa do dono do frigorífico Peccin. “Essa história do papelão misturado… não existe essa possibilidade. Até o próprio áudio deixa bem claro. Inclusive, todas as embalagens que a indústria usa precisam ser aprovadas”, completou.
O caso, entretanto, levantou dúvidas sobre o modelo de negócios da carne no Brasil, que teve crescimento acelerado nos últimos anos, com o crescimento de empresas como a BRF, fusão da Sadia e Perdigão, e a JBS. A avaliação geral é que em busca de escala, e de maximização de lucros, alguns controles podem ter sido afrouxados em uma cadeia produtiva extremamente sensível.
Da Redação com informações de Carla Jiménez e Heloíza Mendonça para o Brasil El País