03/10/2017 13:06
Raquel Dodge citou Papa Francisco em seu discurso, realçando que o “Ministério Público tem a obrigação de exercer, com igual ênfase, a função criminal e a defesa dos direitos humanos”
Desde o último dia 18, a esperança de um país mais justo está, felizmente, nas mãos de quatro mulheres. Encarnam, hoje, a chefia da comunidade jurídica (pública). Atingiram seu ápice depois de longos anos de luta e sofrimento. Na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia Antunes Rocha, mineira de Montes Claros; na presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Laurita Hilário Vaz, goiana de Anicuns; no comando da Advocacia Geral da União (AGU), Grace Maria Fernandes Mendonça, mineira de Januária; e, pela primeira vez na história, na chefia da conturbada Procuradoria Geral da República (PGR), Raquel Elias Ferreira Dodge, goiana de Morrinhos. Coincidência ou não, duas mineiras e duas goianas. Como antigo defensor dos direitos da mulher, leitor, só encontro motivos para comemorar essa feliz coincidência. Alvíssaras, pois!
Das quatro conhecidas juristas, a procuradora geral da República – a última a ser empossada – terá tarefa bem mais espinhosa. Não só em razão das suas atribuições constitucionais, mas, sobretudo, porque substituirá o polêmico mineiro Rodrigo Janot, que foi eleito e reeleito, tendo, assim, permanecido por quatro anos no cargo. Janot tentou emplacar um terceiro mandato, embora nunca se tenha manifestado, claramente, sobre essa sua intenção. Sofreu, porém, dura resistência entre seus colegas. Isso, obviamente, o deixou magoado.
Na última eleição, os procuradores mais votados, segundo a Associação Nacional dos Procuradores da República, foram Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, com 621 votos; Raquel Elias Ferreira Dodge, com 587; e Mário Luiz Bonsaglia, com 564. Contrariando o que aconteceu noutras eleições, o presidente Michel Temer escolheu (a Constituição, artigo 128, parágrafo 1º, lhe dá essa faculdade) a segunda mais votada, derrotando, na prática, Nicolao Dino, candidato de Janot.
Para alguns, Janot deixa a PGR com o sentimento de que cumpriu seu dever funcional. Sob o lema “enquanto houver bambu, vai ter flecha”, criado por ele mesmo, o arqueiro foi o campeão em número de processos contra políticos e empresários. Quando tomou posse, a PGR tinha 2.330 ações; em sua saída, esse número caiu 70%, ou seja, caiu para 595 casos, como informou O TEMPO do último domingo. A Lava Jato teve nele um dos seus maiores defensores.
Para outros, Rodrigo Janot deixa, também, dúvidas e polêmicas. Algumas atravessarão os anos e nunca serão esclarecidas. Integram esse grupo os que enxergam o lado positivo de sua atuação, mas o consideram açodado e midiático. Para estes, Janot jogou muito para a plateia, em claro prejuízo, não raras vezes, do bom direito.
A açodada colaboração premiada dos irmãos Batista e, há poucos dias, o encontro com o advogado da JBS, Pierpaolo Bottini, num bar em Brasília, levantaram dúvidas de toda ordem. Por outro lado, a suspeita levantada por Janot contra o Supremo Tribunal Federal deixará algumas feridas e, certamente, influenciará o destino do ex-procurador Marcelo Miller e, igualmente, dos referidos irmãos Batista.
Com um novo grupo de trabalho assessorando-a, tudo leva a crer que Dodge comandará a PGR sob o mesmo princípio de que todos são iguais perante a lei. Em seu discurso, após realçar que o “Ministério Público tem a obrigação de exercer, com igual ênfase, a função criminal e a defesa dos direitos humanos”, citou o papa Francisco. Desse texto, guardemos este belíssimo final: “A corrupção faz perder o pudor que protege a verdade, a bondade e a beleza”.
Por Acílio Lara Resende