Opinião – PL da impunidade’ dificulta combate à corrupção

24/04/2018 15:26

”É a única saída possível, para que não nos coloquemos em situação ainda pior, dando ainda mais conforto e segurança para os corruptos e violadores do patrimônio público”

Após a pesquisa Latinobarómetro 2017 (principal indicador social, econômico e político da América Latina) ter apontado em outubro que a principal angústia do povo no Brasil é a corrupção (31% dos brasileiros ouvidos responderam isto), na semana passada, a pesquisa Datafolha reafirmou: o principal problema do nosso país é a corrupção, superando saúde, violência, desemprego e educação.

Na mesma pesquisa Latinobarómetro, um outro dado estarrecedor foi a percepção de que para os brasileiros, 97% dos políticos aqui exercem o poder em seu próprio benefício. Esta percepção do povo deve ter sido muito reforçada em virtude da aprovação do fundão eleitoral de R$ 1,7 bilhão para as campanhas eleitorais, negando-se a renovação política pretendida via reforma política. E mais ainda quando houve o Decreto “Black Friday” de indulto, que pretendia liquidar 80% das penas dos corruptos via canetada presidencial. O STF (Supremo Tribunal Federal) barrou.

Agora há uma novidade na praça. O PL 7.448/17. Foi avançando na surdina, sem alarde. Teve seu texto elaborado por advogados de grandes empreiteiras e não foi objeto de sequer uma audiência pública na Câmara. Houve apenas uma no Senado com a presença de um representante do Executivo e ninguém da Justiça.

Um projeto que voou rasante em uma Comissão na Câmara e noutra no Senado e foi aprovado como um furacão sem debate algum. Sem a sociedade saber do que se tratava. E que enfraquece e dificulta muito o combate à corrupção no Brasil.

Ao invés de aprimorá-lo, enfraquece-o. Isto no momento em que o Brasil desaba dezessete posições no índice de percepção da corrupção da Transparência Internacional, caindo da 79 para a 96 (de 180), a pior de todas que já ocupamos desde o início.

O projeto de lei é apresentado como iniciativa que visa trazer mais segurança jurídica, mas o exame atento a seu texto mostra que ele traz segurança jurídica para os autores de improbidades. Ele dificulta a punição da corrupção e agora a única saída é o veto presidencial, que está sendo postulado por um grande número de  instituições do país, inclusive pela própria PGR (Procuradoria Geral da República), que deve zelar pela ordem jurídica e regime democrático.

Vejamos alguns exemplos. No artigo 22 do tal projeto praticamente se diz que não é mais necessário cumprir a lei. “Obstáculos e exigências das políticas públicas” são as palavras usadas para servir como justificativa para “contratações mandraque” – instrumento de impunidade para maus gestores, ficando a interpretação dos atos entregue ao sabor de alto grau de indeterminação e total abstração.

Ou seja, pretende-se escancarar uma porta para que não se possa mais exigir o cumprimento da lei, que somente será cumprida se se quiser e se isto for possível. Isto significa rasgar todo o Direito Administrativo, eliminando a ideia de supremacia do interesse público.

O artigo 23 simplesmente viola a Constituição, pois existe hoje uma norma que dá poderes ao TCU (Tribunal de Contas da União) para assinalar prazos de regularização e este dispositivo simplesmente parece fingir que o poder coercitivo do Tribunal não existe e institui a negociação de acordos, menosprezando o poder fiscalizatório do órgão de contas.

No artigo 25, cria-se uma tal Ação Declaratória de Validade de Ato ou Contrato, que seria obviamente utilizada, para desconsiderar a existência da Corte de Contas, que teria praticamente aniquilado seu poder de controle.

O artigo 26 permite que por razões de relevante interesse geral, premie-se gestor violador da lei. Mediante acordo, tudo pode ser resolvido. E mais, pelo preceito contido no artigo 28, somente dolo ou erro grosseiro gerariam responsabilidade, podendo servir a ignorância como escudo para a impunidade.

Estes são alguns dos muitos exemplos ali contidos que evidenciam vir o PL 7.448/17 na contramão do anseio da sociedade, que quer mais rigor no controle da corrupção e dos desvios ao patrimônio público, neste momento tão agudo de nossa história republicana, em função do que espera-se pelo veto do projeto.

É a única saída possível, para que não nos coloquemos em situação ainda pior, dando ainda mais conforto e segurança para os corruptos e violadores do patrimônio público.

 

Por Roberto Livianu, 49, é promotor de Justiça em São Paulo e doutor em direito pela USP. Atua na Procuradoria de Justiça de Direitos Difusos e Coletivos. Idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção. É comentarista da bancada do Jornal da Cultura, articulista da Folha de S. Paulo e colunista da Rádio Justiça, do STF. 

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