Opinião – Hipocrisia Suja

13/05/2018 07:40

”E os pobres africanos, tão vilipendiados? Recebem “containers” etiquetados como “ajuda humanitária” ou “produtos usados”, na verdade lixo eletrônico tóxico.”

Dia desses meditava sobre a indignação do denominado “1º Mundo” com os elevados níveis de poluição verificados na China e na África. São denúncias, reportagens investigativas, filmes e até ameaças de boicote econômico. Não se passa uma semana sem que vejamos, em qualquer meio de comunicação ocidental, pronunciamentos contundentes de alguma autoridade sobre este sério problema.
Especialmente interessantes, em tais declarações, são as referências às rígidas legislações ambientais “do lado de cá”, em contraste com a negligência ecológica “do lado de lá”. Sempre com expressão grave, sisudos senhores de cabelos grisalhos enaltecem as conquistas de seus governos nesta área enquanto criticam e ameaçam chineses e africanos.

Por conta deste estado de coisas, chamou-me especial atenção o título de significativa matéria que li há poucos dias: “China decide suspender importação de lixo estrangeiro”. Como assim? Que lixo é esse? Curioso, li a notícia. Constatei tratar-se de “resíduos contaminados provenientes da produção industrial”. Horrorizado, descobri que a China é a maior importadora de resíduos do mundo.

Poucos dias depois, lendo um jornal lá do Reino Unido, um dos maiores defensores do meio-ambiente de que temos notícia, li que as restrições chinesas à importação de lixo causarão um “verdadeiro caos” nos sistemas de reciclagem britânicos.

Realizei uma pequena busca em meu banco de dados – para descobrir um jornal português que, sobre este tema, assim disse: “É aqui que vai parar a maior parte do lixo eletrônico dos EUA. Atravessam o Oceano Pacífico e vão parar a território chinês. Computadores, televisores e material informático entram no país de forma ilegal. A conclusão é de um estudo elaborado pela Basel Action Network … que colocou GPS em 205 peças eletrônicas deitadas ao lixo. Todas elas – sim, todas elas – acabaram por ser exportadas”.

E os pobres africanos, tão vilipendiados? Recebem “containers” etiquetados como “ajuda humanitária” ou “produtos usados”, na verdade lixo eletrônico tóxico. Vi fotografias de um dos “lixões” ocidentais, situados em Gana – lá estavam os miseráveis de costume, crianças incluídas, vítimas do ecológico “1º Mundo”.

Dizem que uma parte do lixo de lá vem para cá também. Que tal, enquanto autoridades brasileiras, apurarmos isso?

 

 

Por Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

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