28/06/2018 10:53
Pode parecer contraditório, mas não é.
O mercado surgiu naturalmente fruto da liberdade e da necessidade do viver coletivo das pessoas. Este viver coletivo emite sinais sobre as intenções de consumo de bens e serviços – os mercados – estimulando a produção e a oferta dos mesmos, em troca de algum tipo de moeda.
Na Civilização Ocidental a atividade econômica, (alicerçada no livre mercado e na propriedade privada), o pensamento político, a democracia, o conceito de liberdade, da justiça e da dignidade da pessoa humana cresceram juntos, tornando-se o atual paradigma de convivência para todos os povos do planeta. Neste ambiente sócio-político-econômico-jurídico também se expandiu o desenvolvimento científico e tecnológico.
O mercado está em risco na sua função de melhor sinalizador livre das intenções de oferta e da demanda, pois a automação – inteligência artificial, “big data”, supercomputadores, robótica – estão “patrulhando” os consumidores, praticamente determinando suas decisões sobre o que comprar, com o auxilio das cada vez mais aprimoradas técnicas de marketing, que se fundamentam no uso dos detalhados estudos de psicologia social e da inteligência artificial (algoritmos). As técnicas de venda estão impondo consumos, criando comportamentos sociais, fidelizando os consumidores aos seus fornecedores que não mais pensam, critica e livremente, no que estão fazendo – reagem a estímulos. Cada vez mais condicionados pela oferta submetem-se à propaganda, nas suas compras e escolhas, mesmo quando tentam reduzir seus gastos familiares e pessoais.
Há uma ameaça crescente à liberdade e à democracia. O mercado deve voltar a cumprir suas primitivas funções e para tanto precisa ser regulado. O Estado é o responsável pelo bem comum. O funcionamento livre do mercado é o instante inicial do processo democrático de convivência social, que irá providenciar todos os demais ingredientes do pacote do bem comum. Não se trata de intervenção autoritária nem de estatização, mas de Leis e normas de condutas que garantam a liberdade dos consumidores de escolherem os bens e serviços realmente necessários às suas vidas. Algumas intervenções já aconteceram e a população e os empresários aprovaram: especificações obrigatórias nas embalagens sobre aspectos nutricionais, pesos e medidas, dados sanitários, ambientais, alertas sobre o uso, instruções gerais de instalação e consumo.
Uma regulação mais ampla, principalmente sobre as condições e limitações da oferta, deverá ser feita pelo debate e votação de uma cidadania qualificada intelectualmente, representantes das muitas visões políticas, filosóficas e religiosas, capazes de assumirem a responsabilidade histórica de salvarem o que foi conquistado pelo funcionamento do mercado livre. Para tal complexa questão não há como a decisão ser tomada pela participação da totalidade do eleitorado, mas sim por seus representantes qualificados.
É preciso ter atenção para alguns indicadores da catástrofe humana, que se aproxima e analisa-los interdisciplinarmente, por exemplo: o desemprego irreversível de muitos, em decorrência da automação, sem que se saiba como absorver este grande grupo de pessoas em novos postos de trabalho; a impossibilidade, com a atual configuração politica dos países, de garantir um mínimo de dignidade aos bilhões de seres humanos, que vivem na pobreza ou miséria, marginalizadas das benesses do progresso; o aquecimento da atmosfera e o esgotamento dos recursos naturais que nos conduzem à conclusão lógica da necessidade do estabelecimento, no médio e longo prazo, de um estilo de vida coletivo mais austero e menos consumista; a perda da liberdade e do ideal democrático, tanto no campo politico como nas decisões empresariais de produzir e consumir, frente aos métodos de indução do comportamento individual e coletivo que condiciona poderosamente o viver da sociedade, em função das decisões de uma minoria de pessoas que detém o poder econômico e politico.
É preciso recordar a denuncia feita pelo norte americano Sr. Snowdem, (hoje refugiado na Rússia), sobre as escutas telefônicas e o acesso aos e-mails de pessoas, empresas e governos, em todo o mundo, filtradas a partir da captação de palavras chaves percebidas pelas dezenas de satélites que nos vigiam, (vejam o elucidativo filme de Oliver Stone sobre o assunto – Snowden: traidor ou herói). Agora, em 2018, surgem as denuncias da utilização de cadastros do Facebook, (motivo para a criação de uma comissão de inquérito do Senado americano em abril, e uma arguição pesada em maio no Parlamento Europeu), com vistas a auxiliar a propaganda, pela análise estatística das percepções, das predisposições e inclinações das opções de compra e das opiniões politicas desta multidão de eleitores e de usuários de cartão de crédito. As simpatias por rostos, ideias, expressões vocais, gestos, consumo, pronunciamentos, etc, são registradas e padrões de demanda, analisados por algoritmos específicos, que instantaneamente permitem apontar tendências, preferencias, probabilidades com notável nível de acerto, inclusive individualizando as pessoas. Tais processos, já se sabe, foram utilizados para estimular a saída do Reino Unido da Comunidade Europeia, (Brexit), e na eleição de Donald Trump. Agora, em maio de 2018, a empresa Cambridge Analytical, denunciada pela imprensa e tendo de prestar esclarecimentos a tribunais da Inglaterra e dos Estados Unidos, pelo uso de 284 milhões de informações pessoais não autorizadas pelos cidadãos, perdeu quase todos os seus clientes, faliu e fechou as portas…
Não estou divagando sobre ficção científica, nem elaborando sobre fatos desprezíveis. Estou abordando e propondo, para o debate, como tantos outros cientistas sociais e filósofos, no Brasil e no exterior, questões da mais absoluta urgência e importância para o futuro da humanidade que se quer sempre mais consciente, livre, justa e democrática.
Por Eurico Borba, 77, escritor, ex professor e Vice Reitor da PUC RIO, ex Presidente do IBGE, pré candidato ao Senado pelo PSDB/RS, mora em Caxias do Sul.