OPINIÃO – Jânio e o enigma de comunicar de forma eficiente

22/08/2018 12:39

Por: Nelson Valente

“É um enigma saber como conseguia se comunicar de forma eficiente com seus eleitores, a maioria sem instrução escolar…”

Jânio costumava aparecer em público com os sapatos trocados. Nos palanques das campanhas eleitorais levava uma vassoura, com a qual iria “varrer” a corrupção do País. Esse símbolo o acompanhou durante toda a sua carreira política.

A mensagem da propaganda impressa de Jânio Quadros durante a campanha presidencial de 1960. Naquele momento, a televisão encontrava-se num estágio inicial e o rádio era o grande veículo de comunicação de massa. A publicidade eleitoral nas ruas se fazia pela distribuição de santinhos, manifestos, volantes, movimentada pelos comícios dos candidatos em diversos pontos do país.

O símbolo máximo de Jânio, a vassoura, foi um forte ícone para traduzir na linguagem popular a mensagem eleitoral janista: sua bandeira contra a corrupção. Mais do que isso, Jânio conseguiu construir e disseminar por meio da propaganda eleitoral um conceito de identidade nacional, mas não conseguiu colocá-lo em prática no curto período em que governou o país.

Nesse contexto, Jânio Quadros acertou as regras do processo de comunicação interpessoal e não fez uso somente dos meios de comunicação tradicionais, partindo para a conquista dos líderes de opinião, que propagaram suas mensagens com recursos e veículos que apenas esses líderes possuíam a habilidade em manejar.

Jânio Quadros, refez a linguagem política no Brasil

Jânio Quadros no processo de comunicação

Como entender os desejos e aspirações mais íntimas de um eleitorado? Há 56 anos atrás, em 1960, Jânio Quadros venceu as últimas eleições diretas do período democrático 1945-1964 e, de quebra, conseguiu quase 50% dos votos.

Naquele momento, Jânio era considerado um político novo, um corpo estranho na política brasileira. Jânio era um político com luz própria, que despontou no Estado de São Paulo e teve uma ascensão meteórica, sendo uma opção à velha oligarquia política que detinha o controle do poder. Isso não significa que Jânio agiu muito diferentemente dos ex-dirigentes da nação, mas seu discurso imprimia um novo viés que atingiu profundamente as massas.

Para se projetar politicamente em um país de dimensões continentais Jânio Quadros soube falar diretamente ao povo. Ele rompeu um modelo político institucionalizado e percebeu que para atingir o coração das massas era necessário passar por cima dos caciques políticos e se apresentar como interlocutor do povo. Para isso, Jânio soube compreender as regras do processo de comunicação e fazia uso dos meios de comunicação, principalmente do rádio, para ampliar sua popularidade.

Jânio Quadros percebeu que o povo brasileiro necessitava de uma unidade e usou os meios de comunicação de massa e a propaganda política para disseminar conceitos que o colocavam como aglutinador dos ideais populares. Jânio tinha a ânsia de se tornar igual ao povo e para isso usava de toda a sua sensibilidade. Exatamente para atingir esse objetivo nos parece que Jânio promovia fatos políticos e ações exacerbadas, recebendo a pecha atribuída por sociólogos de um populismo extremado. Jânio buscava ser o mais humilde e ao mesmo tempo o mais culto dos homens e para isso fazia uso da propaganda e os meios de comunicação com uma habilidade rara aos antigos e também aos atuais políticos.

O símbolo máximo de Jânio, a vassoura, foi um forte ícone para traduzir na linguagem popular a mensagem eleitoral janista: sua bandeira contra a corrupção. Mais do que isso, Jânio conseguiu construir e disseminar por meio da propaganda eleitoral um conceito de identidade nacional, mas não conseguiu colocá-lo em prática no curto período em que governou o país.

Suas múltiplas habilidades no discurso permitiram encontrar um elo comum entre a elite e a classe popular e fazer com que sua proposta política unificasse a Nação. O discurso de Jânio encontrou ressonância entre a população urbana emergente dos grandes centros e a população rural, mais concentrada no interior. A publicidade janista chegou até os comunicadores e estes transmitiram-na aos eleitores. Os líderes de opinião populares encontraram identificação com a mensagem janista e foram agentes ativos no processo de intercomunicação, ampliando o eleitorado do candidato.

Nesse contexto, Jânio Quadros acertou as regras do processo de comunicação interpessoal e não fez uso somente dos meios de comunicação tradicionais, partindo para a conquista dos líderes de opinião, que propagaram suas mensagens com recursos e veículos que apenas esses líderes possuíam a habilidade em manejar.

As ações da publicidade eleitoral janista, mais notadamente o que diz respeito à peças publicitárias produzidas por populares. O objetivo aqui é demonstrar os intensos aspectos comunicacionais da campanha eleitoral de 1960, sob o ponto de vista das peças publicitárias. Apresentaremos diversas mensagens demonstrando como as propostas políticas de Jânio Quadros foram incorporadas pelo povo, que fabricava suas próprias peças publicitárias onde declaravam sua admiração pessoal ao estilo janista.

A vassoura como símbolo

O símbolo do janismo e da liderança política de Jânio Quadros surgiu em 1952, na disputa pela Prefeitura de São Paulo. Nas eleições presidenciais de 1960, a vassoura foge dos limites do Estado de São Paulo e passa a ser o maior símbolo da propaganda política de JQ para o país. A maioria do material de propaganda foi personalizado com o símbolo, com o intuito de fazer referência a uma possível administração que moralizaria o país. Selos, broches, ofícios, cartazes, panfletos, manifestos e santinhos foram estampados com diferentes variações da vassoura para a publicidade eleitoral de JQ. Muitas vezes, o símbolo desdobrava-se nas mais diferentes formas, como caricaturas do político, determinando humor, seriedade, combatividade etc.

A vassoura é um objeto popular, as donas de casa usam-na para limpar o lar, as crianças brincam simulando cavalinhos, equilibrando-as nos dedos e até utilizando-a como par num passo de dança.

Este símbolo também evoca representações metafóricas. Além de sua ação principal, a varrição, a vassoura se constitui como elemento folclórico do imaginário popular, sendo um instrumento adotado por bruxas e feiticeiros em suas ações sobrenaturais. JQ, com seu bigode, com os cabelos longos, formando um topete por sobre a testa, e com a visão estrábica evocava a figura de um feiticeiro, um líder espiritual poderoso, que poderia promover uma transformação radical.

Para os mais jovens, essa imagem representava a ruptura de um estilo clássico de se projetar politicamente para outro mais jovial. Jânio parecia romper com os padrões e evocar estilos mais modernos.

Na onda do misticismo, havia também uma expressão popular que recomendava guardar a vassoura com o cabo para baixo, atrás da porta, quando se desejava espantar visitas indesejáveis. O instrumento adotado por JQ, na linguagem metafórica, serviria então para expulsar do poder público os maus cidadãos, aqueles que não se alinhavam ao seu trabalho de moralização do país.

Pode-se fazer aqui uma relação do processo de persuasão da propaganda política no inconsciente das pessoas. A característica popular da propaganda e as associações metafóricas invadiam os sonhos das pessoas e reforçavam o processo de persuasão em favor de Jânio.

O símbolo da vassoura só obteve expressividade porque Jânio Quadros possuía a habilidade por meio do processo comunicacional de dar sustentação a esse símbolo. Outros políticos que posteriormente adotaram a vassoura como signo não conseguiram o mesmo êxito político.

Outra presença marcante do instrumento símbolo de Jânio Quadros foram as vassouras trazidas espontaneamente pelos simpatizantes que frequentavam seus comícios. Eles carregavam as vassouras até o local do ato e, nos momentos de exaltação, viravam o instrumento de ponta-cabeça e o erguiam para exaltar o candidato. O jornalista Joel Silveira, que acompanhou a comitiva de Jânio em campanha pelo país, descreveu uma cena em que presenciou a chegada do candidato num aeroporto:

-“ Lá fora, como sempre acontecia onde ele chegava, aquele mundão de gente, centenas e centenas, milhares e milhares de vozes gritando o seu nome: e toda uma eriçada floresta de vassouras de todo tipo, de piaçava ou de estopa, a transformar o aeroporto e toda a cidade numa espécie de pinheiral rústico, inquieto, como se batido por uma incontrolável ventania (O Estado de S. Paulo 15/11/89)”.

Outras peças publicitárias

Tendo em vista todos os materiais descritos até o momento, podemos afirmar que a publicidade eleitoral janista transmitiu mensagens em dois estilos. As peças publicitárias de caráter oficial apresentavam o candidato numa postura mais séria, em estilo tradicional, com cabelos penteados e roupas alinhadas. Já as peças publicitárias produzidas por simpatizantes demonstram um Jânio carregado de traços regionais, incorporando costumes e tradições das várias regiões do país em estilo bem populista. É o caso da capa de um pequeno livro, sem referência do local, mas pelas características da figura produzido a partir de um personagem típico do nordeste: o cangaceiro. Na animação é mostrada uma charge de Jânio com a barba por fazer, bigode desalinhado, olhos arregalados, usando um chapéu de cangaceiro e tocando uma sanfona. Logo abaixo vem a mensagem: “Ó xente! O povo falou tá falado!”.

Nas várias regiões do país o povo construía a imagem de JQ a sua maneira, as habilidades físicas e sensitivas do candidato produziam várias imagens no receptor que, de alguma forma, encontravam ressonância no povo. Ele soube compreender as tradições regionais do país e aplicá-las adequadamente conforme a sua intuição.

Na propaganda soube, a partir de São Paulo, se desdobrar em vários “jânios” pelo resto do país, nunca perdendo a individualidade, mas incorporando outras características conforme os contrastes regionais.

A propaganda política de JQ em 1960 demonstrou que não se pode impor um estilo pasteurizado de valores e conceitos pré-estabelecidos. Mas que as referências devem ser trabalhadas considerando os diversos aspectos culturais, de modo a estabelecer uma relação entre o nacional e o local. O reforço e a solidificação de valores e atitudes foram explorados em detrimento da imposição de novos estilos.

Em minha opinião, Jânio Quadros conquistou os comunicadores chegando a eles de várias formas, entre elas, por meio da mensagem publicitária em sua propaganda eleitoral. Esses líderes de opinião passaram a propagar o voto em Jânio nos determinados grupos de influência e, dessa forma, contribuíram para afirmação do candidato perante as classes populares.

Os comunicadores produziram peças publicitárias específicas em forma de manifestos, volantes, panfletos, que eram materiais de publicidade eleitoral adequados as realidades específicas das classes subalternas, os quais endossavam as ideias de Jânio.

As mensagens eram carregadas de moralismo, preconceitos, religião, humor, medo, anticomunismo, atingindo conceitos e crendices das populações mais abastadas.

Entre todas as formas publicitárias que Jânio encontrou para atingir as classes populares, uma das mais eficazes foi a vassoura, seu maior símbolo. Mas este símbolo só teve êxito porque Jânio teve a habilidade de maximizar seus efeitos por meio da publicidade, principalmente a comunicação interpessoal. Provavelmente, a vassoura tenha sido um dos maiores símbolos da propaganda política já concebidos no país.

Jânio procurou sempre se diferenciar dos outros políticos.

Vestia roupas surradas, usava cabelos compridos, deixava a barba por fazer, os ombros cheios de caspa e exibia caretas aos fotógrafos.

Sua sintaxe era um caso à parte. Em seus discursos procurou sempre utilizar um vocabulário apurado, recheado por frases de efeito.

É um enigma saber como conseguia se comunicar de forma eficiente com seus eleitores, a maioria sem instrução escolar.

Entre os discursos de campanha, comia sanduíches de mortadela e pão com banana, numa tentativa de identificar sua imagem com o eleitorado mais pobre.

Chefe do Executivo fosse municipal, estadual ou federal, o autoritarismo e o carisma foram seus traços característicos.

Seus bilhetinhos, com ordens a subordinados, se tornaram célebres.

Segundo seus adversários, Jânio sempre demonstrou desprezo pelos partidos e pelo Poder Legislativo.

Ao longo de sua carreira, trocou de legenda sucessivamente.

Essas demonstrações de força aumentaram sua popularidade junto a diversos segmentos do eleitorado. Jânio parecia diferente dos outros políticos.

Nelson Valente é professor universitário, jornalista e escritor.