Opinião – Tempo de TV tem efeito incerto e eleição de 2018 tem paradoxos inéditos

29/08/2018 11:26

”Perto de 60 milhões de pessoas sem voto definido; dependendo de apenas cinco semanas de propaganda eleitoral e no meio desse período candidatos tendo de ajustar estratégias da noite para o dia”

A tradição e um mínimo de cautela mandam que se espere pelo menos duas semanas (ou seis programas eleitorais dos candidatos a presidente) para que se possa começar a medir os efeitos dessas propagandas nas intenções de voto. Teremos de aguardar até 15 de setembro para saber se e como as intenções de voto começarão a se cristalizar ou a se modificar.

Entre tantos paradoxos desta eleição, um se destaca: nunca foi tão reduzido nem tão importante o tempo de propaganda no rádio e na TV. Por isso, é inevitável que desde o primeiro dia, 6ª feira (31.ago.2018), torne-se esporte nacional tentar adivinhar o que cada jingle, palavra ou imagem provocarão na decepcionada cabeça do eleitor brasileiro.

Um breve roteiro do que vem por aí:

1. O índice de audiência dos programas eleitorais será, em si, um fato com consequências eleitorais. Se baixo, perde o PT, que precisa fazer a transferência de votos para Haddad. Perdem Alckmin, Marina e Ciro. E só Bolsonaro ganha. Se os índices de audiência forem altos, inverte-se, em princípio, o quadro;

2. Grupos de discussão e avaliações qualitativas do impacto de cada comercial serão muito mais importantes do que análises sobre o efeito dos programas eleitorais;

3. Falar em comerciais é aguardar especialmente pelo que farão Alckmin e o PT, num primeiro momento. São deles, com diferença gigantesca em relação aos demais, os espaços para mensagens publicitárias. Ciro, Marina e, de certa forma, Bolsonaro vão depender do que Alckmin e o PT souberem ou não fazer com essa poderosa vantagem;

4. Alckmin tem latifúndios de tempo para falar para os que não o apoiam. Conseguirão os tucanos pela primeira vez desde o real utilizar um idioma compreensível para a maioria dos brasileiros? A jogada é arriscada. Não se constrói um perfil em dias, ainda mais de alguém resistente/conservador como Alckmin, para o bem e para o mal. Um surpreendente sucesso televisivo de Alckmin vai aproximá-lo do segundo turno. Uma monótona repetição das últimas semanas do tucano dará força a Ciro e Marina, além de impulsionar Bolsonaro;

5. O outro jogador destaque desse primeiro momento é o PT. A impotência do partido diante de seu criador levou-o a deixar-se encarcerar junto com Lula. Agora, pode acarretar punição adicional ao não conseguir colar em Haddad rapidamente a imagem do ex-presidente. Mas se o PT conseguir a façanha de transferir ao menos um terço das intenções de Lula para Haddad, o ex-prefeito de São Paulo se viabiliza para tentar um segundo turno;

6. Ciro e Marina, e, de outra forma, Bolsonaro começam o jogo esperando e dependendo do eventual insucesso de Alckmin e/ou do PT no uso do tempo na propaganda eleitoral;

7. Ciro e Marina estarão, é claro, sentados à mesa desde o primeiro momento do jogo eleitoral na TV. Mas a organização da disputa deu-lhes apenas as senhas de número 3 e 4. Antes, estarão juntos na torcida por tropeços de Alckmin ou do PT;

8. Parte do fascínio desta eleição vem daí. Ciro e Marina dependerão muito da evolução/involução do PT e de Alckmin;

9. Bolsonaro vive outra situação curiosa. A encrenca em que se meteram seus dois aparentes principais adversários –PT e Alckmin– deixa-o otimista para uma ida ao segundo turno, apesar de desconhecida ainda a eficácia do tiroteio que sofrerá. Mas, para Bolsonaro, qualquer risco no primeiro turno é nada diante do fato que de todos os nomes principais é o de pior perfil e piores chances no segundo turno, de acordo as pesquisas recentes.

Perto de 60 milhões de pessoas sem voto definido; dependendo de apenas cinco semanas de propaganda eleitoral e no meio desse período candidatos tendo de ajustar estratégias da noite para o dia. Vai ser ótimo de acompanhar e talvez difícil de esquecer.

 

 

Por Antônio Britto Filho, 66 anos, é jornalista, executivo e político brasileiro. Foi deputado federal, ministro da Previdência Social e governador do Estado do Rio Grande do Sul. Atualmente é presidente do Conselho Consultivo da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa).