Opinião – Brasil e seus paradoxos

01/10/2018 15:14

”Um governador de Estado que detém a caneta e a chave do cofre representa uma vantagem potencial exagerada e sem limites para garantir sua permanência”

Há paradoxos agressivos em nossa legislação, tradicionalmente elaborados por casuístas. O casuísmo, na verdade, tem sido o fértil inspirador de um sem número de emendas e de leis. Este defeito cultural de sempre adotar uma expectativa mais proveitosa para um caso não se corrigirá em nosso tempo, sabe-se lá quando, ou melhor, quando tiverem nossos legisladores e agentes políticos aperfeiçoado e atingido os caracteres nacionais que legitimam o processo legislativo com repercussão para os três poderes.

Um fato sempre testemunhado pelo público é a sempre risonha cerimônia de transferência da presidência da República quando o titular se ausenta por menos de quinze dias. Em tal circunstância, se o presidente da Câmara Federal, primeiro na ordem da sucessão, estiver disputando algum mandato, não pode ele assentar-se na presidência, o mesmo ocorrendo com o segundo na ordem da sucessão, o presidente do Senado Federal. Nesta hipótese, assume a presidência o presidente do Supremo Tribunal Federal, cessando assim os exercícios extraordinários previstos em lei.

É possível inferir-se as manobras necessárias, principalmente o custo delas, para que se cumpra o dispositivo constitucional de os viajantes deixarem a estremecida pátria, eis que os nomes que disputam um novo mandato haverão de também cumprir a obrigação legal em viagem ao exterior, necessariamente. No último episódio de transferência da presidência, como sempre acontece neste faz de conta formal, o presidente da Câmara e do Senado prepararam suas respectivas viagens, escolheram o destino e os acompanhantes.

Leitores, esta pantomima só provoca o deboche do povo, que paga pela mentirinha encenada pelos ilustres viajantes e comitivas, de que irão cumprir missão oficial da mais alta importância para a República. Esse teatro, que todos sabemos absolutamente dispensável como suposto controle de atos que pudessem avantajar a candidatura de ambos, deve ser expungido da legislação, não apenas porque a maior democracia das Américas, os Estados Unidos, nosso inspirador constitucional, não o possuem, mas é artifício insano, que mais causa embaraços e vultosas despesas a nosso frágil orçamento do que possa proporcionar de valia a nossa democracia.

Outro paradoxo de todo ininteligível (execrável até) é a permissão de o candidato a cargo executivo federal, estadual ou municipal nele permanecer no processo eleitoral se já o estiver ocupando, enquanto se inscrever para cargo executivo diferente teria de se afastar. Melhor hipótese para a compreensão de tamanho absurdo seria o governador de Estado, a quem seria exigível a desincompatibilização para candidatar-se ao cargo de vice-prefeito em qualquer município do país. Ora, que grau exorbitante de influência tem o candidato na sua própria sorte se pleiteia a renovação de seu mandato ! Um governador de Estado que detém a caneta e a chave do cofre representa uma vantagem potencial exagerada e sem limites para garantir sua permanência.

Isto tudo acontece no Brasil.

 

 

Por José Maria Couto Moreira é advogado.