Opinião – Fim da lenda: a eleição de 2018 não foi a reedição de 1989

29/10/2018 12:44

”O conservadorismo em 1989 era de direita. Em 2018, de esquerda. A mudança era vermelha e não aconteceu. Agora foi verde e vamos ver no que vai dar”

Sarnas e previsões políticas são infecções contagiosas semelhantes: elas infestam. Pois a sarna política do ano foi a de que a eleição presidencial de 2018 seria, de algum jeito, uma réplica do pleito de 1989. Bom, agora é oficial: tolice!

Um: a eleição de Fernando Collor foi solteira. Só no ano seguinte seriam eleitos os governadores e o novo Congresso (aliás, o ovo da serpente de PC Farias – o operador do regime – estava justamente na fragilidade de um presidente eleito como uma jabuticaba pela vontade popular de um ano e que precisaria governar com os ânimos do eleitor do ano seguinte. Dai, a necessidade de “operar” o governo, financiar campanhas e…deu no que deu). Jair Bolsonaro não tem nada a ver com Collor nem Fernando Haddad com o Lula de 1989 por essa várias outras razões.

A rigor, tirando o fato de haver um 2º turno entre um candidato “conservador”(seja lá o que isso for) e um progressista (idem), as semelhanças se esgotam aí. Collor era um genuíno filho da tradição política travestido de contraponto do sistema: neto de ministro, filho de governador e senador, ele mesmo prefeito nomeado no regime militar, deputado federal e já ex-governador quando se candidatou ao Planalto. Bolsonaro é uma novidade histórica mesmo. Perdoem-me o saudosismo: “nunca antes na história deste país” um deputado federal ascendeu diretamente da Câmara baixa pelo voto popular para a presidência da República.

É pouco? Collor montou num cavalinho de madeira chamado PRN, partido que o elegeu. Depois, inchou-o um pouco com o poder gravitacional dos palácios. Bolsonaro não. Seu PSL redesenhou o mapa da política brasileira e do Congresso. Simples assim. O Bolsonarismo esquartejou o PT e o PSDB no estratégico coração político do país, Minas Gerais. Devastou tudo ao redor no Rio de Janeiro. Chacoalhou tudo em volta em São Paulo. Elegeu senadores mais votados na ponte aérea do Brasil. Fez votações de milhões de votos para nomes até pouco tempo desconhecidos. Até seu ex-motorista recebeu quase meio milhão de votos. O PSL não derrotou a esquerda: derrotou tudo e todos, a começar pelo centro e pela direita. Tornou-se o maior partido conservador do país, o PSL, ungido pelas urnas! Sem cooptações (que deverão vir…canetas atraem…). Nada disso aconteceu na eleição de 1989.

Outro ponto fundamental é que a lamentável desgraça do desalinhamento dos astros daquela eleição, graças ao bom senso, nunca mais aconteceu. Então, a mesma vontade popular que fará Bolsonaro subir a rampa do Planalto é a que investirá deputados estaduais, governadores, deputados federais e senadores de todo o país. O presidente não terá, como teve Collor, de daqui a um ano enfrentar uma espécie de referendo sem esse nome nem terá de correr os riscos que aquele governo correu, entre outras coisas, em nome da governabilidade.

E talvez a maior de todas as diferenças em relação a 1989: o sapo barbudo de 2018 é o ex-capitão. A política tradicional – em certo sentido, o conservadorismo, a previsibilidade, o conhecido – era o candidato do PT. Afinal, o partido ostenta a credencial de haver governado o país por mais de uma década. Bolsonaro é uma aposta, é em certa medida uma incógnita. É o novo. É uma ruptura ou pelo menos foi eleito com essa perspectiva de ser. O conservadorismo em 1989 era de direita. Em 2018, de esquerda. A mudança era vermelha e não aconteceu. Agora foi verde e vamos ver no que vai dar.

 

 

Por Mario Rosa, 53 anos, é 1 dos mais renomados consultores de crise do Brasil. Pede que em sua biografia seja incluído o fato de ter sido jurado de miss Brasil e ter beijado o manto verde-rosa da Estação Primeira de Mangueira. Foi o autor do prefácio do primeiro plano de gerenciamento de crises do Exército Brasileiro. Atuou como jornalista e consultor

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