Opinião – Atacar déficit e buscar identidade são desafios do novo governo e da oposição

05/11/2018 11:48

”E não é bom depender da estupidez alheia. É ilusão acreditar que o bolsonarismo vai assistir quieto à articulação de uma direita aguada e palatável a quem, tendo ajudado a vencer o PT”

O 1º desafio do futuro governo Bolsonaro é dar sinais de que vai enfrentar rapidamente o deficit primário, no qual o governo Temer vem sendo recordista. Seria uma luz não apenas para as finanças, mas também para o mundo político. Mostraria que Paulo Guedes não é um fusível do presidente para os primeiros tempos, mas que a aliança entre ambos tem consistência.

Quando se escreve “enfrentar”, não se leia “resolver”. O que as forças bolsonaristas na sociedade, especialmente em suas camadas mais bem postas, esperam não é um milagre de Natal nas finanças públicas, mas a indicação clara de que o trem saiu da estação. O andamento da reforma da Previdência Social será o sinal de que a composição finalmente passou a rodar.

Qualquer governo mexeria na Previdência, e este vai mexer. Ela tem 2 problemas fundamentais: 1) o aumento da expectativa de vida e 2) o paraíso previdenciário particular dos servidores públicos, com destaque para as chamadas “carreiras de Estado”. Dois vespeiros. O primeiro é bolir com o povão. O segundo é cutucar um núcleo duro do bolsonarismo.

O ideal para Bolsonaro seria resolver isso antes de receber a faixa. Uma reforma da Previdência que ao menos clareasse o caminho para os próximos anos. O problema menor: associar-se ao impopular Temer na empreitada. O risco maior: e se tentar e perder? Um pavor de governos novos é nascerem velhos. O presidente certamente não vai, no popular, querer pagar o mico.

Então a tática repousará na aritmética. Para o governo eleito, trata-se apenas de contar votos. E governos novinhos em folha têm gás para juntar gente no Congresso Nacional. A moeda-padrão das negociações políticas ainda não se desvalorizou. A promessa e o compromisso ainda estão com a credibilidade intacta. Ainda não foram corroídos pela inflação da vida real.

Além do mais, o governo tem um amplo estoque potencial de votos congressuais maduros, apenas esperando pela colheita. O PSL exibe só meia centena de deputados, mas o bolsonarismo lato sensu pode facilmente reivindicar 3 quintos da Câmara. E conta também com a boa vontade de um pedaço da oposição ansioso para exibir uma atitude, digamos assim, construtiva.

O projeto político de reconstrução do holograma centrista está nítido: “apoio crítico” ao governo na agenda liberalizante e oposição cerrada nas políticas anti-identitárias, nas iniciativas ambientais e nas medidas ultrarrepressivas para combater a criminalidade. É o programa de um bloco que tentará se apresentar moderado, distinto da oposição de esquerda.

Esta também anda dividida, dada a disposição de uma parte de buscar caminhos que a libertem da subordinação ao PT. Por enquanto, a iniciativa parece ter alguma musculatura parlamentar. Um problema dela é o PT ter conseguido segurar seus votos na campanha eleitoral. Outro problema é como fazer “oposição construtiva de esquerda” a um governo Bolsonaro.

São elucubrações. Os fatos da vida costumam ser um santo remédio. Quando janeiro chegar, as forças políticas e sociais precisarão escolher entre duas opções: apoiar o governo ou opor-se a ele. O “centro” precisará de remédio para urticária pois se descobrirá colado ao bolsonarismo. E a esquerda não petista acordará do porre deitada na cama ao lado do PT.

E não é bom depender da estupidez alheia. É ilusão acreditar que o bolsonarismo vai assistir quieto à articulação de uma direita aguada e palatável a quem, tendo ajudado a vencer o PT, precisa agora de algo mais moderno para sair à rua. E é, desculpem, burrice achar que PT e Psol vão se deixar isolar sem explorar politicamente o colaboracionismo dos rivais.

Depois de um passo à frente, 2 passos atrás. Nesta primavera (ou outono, conforme a preferência) de “rearenização”, é curioso notar o ressurgimento também da velha diferença entre oposição “autêntica” e “moderada”. Os adeptos desta última lembram sempre que quem brigou mesmo foram os primeiros mas quem levou no final, com Tancredo, foram os segundos. Será?

 

 

Por Alon Feuerwerker, 62 anos, é jornalista e analista político e de comunicação na FSB Comunicação. Militou no movimento estudantil contra a ditadura militar nos anos 1970 e 1980. Já assessorou políticos do PT, PSDB, PC do B e PSB, entre outros. De 2006 a 2011 fez o Blog do Alon. Desde 2016, publica análises de conjuntura no blog alon.jor.br.

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