05/11/2018 11:43
”Para aprimorar o modelo brasileiro, é necessário entender as demandas dos setores produtivos e, paralelamente, ampliar e aprofundar laços comerciais”
O eleitor quis mudança e ela chegou sem que se saiba exatamente como será. Numa eleição sem debates programáticos, os candidatos não firmaram compromissos minimamente detalhados. A crise econômica, para ficar apenas em uma delas, permanece aí com jeito de septicemia. Trata-se do 1º e mais anunciado desafio do novo presidente da República.
Reformas, liberalismo e mercado são palavras constantemente evocadas, mas a discussão pública raramente se detém ao que elas envolvem. O que mudará de fato será mais bem delineado no 1º semestre do próximo ano, quando a mira das intenções for ajustada por propostas concretas, implementação e, sobretudo, pela realidade.
Até o momento, está nítido que o futuro superministro da economia tem como prioridade o equacionamento da dívida pública e os juros altos. Para isso é fundamental a reforma da Previdência, tema de interesse de todos os cidadãos e que ainda resta pleno de interrogações.
Outro ponto igualmente carente de especificidade é a orientação contra o excesso de burocracia. Esta é uma agenda tão importante como multifacetada, a exigir estudos e esforços concentrados dos Três Poderes, cujos resultados serão colhidos apenas em prazo alargado.
A diminuição do número de ministérios, promessa de campanha, é igualmente atraente, desde que implique racionalização, coerência administrativa e corte de gastos –o que está longe de representar resultados certos pela mera fusão.
O aprimoramento da máquina não se faz só de canetada, mas a partir de planejamento; o corte de gastos depende da redução dos cargos por indicação. Destes 2 aspectos, pouco se sabe. O movimento de fusão tende, no entanto, a paralisar a máquina administrativa, o que é motivo de apreensão quando se necessita de resultados rápidos para aplacar a crise.
A reforma tributária, outra prioridade, é uma agenda encalacrada há décadas e não faltam bons estudos sobre o tema. O vetor de transformação passa pela simplificação, mas com equidade social. Se bem feita, renderá dividendos importantes, mas não para agora.
Os grandes pecados com relação às reformas são 1) que elas mais uma vez não aconteçam e 2) que se opte por fórmulas que acentuem as abissais desigualdades pelas quais o Brasil é mundialmente conhecido.
A mudança é legitimada pelo critério de justiça. Esta deveria ser a ideia-força de transformação na Previdência, na tributação, no aprimoramento da máquina estatal, nas políticas sociais.
O presente, no entanto, bate à porta. Milhões de desempregados estão sem ter para onde ir e o mercado de capitais certamente não é uma alternativa para eles. O futuro governo deve reservar balas de prata para essa questão, o que passa por desatravancar obras públicas, mas não só isso.
A bandeira liberal empunhada pela futura administração pode tanto ajudar com a atrapalhar, tudo é uma questão de dose, de bom senso. A história mostra que iniciativas desse tipo –como no início do período militar, nos anos 1960, como no próprio governo Fernando Henrique Cardoso– tiveram que ser ajustadas pragmaticamente para atender ao equilíbrio político-social.
Os dogmas, no mais das vezes, são biombos para interesses inconfessáveis. Boas soluções não residem em preconcepções, mas em conhecimento do problema e em propostas viáveis.
As grandes aventuras ideológicas cobram altos preços, mostra fartamente a história. O Brasil, como todos os países, possui um ambiente de negócios construído ao longo da história e que não pode ser mudado sem danos por decretos de engenharia institucional.
No plano interno, é vital a interlocução fundamentada na democracia e na busca do desenvolvimento.
Existem problemas gritantes de competitividade e de inserção qualificada do país nos mercados mundiais. A indústria de transformação perdeu aceleradamente espaço desde os anos 90, em um contexto desfavorável de câmbio e juros, o que pode ser acertado daqui para frente.
A macroeconomia é pré-condição, mas não é causa suficiente para o desenvolvimento. Todas as potências possuem políticas voltadas aos setores produtivos. A disputa por mercados mundiais envolve movimentos ajustados do setor privado e do Estado.
Isso não se confunde com distribuição de benesses, mas se refere a arranjos institucionais que possibilitam os países a ocupar posição de destaque na produção mundial. Envolve organizações estatais capazes, empresas modernas, políticas transparentes e cobrança ferrenha por resultados.
Para aprimorar o modelo brasileiro, é necessário entender as demandas dos setores produtivos e, paralelamente, ampliar e aprofundar laços comerciais. O Brasil não deve fechar portas e muito menos desperdiçar as poucas oportunidades que se abrem.
Se quisermos paz e progresso, é necessário construir o bem comum. E isso é para ontem.
Por Edney Cielici Dias, 55 anos, doutor e mestre em ciência política pela USP, é economista pela mesma universidade e jornalista. Escreve semanalmente, aos domingos.