12/11/2018 13:16
”Óbvio que há sempre a opção de acreditar na mobilização popular para impor as coisas a um Congresso cercado. Veremos até quando o governo resistirá à tentação…”
O novo presidente encontrará algumas condições boas. A economia ensaia uma recuperação, devagar mas recuperação. O desemprego também declina, ainda que muito lentamente (suspeita-se que 10% de taxa de desemprego tenha virado estrutural). O apoio empresarial e militar é maciço. A imprensa fará algum barulho, e só. A oposição vem isolada e dividida.
Há constrangimentos? O principal é a situação fiscal, especialmente de estados e municípios. Mas quanto mais gente um problema ameaça, maior o estímulo para encontrar saídas. Há também as expectativas difíceis de realizar, como na segurança pública. Uma vantagem: as pesquisas disponíveis mostram que a população não espera soluções instantâneas.
O nó mais difícil vem, é claro, da política. Bolsonaro tem amplo apoio potencial no Congresso, pelo menos 60% da Câmara e Senado. O risco? Está na palavrinha “potencial”. Apoio programático genérico e difuso não resolve. A sustentação política de qualquer governo precisa ser organizada, colocada para rodar e administrada na sintonia fina. E 24×7 por todo o mandato.
Nisso, as condições que ele encontra são notavelmente piores que as dos antecessores. Depois de três décadas de demonização da política parlamentar, e de quatro anos de blitzkrieg, “a sociedade” concluiu que governante bom não divide poder com ninguém. E que oferecer posições governamentais por apoio no Congresso é crime passível de pena de morte política.
Apesar de as pesquisas mostrarem certa preferência majoritária pela democracia, as últimas eleições revelaram uma interpretação peculiar do que deva ser essa “democracia”, na tradução prática: eleger diretamente alguém com poderes quase ditatoriais. Infelizmente, para quem pede isso, e desculpem o chavão, “as instituições estão funcionando”.
E as instituições funcionaram a pleno vapor esta semana em Brasília. Judiciário e Senado acertaram-se para este último aprovar um belo reajuste (ou reposição) salarial para os ministros do Supremo Tribunal Federal e o procurador-geral da República. Ah, sim, os ministros prometeram que, recebido o aumento, vão reanalisar agora os critérios do auxílio-moradia. Aguardemos.
Há muito tempo (está nos arquivos) previu-se que 1) as eleições tinham boa chance de dar num Bonaparte e, 2) chegando em Brasília, ele se defrontaria com a cobra de muitas cabeças de uma burocracia estatal empoderada após quatro anos de ofensiva de procuradores, juízes, auditores, policiais etc. contra o alardeado principal problema do país: a corrupção dos políticos.
Em tempos normais, o reajuste do STF seria bloqueado no Congresso, se fosse a vontade do presidente. Mas qual é o estímulo hoje a que o Legislativo seja solidário com o Executivo? E qual é o estímulo a que o Congresso recuse uma reivindicação da Justiça? Zero e zero. Desculpe citar de novo o velho Eça, mas as consequências teimam em vir depois.
Vamos ver como Bolsonaro desata o nó. O primeiro movimento-chave será dar um jeito de não perder na disputa das presidências da Câmara e Senado. Não precisa necessariamente ganhar, apenas não pode se dar ao luxo de perder. Sem o comando das casas, desintermediar a relação com os parlamentares vira bumerangue, pois os líderes estarão na tocaia.
O segundo movimento? Aproveitar a largada para avançar na agenda. Mas, com o tempo, ou o governo se abre ou vai perder velocidade. Agenda legislativa ambiciosa é bonita na campanha eleitoral, nos elogios em editoriais, nos discursos e artigos. Na vida real, o custo é o governante depender mais dos representantes do povo, e dos estados, no parlamento.
Nas condições atuais, ou Bolsonaro acerta-se com o Congresso alguma hora ou há o risco razoável de acabar atolando. Ou então lipoaspira a agenda. Mas isso teria forte impacto negativo no eleitorado bolsonarista, nas elites e no povão. Nos EUA, Trump só continua a navegar porque mantém reunida sua base em torno da agenda nacionalista e conservadora.
Óbvio que há sempre a opção de acreditar na mobilização popular para impor as coisas a um Congresso cercado. Veremos até quando o governo resistirá à tentação, até quando terá paciência com as instituições que estão funcionando”.
Por Alon Feuerwerker, 62 anos, é jornalista e analista político e de comunicação na FSB Comunicação. Militou no movimento estudantil contra a ditadura militar nos anos 1970 e 1980. Já assessorou políticos do PT, PSDB, PC do B e PSB, entre outros. De 2006 a 2011 fez o Blog do Alon. Desde 2016, publica análises de conjuntura no blog alon.jor.br