27/05/2019 18:01
”Dizem que estamos vivendo a era da pós-verdade. Mentira! Estamos vivendo a era da pós-certeza. Uma era em que não é mais preciso pensar em nada, refletir nada…”
É sempre constrangedor expor uma fragilidade publicamente. Mas em situações de desespero, a gente faz qualquer coisa em busca de uma solução, de um alívio, de uma saída qualquer, seja a que for: o fato é que –e eu me envergonho profundamente– hoje eu acordei sem nenhuma certeza. Isso mesmo: certeza nenhuma, sobre nada. Fui para as redes sociais e logo senti a fisgada: não conseguia descarregar meu ódio visceral e certeiro nem minha solidariedade compulsiva e inabalável. Sequer um emoji fui capaz de digitar! Fiquei em estado de choque: será que estou doente? Isso passa ou é como um pequeno AVC das convicções inabaláveis, um acidente temporário que exige acompanhamento mas não deixa sequelas?
Tenho a coragem de tornar esse relato público para o caso de que essa tragédia aconteça com você um dia (espero que não). Pelo menos saberá que já acometeu outros antes e poderá buscar tratamento, não se sentir tão devastado como eu, do mesmo modo como quando ocorreu comigo.
Já houve um tempo em que certezas e linhas telefônicas eram duas coisas raras e dificílimas de obter. Hoje, qualquer um tem um celular de qualquer tipo e com um design atraente e cheio de funções. Com as certezas é a mesma coisa. Tudo bem se você não tiver o melhor celular com a maior memória. O importante é que vergonha você não vai passar. Idem com as certezas. Pois hoje é como se eu tivesse passado o dia inteiro sem nenhum celular. Não recebi nenhum WhatsApp. Ninguém me ligou, não falei com ninguém, não entrei na internet. Um mundo sem certezas, e sem celulares, deixa você totalmente isolado de tudo. Que dia!
As certezas são um mundo habitado de heróis e eles trazem suas capas pretas e, no peito, uma exclamação. Várias: !!!!!!!!!
Já um mundo sem certezas é o subterrâneo onde vivem os vilões como o eterno inimigo do Batman, o Charada. E suas interrogações: ??????
E olha que eu fiz de tudo. Eu não me entreguei: tentei fazer uma fisioterapia de certezas. Percorri os comentaristas de rádio e logo de manhã, aqueles bem opinativos. Mas nada me apeteceu. Fui para os editoriais dos jornais. Nada. Apelei pra os blogs mais adjetivados. Parecia tudo comida de hospital. Perguntei a mim mesmo: será que perdi o paladar? Logo eu, uma metralhadora de opiniões, um tribunal do Santo Oficio de tudo e todos, logo eu, subitamente, não consigo condenar ninguém, nem mesmo um…ai como dói confessar isso…mas faz parte da cura e o faço para que, se passar por isso, tenha a dimensão da tragédia que irá viver….nem mesmo um po-lí-ti-co?
É tão fácil ter certezas no mundo de hoje, não? Você nasce e elas já estão aí. Você nem precisa pensar sobre elas, construí-las, projetá-las. É como se elas sempre tivessem existido, tivessem sido deixadas por outras gerações como um legado pra que pudéssemos usar, assim como a invenção do avião, as linhas de metrô, os aeroportos. A gente simplesmente usa e nem pensa no trabalho que deu pra fazer tudo aquilo.
Dizem que estamos vivendo a era da pós-verdade. Mentira! Estamos vivendo a era da pós-certeza. Uma era em que não é mais preciso pensar em nada, refletir nada. As certezas já estão todas aí. Prontas, prontinhas. Fabricadas. É só usufruir delas. Sem culpa, sem questionamento, sem esforço, sem perda de tempo.
Ufa…acho que o pior já passou. Já estou me curando. Estou cheio de convicções novamente. Vou parar por aqui. Vou me vestir com meu perfil fake mais inquisidor e desancar algum desafeto numa polêmica inútil qualquer. Ai, como é bom recuperar a plenitude da sanidade novamente. Viva o Olavo! O quê? Aqui oh: 👌!!!!!!
Por Mario Rosa, 54 anos, é 1 dos mais renomados consultores de crise do Brasil. Pede que em sua biografia seja incluído o fato de ter sido jurado de miss Brasil e ter beijado o manto verde-rosa da Estação Primeira de Mangueira. Foi o autor do prefácio do primeiro plano de gerenciamento de crises do Exército Brasileiro. Atuou como jornalista e consultor.