Opinião – ‘God Save the Queens’: a mobilidade em Londres e Nova York

01/06/2019 01:25

”Carro virou cigarro do século 21”, diz Washington Olivetto, que relata sua rotina como publicitário, explanando uma ótica do transporte urbano londrino

Nova York, que imita Londres desde que nasceu, resolveu imitar novamente. Está implantando em 2019, para entrar em vigor em 2021, algumas restrições ao tráfego de veículos movidos a gasolina ou a diesel que já existem em Londres desde 2003. Em resumo: resolveu cobrar o pedágio urbano.

Quando comecei a planejar minha mudança para Londres em 2016, eu, que era absolutamente ignorante no assunto, imaginava que essas restrições haviam sido implantadas só para diminuir o trânsito. Mas depois descobri que foram criadas principalmente para combater a poluição do ar e o aquecimento global.

Na Central London, veículos altamente poluentes como os Range Rovers e os Mercedes-Benz são proibidos de circular em parte do dia. Se os donos desses veículos quiserem circular mesmo assim, têm que pagar por isso. Podem optar por pagar diariamente, mensalmente ou anualmente.

A maior parte desses proprietários opta por pagar anualmente, gesto que não é um grande sacrifício para quem pode ter um Range Rover ou um Mercedes-Benz.

Quem costuma analisar as coisas superficialmente pode chegar à conclusão de que o projeto para evitar a poluição e o excesso de tráfego em Londres falhou. Só que o projeto não falhou coisa alguma. Muito pelo contrário.

O dinheiro pago por quem faz questão de continuar circulando de carro na Central London é todo aplicado em programas muito efetivos de combate à poluição e na melhoria dos transportes coletivos da cidade, que em sua maioria já são excelentes.

Fora isso, no lugar onde além dos Mercedes Benz e Range Rovers, uma enorme quantidade de Bentleys, Rolls-Royces, Porsches, Ferraris, Jaguars, Maseratis e outros automóveis de luxo também se destacam, o carro elétrico já é uma realidade. Conta com postos de abastecimento em toda a cidade.

O automóvel em geral, por mais luxuoso que seja, vem se transformando numa espécie de cigarro do século 21, com a imagem de pegar mal e ser um hábito de gente velha, despreparada e não contemporânea. Por outro lado, o novo carro elétrico Tesla S virou o sonho de consumo de parte dos antenados e modernos, por não gerar poluição do ar, nem sonora. E ainda lembrar um pouquinho os primeiros carros do James Bond.

Mesmo assim, não são todos os londrinos que têm o sonho do carro próprio, por mais espetacular que esse carro seja, ou por mais na moda que ele esteja.

Vou me usar como exemplo. Eu que sempre gostei de Porsches –que aqui custam bem menos do que no Brasil. Desde que cheguei em Londres, há 3 anos, nunca tive vontade de comprar um.

Tive três Porsches na minha vida. O primeiro quando, antes de fazer 20 anos de idade, passei a ganhar meu primeiro bom salário e resolvi comprar um Porsche pagando uma prestação mensal que me obrigava a me alimentar almoçando em pastelarias e jantando na casa dos meus pais. Depois de 4 meses dessa quase inanição, tive uma crise de bom senso e resolvi passar o Porsche para frente.

Tive depois mais dois Porsches, já com a minha vida financeira mais acertada. O último troquei em 2004 por um casal de filhos gêmeos. Era impossível transportar mulher, crianças, babás e carrinhos de bebê num Carrera 911, que foi devidamente substituído por um desses utilitários que ganharam fama de poluidores.

Aqui em Londres, como eu disse, não tenho a mínima vontade de ter um Porsche –nem mesmo o badaladíssimo Tesla S, que minha mulher até cogitou comprar influenciada por uma amiga do mercado das artes. Mas depois mudou de ideia.

Preferimos usar os transportes coletivos a maior parte do tempo. E os táxis e Ubers de vez em quando.

Vou para a agência quase sempre usando o underground e tenho as minhas estações preferidas como a Sloane Square, que é pequena, calma e fica perto da minha casa. Tenho as estações que evito, como a Victoria e a Holborn, que são enormes, superpopuladas, com uma porção de gente se atropelando, coisa que lembra mais Nova York do que Londres.

Gosto muito das estações que têm escadas rolantes. Não gosto das que têm elevadores porque, em determinadas horas, eles ficam lotados e apertados.

Mas, por ironia do destino, uma das estações que mais frequento é a da Russel Square, que desemboca na porta da McCann London. A estação Russel Square não tem escadas rolantes. Só funciona com elevadores. Subir ou até mesmo descer pelas escadas de serviço é algo que ninguém cogita, porque são intermináveis 175 largos degraus. Cometi essa bobagem uma única vez e jurei nunca mais repetir.

Além do underground, nos dias muito bonitos, que, na verdade, apesar da mitologia de mau tempo que envolve Londres, são muitos, uso também os ônibus para observar a cidade e os barcos em lugares específicos.

Undergrounds, ônibus, e barcos são interligados pelo mesmo cartão Oyster, que você compra uma única vez e recarrega o resto da vida. Às vezes, uso também as bicicletas, que estão à disposição em todos os cantos da cidade. Muitas vezes saio a pé, percorrendo longas distâncias, e sempre vendo ou aprendendo alguma coisa interessante.

Os táxis londrinos continuam sendo os melhores do mundo. Depois do surgimento dos Ubers, passaram também a aceitar cartões de crédito e de débito. Os Ubers, com automóveis tinindo de novos e motoristas de boa formação, eu uso só de vez em quando mesmo. Normalmente à noite com minha mulher e as crianças, indo ou voltando de restaurantes, shows, concertos e teatros.

Quem usa táxis ou Ubers diariamente na nossa família são os nossos filhos, no período da manhã, porque seus horários de escola coincidem com o de maior movimentação dos ônibus e undergrounds. À tarde eles voltam para casa de transporte público como a maioria dos seres humanos civilizados e normais.

Por melhor que sejam os táxis e os Ubers de Londres, em determinadas regiões e horários eu também fujo deles. Aprendi com o passar do tempo onde estão os engarrafamentos mais bravos. Por exemplo: não pego um táxi nem morto na Old Park, em Mayfair, para ir até a Russel Square ou a Covent Garden. Sei que vou ficar um tempão parado no trânsito feito um idiota.

A verdade é que as grandes cidades do mundo só conseguem combater seus problemas de excesso de tráfego e poluição quando têm dirigentes bem preparados e sérios na administração do dinheiro público –e habitantes com bom senso para se comportar fazendo sempre o que é melhor para eles e para a vida da cidade, ao mesmo tempo.

Isso é o que Londres e os londrinos fazem há muitos e muitos anos. É o que a democrática Nova York e os nova-iorquinos estão tendo a inteligência de imitar.

Até porque sabem que copiar o que deu certo não é demérito. É sabedoria.

 

 

 

Por Washington Olivetto, 67 anos, é consultor criativo da McCann Europa. Vive em Londres. É o mais premiado publicitário brasileiro e 1 dos 3 mais premiados do mundo na categoria filmes do Festival de Cannes. Olivetto é também o único publicitário não anglo-saxão no Lifetime Achiviement do Clio e no Hall of Fame do One Club de Nova York. A foto deste perfil foi feita por Sebastião Salgado