Opinião – O rádio e o atraso do Brasil

03/06/2019 11:49

”É realmente difícil de entender: temos um dos povos mais criativos do planeta, mestres na arte da improvisação e da inovação, e não nos preocupamos em apoiá-lo ou estimulá-lo”

Você sabe quem inventou o rádio? Em todas as nossas escolas ensina-se que foi um italiano, de nome Guglielmo Marconi. Já de Roberto Landell de Moura, um obscuro padre brasileiro, quase ninguém ouviu falar – perdeu-se este nome na poeira da história. No entanto, foi ele o verdadeiro inventor do rádio.
Roberto Landell nasceu em Porto Alegre, no ano de 1861. Concluiu sua educação em Roma, formando-se em Teologia e ordenando-se sacerdote. Naquela época, iniciou seus estudos sobre física e eletricidade. De volta ao Brasil, continuou suas pesquisas sobre as ondas de rádio. E eis que em 1894 (ou seja, 2 anos antes de Marconi) Roberto Landell transmitiu a voz humana por 8 km em linha reta, da Avenida Paulista até o Alto de Santana, na zona norte de São Paulo. Detalhe: o invento de Roberto Landell transmitia a voz, enquanto que o de Marconi transmitiria apenas sinais telegráficos, e dois anos depois.
Em seu livro Brasil Actual, publicado em 1903, o escritor Artur Dias, sobre Roberto Landell, escreveu que “logo que chegou a São Paulo, em 1893, começou a fazer experiências preliminares, no intuito de conseguir o seu intento de transmitir a voz humana a uma distância de 8, 10 ou 12 km, sem necessidade de fios metálicos”.
Depois desta experiência coroada de sucesso aguardava-o a fama ou a fortuna? Não. Roberto Landell passou a ser visto pela população como herege, impostor, feiticeiro perigoso, louco, bruxo e padre renegado. Sua genialidade custou-lhe muita dor, sofrimento e isolamento.
No ano de 1900 Roberto Landell repetiu sua experiência, buscando conseguir auxílio para as suas pesquisas. A notícia repercutiu, mas não como ele esperava: alguns religiosos se indignaram com as bruxarias de um padre, e dois dias depois vários fiéis invadiram o seu laboratório, quebrando todos os aparelhos que lá estavam.
Naquela época, mais precisamente no dia 16 de dezembro de 1900, uma reportagem publicada no jornal La Voz de España, que circulava em São Paulo, assim registrou: “quantas e que amargas decepções experimentou Padre Landell ao ver que o governo e a imprensa de seu país, em lugar de o alentarem com aplauso, incentivando-o a prosseguir na carreira triunfal, fez pouco ou nenhum caso de seus notáveis inventos”.
Desiludido, Roberto Landell foi para os Estados Unidos da América, de onde somente retornou no ano de 1903. Ele ainda teve energias para solicitar ao então presidente da República, Rodrigues Alves, dois navios de nossa Marinha para demonstrar seus inventos – só para fins de comparação, quando Marconi fez igual pedido ao governo italiano, foi informado de que toda a esquadra estaria à sua disposição. A Presidência da República do Brasil, no entanto, reputando-o um maluco, negou o seu pedido. Roberto Landell nunca conseguiu ajuda privada ou governamental para continuar suas pesquisas, e nem para construir equipamentos de rádio em escala industrial. Amargurado, abandonou a ciência e passou a dedicar-se exclusivamente à vida religiosa.
A vida de Roberto Landell veio-me à memória dia desses, quando lia uma reportagem sobre os brasileiros e suas invenções. Nela, há um quadro mostrando os Estados Unidos com 425.966 invenções anuais, seguido de perto pelo Japão, com 408.674. O Brasil amarga um 12º lugar, com 24.074 criações patenteadas. Mas não se anime: o próprio jornalista esclarece que destas 24.074 patentes apenas 3.803 são realmente invenções de brasileiros – as demais, ou seja, 20.271, são criações de empresas estrangeiras aqui registradas para fins de exploração comercial.
É realmente difícil de entender: temos um dos povos mais criativos do planeta, mestres na arte da improvisação e da inovação, e não nos preocupamos em apoiá-lo ou estimulá-lo! O fato é que já passou da hora de termos um Centro de Apoio ao Inventor Brasileiro, uma instituição que incentive e ajude os nossos tantos inventores no desenvolvimento de suas idéias e no processo de patente das mesmas. Afinal, como exclamava Câmara Cascudo, “o melhor produto do Brasil ainda é o brasileiro”.

 

 

 

 

Por Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

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