04/06/2019 13:01
”Esse retorno, evidentemente ninguém deseja. Por tal motivo, o “radicalismo” que se dissemina, de forma epidêmica, deve ser evitado”
Percebe-se hoje no Brasil fenômeno sócio-político, que contraria as origens da filosofia do “radicalismo”, assim entendida como a prática de posições extremadas para alcançar as mudanças e reformas sociais imaginadas pelos governantes.
O radicalismo sempre se opôs ao conservadorismo, em cujos fundamentos prevalecem valores e normas tradicionais.
O clima de absoluta intolerância, instalado no país e a cada dia mais agudo, origina-se na forma como os ânimos são exacerbados, em defesa de princípios e ideários. Aí está o fator preponderante para retração dos investimentos, em razão da insegurança e o tumulto, gerados interna e externamente.
O clima radical da Nação causa intranquilidades e tensões diárias. Certas mudanças – absolutamente necessárias, como a Reforma da Previdência – quando as propostas não são aceitas “in totum”, integralmente, quer sejam do governo, ou daqueles que negam a necessidade de fazê-la, provocam insultos e “epítetos” de ser contra o Brasil (governistas proclamam), ou “direitista contra os oprimidos” (usado pelo PT e seus seguidores).
Historicamente, a origem do radicalismo está na Revolução Francesa, através do combate ao chamado “antigo regime” (os jacobinos), contra os privilégios da nobreza e do clero. Note-se a semelhança com a expressão usada hoje no Brasil de “velha política”.
Foi o radicalismo que influenciou a obra de Karl Marx (a origem do comunismo), por meio da adoção do princípio do “determinismo histórico”, defendido por Feuerbach, filosofo materialista alemão. A tese era que as sociedades caminhariam irreversivelmente para a “luta de classes”, como forma de superação das injustiças do capitalismo, através de métodos radicais, que abririam chances para o proletariado tomar o poder da chamada burguesia (princípio da dialética: tese, antítese e síntese, herdados de Hegel).
Pois bem, no Brasil atual o radicalismo, sinônimo de intransigência política, tem prosperado, mesmo estando no poder um governo conservador, que em tese não poderia adotar essa regra.
Quando se analisa a influência do “mercado” nas pressões favoráveis às reformas, tudo se complica.
Os segmentos econômicos passaram a ter um protagonismo útil no debate nacional. Não se pode debater os rumos do país, sem a presença necessária das classes empresariais, que pagam impostos e ofertam empregos.
Entretanto, a dosagem excedeu-se.
Certos segmentos representativos de tais classes assumem posições de notório “radicalismo” e denominam de “vermelhinhos”, “petistas”, “contra o Brasil”, quem pondera com sensatez que o mercado deverá estar a serviço do povo brasileiro e não o povo brasileiro a serviço do mercado.
Quem assim fala não é contra mercado, o que seria uma insensatez.
O mais grave é que o governo tem encampado esse radicalismo e vive o irrealismo de que a opinião pública lhe é favorável.
Pura ficção!
A opinião pública é favorável, por exemplo, a reforma da previdência, desde que a proposta oficial seja “palatável” e complementada rapidamente (ou simultaneamente) por outras reformas urgentes e inadiáveis, para não gerar injustiças, tensões políticas e sociais, em médio e longo prazo no país.
O que quer dizer palatável?
Aumentar a idade-limite para as aposentadorias é inquestionavelmente necessário. O mundo todo age dessa forma. Não se deseja que o Brasil mantenha a sua previdência como é hoje, após os avanços tecnológicos.
O não palatável, por exemplo, é que seja “aprovada a desconstitucionalização”, inserida na proposta oficial. O “povão” não tem consciência plena, de que essa “pegadinha” vai permitir no futuro, através de simples lei ordinária (facilmente aprovada pelos governos, por maioria simples) o aumento da idade-limite ao sabor da política dominante (uso do “gatilho”, escondido no texto), das alíquotas, revogação de direitos etc.
Embora se saiba e aceite, que a economia nacional corre risco e providencias urgentes terão que serem adotadas, não se justifica o “terrorismo oficial” de anunciar a desgraça da recessão, com atrasos de salários, proventos e a ameaça do Brasil transformado numa nova Venezuela.
Até para a possibilidade de liberar o FGTS (que é uma urgência social, diante do numero de sofridos desempregados), o governo “ameaça !!!!”, exigindo em troca a aprovação antecipada da reforma da previdência.
Afinal, o que tem a ver o trabalhador sem emprego, com a decisão futura do Congresso?
Se para liberar o FGTS for aguardada a aprovação da reforma da previdência, muitos necessitados já terão sucumbido, diante da triste realidade de não poderem sobreviver.
Portugal fez uma reforma previdenciária há mais de cinco anos e usou regras de transição de equilíbrio, gradativas, que não “sufocam” os assalariados, servidores públicos, beneficiários da previdência, em nome do combate ao déficit. Os portugueses adotaram a técnica legislativa da legislação temporária, que permite mudanças graduais e a possibilidade de manter a regra de mudanças, ou revoga-la, em período pré-determinado. Ainda hoje a idade limite cresce ano a ano, pela regra de transição adotada.
Na Reforma da Previdência, não se justifica rejeitar e considerar “ante Brasil”, o debate de alterações sensatas na proposta oficial, que não se significarão “farra fiscal”, tais como: em relação à pensão por morte; mudanças das rígidas e inflexíveis regras de transição (retira gratificações legais), que nivelam por baixo, punindo o servidor público, que ingressou por concurso e não desfruta de privilégios; regulação das aposentadorias especiais; normas cruéis para o trabalhador rural e BPC; novas alíquotas de contribuição para servidores, embora aceitável que os ganham mais, paguem mais, o que não se coaduna com a proposta escorchante, em tramitação; e o nefasto regime de capitalização, já revogado no resto do mundo e que nada mais é do que fortalecer o sistema financeiro.
Diante do quadro nacional confuso, a proposta do “pacto” foi uma boa ideia do Presidente Bolsonaro.
Depende como serão vencidas as barreiras daqueles que torcem pelo “pior melhor” e colocam barreiras, até em intenções como essa.
Nesse aspecto, o governo precisa ser fortalecido, para seguir adiante.
Isso não significa cooptação dos poderes.
O Judiciário, por exemplo, apenas irá compor a unidade nacional de aceitação da necessidade de reformas.
Não se pode interpretar tal posição, como incompatível com julgamentos futuros do STF.
Quem aprovará as reformas será o Congresso Nacional.
Se alguma inconstitucionalidade ou injuridicidade subsistir, jamais o STF terá compromisso de mantê-las. Ao contrário, continuará julgando com independência.
O mais grave seria os poderes constitucionais não caminhando unidos nesse momento de crise nacional.
Se tal situação anômala ocorresse, o “passado” poderia voltar no futuro, com a revolta das massas pelas injustiças cometidas.
Esse retorno, evidentemente ninguém deseja. Por tal motivo, o “radicalismo” que se dissemina, de forma epidêmica, deve ser evitado.
Sem diálogo e tolerância, não haverá saída para o Brasil.
Por Ney Lopes – jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente do Parlamento Latino-Americano, procurador federal – [email protected] – blogdoneylopes.com.br