04/06/2019 11:56
Jornalista acredita que o atual governo perdeu popularidade e que diante disso, a corrida presidencial pela sucessão de Bolsonaro, já começou
Em um comentário na semana passada o presidente Jair Bolsonaro explicou como massacrou o favorito do establishment Geraldo Alckmin nas eleições do ano passado. “Eu comecei muito antes. Quando Alckmin acordou, eu já estava no outro lado do oceano, e ele não conseguiu alcançar este capitão da artilharia”, comparou. É verdade. Já em 2015, na esteira dos primeiros protestos contra Dilma Rousseff, Bolsonaro seguia uma agenda de transmissões constantes via Facebook, entrevistas explosivas para programas populares e viagens pelo país.
Nos encontros e posts nas redes sociais, JB vocalizava mais alto que qualquer um a indignação causada pela Operação Lava Jato, monopolizando o antipetismo radical. Ele insistiu na denúncia do falso kit gay e na ameaça da educação de gênero para se aproximar dos evangélicos. Seu histórico pelo fim do Estatuto do Desarmamento e contra o Movimento Sem Terra o tornaram simpático aos ruralistas. O seu discurso de que bandido bom era bandido morto fizeram de JB um ícone dos policiais e dos apresentadores de programas do mundo cão.
Enquanto Alckmin ora se irritava com o namoro de Fernando Henrique Cardoso com a candidatura de Luciano Huck, ora perdia tempo para refugar as articulações de João Dória, Bolsonaro se transfigurava de um deputado do baixo clero para o “mito” carregado nos ombros pelos seguidores nos aeroportos. Em dezembro de 2015, JB tinha 4% nas pesquisas Datafolha. Um ano depois, 9%. Em maio de 2017, quando JB ainda nem conhecia Paulo Guedes, ele já estava com 17% e em segundo lugar.
Agora, o estilingue virou vidraça. Bolsonaro é o establishment, a quem os brasileiros devem cobrar medidas de retomada do crescimento e de melhoras nas condições de vida. Na defensiva, Bolsonaro encolheu. Os 65% dos brasileiros que, em dezembro, esperavam um bom governo foram reduzidos à metade. A política virou triparte: um terço segue fiel ao capitão, um terço o rejeita totalmente e o último terço é uma combinação de desiludidos com Bolsonaro, PT, o PSDB e a política em geral. Esses vão eleger o próximo presidente.
Quem quiser enfrentar o capitão de artilharia terá que cair na água logo. O eventual sucesso do governo fará o presidente favorito à reeleição; o fracasso completo permitiria o ressurgimento do PT, hoje mais ocupado em manter seu eleitor hard-core do que buscar a maioria. Qualquer outro resultado do governo JB abre a oportunidade para outros candidatos.
Quatro deles apoiaram Bolsonaro no segundo turno e terão a delicada escolha de achar o momento certo para o rompimento. João Doria ganhou o governo de São Paulo pela menor diferença da história porque investiu todas suas fichas no bolsonarismo. Terá dificuldades para explicar um afastamento, ainda mais carregando a fama de ter traído Geraldo Alckmin. Doria deu um passo um importante no fim-de-semana ao assumir o controle do PSDB, mas não teve força para se livrar da nódoa Aécio Neves.
Maior surpresa das eleições de 2018, João Amoêdo tem feito do Novo uma das experiências partidárias mais interessantes desse século, mas o êxito vem junto das responsabilidades. Filiado ao Novo, Ricardo Salles é o pior ministro do Meio Ambiente da história. O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, não se mostrou à altura do desafio da desastre de Brumadinho. A bancada do Novo no Congresso opera como uma sublegenda do PSL. Na nova candidatura, Amoêdo terá de reforçar o que o difere de Bolsonaro.
Pesquisas de grupo mostram que Luciano Huck tinha uma chance real em 2018, mas não está claro se em 2022 haverá um novo momento a favor de outsiders. Para abrigar o apresentador, o antigo PPS mudou de nome para Cidadania, mas ficou do mesmo tamanho nanico de antes. Sem experiência política, Huck é uma incógnita.
O quarto nome é o mais perto do rompimento. Presidente da Câmara, Rodrigo Maia não é popular. Teve apenas 74 mil votos na reeleição e não conseguiu carregar o pai para uma das duas vagas de senador do Rio. Mas é poderoso. Teve dois de cada três votos para dirigir a Câmara e vem tomando da oposição o papel do antibolsonaro. A turba governista percebeu e centrou no presidente da Câmara a sua ira nos atos de 26 de maio.
Hoje é Maia e não o ministro Paulo Guedes que tranquiliza o mercado ao assegurar a aprovação das reformas da previdência e tributária, enquanto pisca para o centro e promete segurar as pautas de comportamento do governo. Nas edições desta segunda-feira, os jornais O Estado de S. Paulo e O Globo deram destaque aos ataques de Maia ao governo. Falou da possibilidade de um colapso social, desmereceu o ministro da Educação e acusou o governo Bolsonaro de não ter agenda. Mais explícito impossível. 2022 já começou.
Por Thomas Traumann, 51 anos, é jornalista, consultor de comunicação e autor do livro “O Pior Emprego do Mundo”, sobre ministros da Fazenda e crises econômicas. Trabalhou nas redações da Folha de S. Paulo, Veja e Época, foi diretor das empresas de comunicação corporativa Llorente&Cuenca e FSB, porta-voz e ministro de Comunicação Social do governo Dilma Rousseff e pesquisador de políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Dapp)