08/07/2019 14:43
”O povo não destrói ídolos por impulso; Moro tem poupança de credibilidade; As ‘provas’ não são a questão central”
Saem as primeiras ondas de pesquisa após os vazamentos sobre a Lava Jato. Mostram um desgaste na imagem do ex-juiz Sérgio Moro, mas exibem sobretudo uma solidez de seus atributos perante grande parte da sociedade. Guinada conservadora? Punitivismo seletivo do ponto de vista ideológico? Não, Moro se beneficia de um dos traços de nossa ancestralidade social, tão arraigado que já protegeu com seu manto indulgente inclusive seu hoje antípoda nas tramas da História: a atávica e benevolente compulsão oficialista da gente brasileira.
Ou, colocando de outra forma, um certo senso de ponderação de não destruir seus ídolos por impulso instantâneo (a não ser que a decepção seja tão aterradora que não haja como fingir que não viu). Se Lula passou o Mensalão inteiro e se reelegeu presidente da República batendo na tecla de que “não sabia” de nada, por que hoje Sérgio Moro não pode simplesmente “não lembrar” do que digitou ou não?
O Lula do Mensalão não era algo que havia surgido do éter. Era uma criação política caprichosamente construída e burilada no imaginário popular ao longo de décadas: o nordestino humilde, o líder sindical corajoso, o político de origem radical que após quatro tentativas alcançara a presidência da nação e a conduzia com serenidade e um compromisso com a inclusão social e os menos favorecidos.
Parecia crível do ponto de vista estritamente lógico que um líder político que encarnava e centralizava todas as principais decisões realmente importantes do PT “não soubesse” de um esquema de compra de votos de parlamentares para dar sustentação ao seu governo e à sua presidência? Logicamente que não. Como logicamente parecem pouco convincentes as primeiras reações à força dos vazamentos da Vaza Jato.
Mas quem disse que o povo julga com imparcialidade? Sem trocadilhos, julgar com imparcialidade é função de juízes e não de eleitores. As sociedades julgam com paixões e absolvem culpados e condenam inocentes. É por isso, inclusive, por causa do clamor, que o trabalho de um judiciário técnico e acima das paixões, de um Supremo corajoso e imune às ladainhas de cada época, é por isso mesmo que a Justiça é tão importante e jamais pode ser conspurcada: porque nos, cidadãos, somos bestas feras que ora absolvemos Lula contra todos os indícios eloquentes possíveis, ora majoritariamente queremos vê-lo mofar na cadeia, mesmo que o conjunto probatório do ponto de vista técnico seja pálido.
E o ex-juiz Sérgio Moro, hoje, desfruta da mesma bipolaridade moral que um dia já imantou Lula e o PT. Sua folha de serviços prestados ao país, no espinhoso capítulo do combate à corrupção e aos poderosos interesses antes intocáveis, é uma criação política caprichosamente construída e burilada no imaginário do país ao longo dos últimos cinco anos: o do intrépido agente da lei que corajosamente enfrenta aqueles que eram considerados invencíveis em nome do interesse público e da sociedade. Tal como Lula no Mensalão, Moro possui uma poupança de credibilidade –e as pesquisas mostram– flutuante mas com bastante liquidez em termos de capacidade de se fazer apoiar.
A questão fundamental é: Moro 19 é Lula 05? O ministro será capaz de resistir tanto hoje quanto o ex-presidente 14 anos atrás? Há muitas variáveis em questão. Primeira, Lula governava um Brasil que dava certo. Se o governo Bolsonaro trouxer prosperidade, por que discutir Moro não é verdade? Do outro lado, se a economia patinar, será preciso alimentar a fome insaciável da guilhotina –e guilhotinas degustam cabeças. Lembremos que Lula tinha mandato. Moro não. Claro, também vai depender da nova persona em que o ex-juiz vai se transformar, agora escancaradamente político. Temos um novo político no palco, com a história do mito da Lava Jato e todo sua nova forma de performar. Por falar em mito, como o presidente vai conviver com essa sombra? E, por fim, que “provas” irão surgir? No caso do mensalão, não havia fragmentos digitais, áudios de Lula. Neste caso haverá? Mas, como se vê, as “provas” são o que menos importa.
Por Mario Rosa, 54 anos, é 1 dos mais renomados consultores de crise do Brasil. Foi o autor do prefácio do primeiro plano de gerenciamento de crises do Exército Brasileiro. Atuou como jornalista e consultor.