19/08/2019 16:35
”Em 1967 o ex-governador da Guanabara, Carlos Lacerda, falava à TV Tupi. Junto com os ex-adversários, João Goulart e Juscelino Kubitschek”
Cito trecho da Folha de São Paulo do dia 31 de março de 2017, naquilo que já apelidei como “A Batalha de Congonhas”:
– Bolsonaro caminha em direção à câmera e faz um gesto com as mãos, orientando o autor da filmagem a se virar para captar sua aproximação ao juiz —que conversava com um grupo na frente de uma lanchonete de pães de queijo.
“O deputado se aproxima da roda e tenta começar uma conversa. “Doutor Moro”, diz, saudando-o com um gesto tímido de continência e um tapinha no ombro do juiz, que responde com um aceno rápido de cabeça e, aparentemente, sai sem falar nada”.
Estavam ali dois símbolos: a moral e a ordem. E a moral se esquiva de qualquer contato com a ordem. Coincidência? Apenas a auto-proteção de um ainda então juiz ultra-popular tentando escapar do assédio de um candidato populista de ralas chances, àquela altura, de subir a rampa presidencial e querendo canibalizar o prestígio da Lava Jato? Em parte.
Mas o episódio tem raizes históricas mais profundas e, agora que o ex-juiz Sérgio Moro é ministro do hoje presidente Jair Bolsonaro, enquanto a Lava Jato e Moro enfrentam duros questionamentos vindos de todo lugar, é bom lembrar um princípio que poderia ser elevado quase que à categoria de axioma da política brasileira: a maior inimiga da moralidade nunca foi a imoralidade, assim como a maior adversária da ordem jamais foi a desordem. Para todos os efeitos práticos, ordem e moral sempre foram antagonistas políticos, com casuais e momentâneas alianças circunstanciais.
A grande questão é que para o povo ordem e moral são quase irmãs gêmeas, são da mesma família, primas em primeiríssimo grau. Mas a verdade é que, politicamente, elas não são a mesma substância. Havia ordem nos campos de concentração. Há ordem nos desfiles militares das ditaduras mais sanguinárias. Há ordem nos gramados perfeitamente aparados do palácio onde reina o opressor. O que não há é moral.
Mas, lá fora, muitos nem se dão conta. E a grande massa leva uma coisa por outra facilmente. A ordem é um genérico da moral, politicamente falando. E às vezes pode ser seu antídoto, mesmo que continue parecendo absolutamente moralista aos olhos da grande maioria.
No Brasil, particularmente, tivemos batalhas campais memoráveis entre a ordem e a moral ao longo do tempo. E a Moral, esse é o fato, é freguês: perdeu todas as finais de campeonato. Getúlio Vargas, o fanfarrão que fora ministro da Fazenda de Washington Luís, epítome da “Velha República”, montou o cavalo da “Revolução de 30” e, turbinado pela fraude do “assasinato” de João Pessoa (crime passional), toma o poder e chega ao Palácio do Catete cercado pelos lavajatistas da época: eram chamados de “tenentistas”. Da-lhes poder, amplos espaços e, assim que pode, passa-lhes a perna e, em 1937, torna-se ditador em nome da…ordem!
O regime de 1964 tinha um pelotão de lavajatistas, o principal deles Carlos Lacerda, autor de expressões lapidares, como “mar de lama”. Era o Olavo de Carvalho da UDN, só que com a pretensão de sentar na mitológica cadeira presidencial.
O lacerdismo minou o quanto pode, primeiro, Vargas. Depois, JK. Enfim, Jango. Derrubaram a democracia. Ganharam? Bem…digamos que foram como os primeiros esquadroes da infantaria na invasão da Normandia, no dia D, na retomada da Europa pelos aliados na segunda guerra mundial. Lideraram a batalha, mas quem fincou a bandeira de vitorioso? A ordem! Os militares cassariam Lacerda e a Moral escorreria pelo ralo da irrelevância, quanto mais o regime se fechava.
Mesmo na redemocratização: Maluf era o mal. A moral estava com Tancredo ao lado da ordem. Morreu Tancredo. A ordem ficou ao lado de Sarney e não com o moralismo radical de Ulysses Guimarães.
Então, seu imoral, você está querendo dizer que a moral e o Brasil nunca vão ter um encontro marcado? Não, o imoral aqui não está dizendo isso. O que o imoral está demonstrando é que o moralismo é um excepcional solvente para dissolver a patina das democracias.
Os moralistas esmerilham o brilho do sistema democrático, lixam, tornam-o áspero, cru, repugnante ao toque e desagradável de se ver. Então, as pessoas jogam fora essa coisa horrenda. E o poder cai em outras mãos. Em geral, a Moral e a Ordem estão juntas para recolher o entulho.
Mas há uma diferença nessa hora: togas e broches parlamentares valem muito, mas baionetas valem muito mais. Por isso a Ordem costuma ser mais persuasiva e dar a palavra final. A Ordem agora está por cima e a Moral não está no seu melhor momento. Moral da história? Com ordem tudo se ajeita.
PS: Por acaso o pavilhão nacional tem escrito Moral e Progresso?
Por Mario Rosa, 54 anos, é 1 dos mais renomados consultores de crise do Brasil. Foi o autor do prefácio do primeiro plano de gerenciamento de crises do Exército Brasileiro. Atuou como jornalista e consultor.