31/10/2019 14:59
”A grande questão será a conscientização dos líderes (políticos e empresariais), de que, nem a Democracia, nem o capitalismo, atingirão níveis de estabilidade satisfatórios…”
Na atualidade, “línguas de fogo” mobilizam protestos em cidades como Quito, Caracas, Londres, Barcelona, Paris, Beirute, Hong Kong, Santiago, Buenos Aires, Lima, México e até mesmo Bagdá, Argel e algumas nos Estados Unidos.
As “labaredas” atestam o fracasso das correntes políticas de esquerda, direita, liberais, socialistas, comunistas, conservadores, no exercício do poder global.
A indiana Gita Gopinath, economista-chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional), órgão símbolo do capitalismo, adverte que “a próxima crise mundial, certamente será causada por algo que não aprendemos”.
Ela se refere ao colapso da Democracia e do capitalismo, que não sabem, ainda, como evitar a insatisfação social, em ascensão.
Com a responsabilidade de dirigir o FMI, Gita considera como principal causa a “desigualdade social”, “que não se dá pelo fato das pessoas receberem quantidades diferentes por suas diferentes habilidades e sim porque vivemos em um sistema em que as empresas aumentaram seu poder de mercado, não pagam os impostos que devem, e nada disso é bom para a globalização. A grande preocupação é que talvez não tenhamos o nível de concorrência que deveria existir, e esse é um problema econômico”.
Defensor do mercado livre desregulamentado, o jornalista Martin Wolf, analista econômico do jornal liberal britânico “Financial Times”, concorda com Gina e identifica como causa da crise nas democracias e no capitalismo, a descrença popular nos dirigentes, por eles não serem capazes de garantir acesso aos benefícios sociais e econômicos à maioria dos cidadãos.
Wolf destaca a “armadilha da desigualdade”, decorrente da renda concentrada, que aprisiona sobretudo a classe média, cuja opção é oscilar nas eleições, entre “elites predadoras” e “populistas predadores”.
Até o “Fórum Econômico Mundial” (Davos), a “Meca” do sistema capitalista mundial, reconhece que grande parcela da população está obrigada a viver com menos, trabalhar mais e reajustar até mesmo os seus sonhos.
Em países da Europa, Canadá e Estados Unidos, os mais pobres terão que esperar quatro ou cinco gerações para serem considerados classe média.
Vejam-se os fracassos de políticas econômicas concentradoras de renda. A sociedade chilena, apesar de relativo sucesso econômico, manteve-se altamente desigual e enfrenta crise sem precedentes.
O Presidente Piñera (empresário, centro-direita) reconheceu publicamente não ter dado prioridade no seu governo à políticas de redistribuição da renda e pediu perdão ao povo. Anunciou “pacote social, com aumento de 20% nas pensões, em função da Previdência ter se transformado em “desastre social” e ser apontada como causadora do aumento de suicídios no país.
Inexplicavelmente, repete-se no Brasil a heresia do Chile ter o melhor sistema previdenciário da América Latina.
Na Argentina, o presidente Macri, derrotado na eleição presidencial, abriu a economia e atendeu ao mercado, sem restrições. O resultado é que herdou índice de pobreza de 29% e entrega com 37%.
Faltou-lhe a indispensável visão social.
A opção do cidadão argentino nas urnas foi o “salto no escuro”, que ressuscitou a ex-presidente Cristina Kirchner. A esperança é o eleito, Alberto Fernández, conter a inegável ânsia populista e predadora de sua vice.
Esses fenômenos políticos trazem como consequência nefasta, o risco de crescimento do “populismo” e de “soluções autoritárias”, que utilizam a “decepção popular” para chegar ao poder, vendendo ilusões.
Alguns economistas, como o falecido Martin Feldstein, argumentam que o problema não é a diferença entre as classes sociais, e sim a pobreza, e que, se essa última for reduzida, a distância em relação aos mais ricos não deveria importar.
Entretanto, o FMI pensa o contrário. Entende que o dinheiro concentrado em parte da população, fatalmente reduz a demanda e gera prejuízos para indústria e comércio. Muitas crises se prolongam, em função dessa realidade.
A grande questão, portanto, será a conscientização dos líderes (políticos e empresariais), de que, nem a Democracia, nem o capitalismo, atingirão níveis de estabilidade satisfatórios e de preservação das liberdades, com a renda concentrada.
Cedo ou tarde, tal cenário conduz ao caos e a revolta coletiva.
Ninguém duvide!
Por Ney Lopes – jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente do Parlamento Latino-Americano, procurador federal – [email protected] – blogdoneylopes.com.br