01/11/2019 15:12
”Brasil e Argentina, o clássico. Vizinhos se estranham, mas bailam. Estranhamento entre Fernández e o Mito é sinal de que o tango já começou”, aponta Mario Rosa
Ah, esses portenhos…sempre parando o baile de nuestra América e chamando atenção de todos os olhares para o centro do palco, onde deslizam com suas milongas que parecem canhestras, bizarras, mas que hipnotizam, seduzem e nos chamam para dançar. Eis mais uma vez a Argentina nos convidando para o salão, para o tango que de tempos em tempos faz calar o samba. E o Brasil, se olharmos o passado recente, deixou-se levar nos braços desse parceiro da História, seguindo seus passos, suas piruetas, suas pausas compassadas, imprevisíveis, seus rodeios e rodopios. Será que vai acontecer mais uma vez? Vamos cair no tango (como sempre) ou desta vez será a Argentina que irá sambar?
Como 2 passistas engalfinhados, Brasil e Argentina há muito cumprem uma coreografia que lembra um balé. O Brasil caiu nas mãos militares em 1964, los hermanos, em 1976. E desde então vimos seguindo seus passos. Alfonsin foi eleito presidente em 1983. Collor em 1990. Menen tirou da cartola 1 “plano de estabilização”, o “Plano Cavallo” em 1990. Collor lancou o plano Collor. A Argentina comeu o pão que o diabo amassou com as crises cambiais dos anos 1990. Lo mismo, en Brasil. Fomos para o presidente de esquerda Lula, lá foram eles com Kirchner. E depois sua viúva, Cristina e, nós, com Dilma. Foram eles para a direita com Macri e fomos nós, com o Mito. E agora o tango dá uma guinada.
Alberto Fernández e Jair Bolsonaro colocam Brasil e Argentina em apostas díspares, mais uma vez. Ao longo do tempo, esses 2 dançarinos –os maiores da América do Sul– encontraram uma forma de acertar o passo e dançar no mesmo ritmo. Como será agora? A primeira atitude do presidente eleito da Argentina foi devolver a estocada que recebeu ao longo da campanha do presidente Bolsonaro. Ora, o presidente brasileiro qualificou inúmeras vezes a vitória de Fernández como reprocesso e declarou que torcia para seu opositor, Mauricio Macri. Quando o presidente argentino discursou e tascou 1 “Lula Libre”, Bolsonaro sacou o extravagante argumento de “intromissão indevida” nas questões nacionais. Como? O tango já começou…
O presidente Bolsonaro, já sabemos, pode falar o que quiser. Mas fazer? Fazer ele só faz o que ele pode. Nem no PSL, coitado, ele manda no Delegado Waldir. Então, fiquem tranquilos os que preveem o caos com a Argentina: se nem a Venezuela o Exército encarou né? O fato concreto é que falar pode tudo. Mas fazer é bem complicado. Ainda mais no caso da Argentina. Boa parte do racional das empresas automobilísticas instaladas no Brasil –apenas para falar de 1 setor– é que elas não estão instaladas no Brasil. Elas estão na América do Sul e tem uma base no Brasil, com uma ramificação importante com a Argentina. Ministro Paulo Guedes, eu acho mais fácil o senhor nomear o Queiroz pro Banco Central do que implodir o Mercosul.
Por enquanto, Brasil e Argentina podem até ficar se estranhando nos discursos políticos. Nada mal. Bom pros 2 lados. O Mito fica secando os hermanos e vice-versa. Enquanto isso, o jogo vai passando, a bola vai rolando e 1 lado e outro tenta ver se surge alguma oportunidade para 1 arremate. Brasil e Argentina sempre foi 1 clássico né? Jogo catimbado, com marcação cerrada, qualquer vacilo e muda a história da partida. O Mercosul tinha tirado esse clima de mata-mata das relações entre os países. Agora, a diplomacia quer reeditar o antigo clima dos estádios de futebol. Tempos estranhos estes. O Brasil e Argentina provoca mais gritaria fora do que dentro dos gramados. O futebol realmente já não é mais o mesmo.
Por Mario Rosa, 54 anos, é 1 dos mais renomados consultores de crise do Brasil. Foi o autor do prefácio do primeiro plano de gerenciamento de crises do Exército Brasileiro. Atuou como jornalista e consultor.