Opinião – Do mundo animal à política, é tudo marketing

17/03/2020 00:07

”Pássaro macho canta alto para sinalizar que é saudável e tem bons genes; políticos agem parecido. Resultados são a base de uma marca. Máxima é ameaça a governos”

O pássaro macho canta alto para sinalizar que é saudável e tem bons genes, o que atrai potenciais fêmeas e mantem afastado competidores pelo mesmo território. O chifre do alce tem a mesma função de domínio e sinalização de saúde, facilitando o acasalamento. Já no caso dos leões, quanto maior e mais escura a juba, melhor.

De fato, no mundo animal a regra é que as características físicas ou certos comportamentos nos machos sirvam para propagandear o que é intangível (a qualidade dos genes), especialmente quando se trata de seleção sexual.

A enganação também é comum na Natureza. Muitos animais apresentam características físicas que comunicam perigo a potenciais predadores, como as cores das asas de uma borboleta, ou usam artifícios para atrair suas presas, como a aranha que cria uma armadilha fatal para traças, ao emitir odor similar ao do hormônio sexual produzido por sua presa.

Gosto de dizer que esses casos exemplificam uma espécie de marketing do mundo animal, em que comportamentos ou atributos físicos servem para sinalizar –ou simular, com segundas intenções– qualidade, perigo ou oportunidade.

Essa dualidade entre comunicação verdadeira e trapaça também ocorre no nosso mundo de cá, o dos primatas com pouco pelo e pouco juízo.

Aqui, a propaganda e o marketing têm uma função nobre no nosso mundo essencialmente simbólico, mas não é à toa que também têm má reputação, pois as mesmas ferramentas de persuasão costumam ser usadas para o bem e para o mal.

Porém nós achamos 1 jeito de driblar a trapaça (até certo ponto) e inventamos as marcas como 1 mecanismo confiável de comunicação. Há milhares de anos, os seres humanos já usavam selos e inscrições padronizadas em produtos como vasos, artefatos de metal e gado, com a intenção de informar origem, qualidade, poder ou valor.

Marcas servem, enfim, para comunicar ideias, atributos e benefícios não só de produtos e serviços, mas também de entidades, países e pessoas. O que inclui políticos e seus partidos, sempre à procura de uma “juba” vistosa para seduzir os eleitores.

Pentear a juba é gerir a marca, com o objetivo de construir confiança e reduzir o risco na escolha do eleitor. Com as narrativas certas, a marca se torna um ativo que favorece a lealdade de quem vota. Esse foi, historicamente, o caso do PSDB no estado de São Paulo, por exemplo.

Surpreendentemente, em alguns casos, o eleitor também pode ser fiel a marcas com histórico de problemas. Pense no paradoxo do kirchenerismo-peronismo. A explicação vem adiante.

Em contextos de consumo, é fato que as pessoas percebem nas marcas traços de personalidade, como arrojo ou tradicionalismo. Elas também podem ser conservadoras, subversivas, descoladas, competentes ou paradas no tempo. O mesmo vale para as marcas políticas.

Esses atributos são dinâmicos e podem ser mudados, como vem tentando fazer João Doria ao se referir a um “novo” PSDB. Baita desafio.

Marcas também costumam ser associadas a histórias, inclusive o que uma literatura mais recente tem chamado de histórias de assinatura, aquelas que comunicam a essência da marca de forma envolvente, autêntica e duradoura. Um bom exemplo na política foi Nelson Mandela.

POR QUE ALGUÉM VOTARIA EM CRISTINA?

As marcas comprovadamente fornecem benefícios diversos às pessoas. Esses benefícios não são apenas racionais, mas essencialmente psicológicos, sociais e simbólicos. A chave do negócio é entender que as pessoas se relacionam com as marcas como se estas fossem entes animados. Como é o caso da devoção que existe em relação a certas marcas de eletrônicos, motocicletas e até fast food.

Benefícios emocionais ou psicológicos são comuns no relacionamento com marcas políticas, que costumam conferir identidade a seus seguidores mais fiéis. Bolsonaro, por exemplo, parece apostar na lealdade leonina do “conservador patriota”. Na mesma linha, o peronismo ainda parece ter uma profunda ressonância emocional com os argentinos.

Benefícios sociais, por sua vez, são aqueles que vêm da participação em comunidades dedicadas à causa, que fomentam conexões e a sensação de reconhecimento e pertencimento. A recompensa, em tempos de redes sociais, é viciante e quase imediata.

Já os benefícios simbólicos vêm do potencial da marca em dar significado ao mundo e em se associar, por exemplo, com elementos de modernidade. Por isso a preocupação de políticos e partidos em parecer antenados com o mundo e em usar símbolos do mundo dos negócios. Tem político que até parece boneca de criança. Você aperta e ele diz sem parar: “Gestão, mamãe, gestão!”.

Agora, à exceção de paradoxos como o kirchenerismo, a maioria absoluta das marcas não resiste se os benefícios racionais não são entregues. Os resultados são a base da pirâmide de uma marca política forte. Essa é certamente a maior ameaça ao governo Bolsonaro. Macri que o diga.

 

 

 

Por Hamilton Carvalho, 47 anos, estuda comportamento humano e sistemas sociais complexos. É doutor em Administração pela FEA-USP, mestre em Administração pela mesma instituição, membro da System Dynamics Society e da Behavioral Science & Policy Association.

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