Opinião – Davi Alcolumbre, uma ótima surpresa na política em 2019

24/03/2020 00:02

”Davi Alcolumbre, uma ótima surpresa da política em 2019. Um Oscar de melhor “ator coadjuvante” para ele! Embora não seja…”, Diz Rosa

É fácil falar mal de políticos. É ate lugar comum. Difícil é ver surgir um líder talentoso, de repente, com atributos variados e dissonantes, que vão desde a ousadia e a impetuosidade acima do comum e, simultaneamente, equilíbrio e habilidade na medida certa. Políticos assim são muito raros.

E quando expostos a posições de destaque são testados como se estivessem num túnel de vento: por todas as forças gravitacionais possíveis do poder. A vaidade, a arrogância, a desconexão com a realidade. Pois 2019 é um ano pródigo do ponto de vista político, entre muitas coisas, porque viu um espécime raríssimo desse tipo aparecer.

Hoje presidente do Congresso, o senador amapaense Davi Alcolumbre (DEM) tinha tudo para dar errado. De repente, na sucessão do vetusto Senado da República, o jovem senador de cabelos pretos, investiu-se “presidente interino” da instituição e, por longas dezenas de horas, apareceu para o país como um personagem que se aventurou a estragar a festa do veterano e até então 4 vezes presidente da Casa, Renan Calheiros. Pois Alcolumbre foi duro e truculento de uma forma implacável, mas foi capaz de demonstrar aptidão, serenidade e preparo para ocupar aquela cadeira, naquele imprevisível estágio probatório ao vivo e em rede nacional.

Acabou sendo eleito presidente do Senado e do Congresso e, aí é que está, subiu no touro doido do rodeio e foi então que mostrou que era um peão difícil de derrubar. Conduziu e conduz o Senado como se isso fosse a coisa mais fácil do mundo. Sem crises, sem dramas, sem colapsos.

Sua maior especialidade: fazer todo mundo acreditar que ele é menos relevante do que é. Eleito com apoio do governo, soube se impor na relação com o Executivo e, assim, afirmar a posição do diálogo da instituição que representa. Mas tudo isso com atos cirúrgicos. Sem bravatas. Num ano de tantas polêmicas e declarações desastradas, só se ouviu ponderação e equilíbrio do jovem senador presidente. Fala, politicamente, como um ancião.

Na complexa relação política com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, Alcolumbre soube definir um ponto de equilíbrio dificílimo de alcançar. Afinal, o correligionário Maia, também do Democratas, é a figura de maior dimensão do parlamento. E, no passado recente, essas desproporções de pesos políticos ou as disputas por protagonismo levaram a um embate dentro do próprio Legisltivo, enfraquecendo esse poder e fazendo a balança pender para o outro lado da Praça dos Três Poderes. Alcolumbre soube confinar-se num papel de “coadjuvante”, compreendendo a essência do cargo que ocupa: presidentes do Senado nunca são coadjuvantes de nada. Embora possa parecer conveniente que pareçam ser.

Agora mesmo, na complicadíssima articulação da tramitação dos inúmeros projetos legislativos que tentam fazer valer a prisão em segunda instância –em franco e diametral desrespeito ao que determinou o Supremo Tribunal Federal, o guardião da Constituição– o presidente do Senado soube exercer seu papel de malabarista nas suas múltiplas dimensões.

Buscou, primeiro, um alinhamento com o presidente da Câmara dos Deputados, onde já tramita uma emenda constitucional sobre o tema. Foi contestado pelos senadores que querem aprovar um texto infraconstitucional do próprio Senado.

Poderá dizer que não é apenas presidente do Senado, mas do Congresso. E em tal posição lhe cabe assegurar que um projeto de tal magnitude não possa ser algo fique empacado numa Casa ou nas duas. Deve lutar pela aprovação como um todo. Portanto, sua visão não pode ser apenas a de um presidente de uma das Casas, mas como a do Legislativo como um todo.

Conclusão: Alcolumbre sabia o que estava fazendo quando se aboletou há quase um ano na cadeira de presidente interino do Senado e surpreendeu seus pares, a política, a imprensa e o Brasil. Todos ficaram surpresos com tamanha ousadia e no que, afinal, aquilo iria dar.

Talvez somente Alcolumbre já soubesse que estava suficientemente curtido por dentro e pela política para enfrentar não apenas aquela batalha épica, mas a guerra que é ser presidente do Congresso Nacional. Até agora, o estilo Alcolumbre não poderia ter sido o mais afinado com as mais arraigadas tradições da “Casa Alta”, da democracia: firmeza na defesa da instituição, mas sem resvalar para o desequilibro; habilidade no relacionamento político, mas sem demonstrar ingenuidade. Davi Alcolumbre, uma ótima surpresa da política em 2019. Um Oscar de melhor “ator coadjuvante” para ele! Embora não seja…

 

 

 

Por Mario Rosa, 54 anos, é 1 dos mais renomados consultores de crise do Brasil. Foi o autor do prefácio do primeiro plano de gerenciamento de crises do Exército Brasileiro. Atuou como jornalista e consultor.

Tags: