Opinião – Transparência e impessoalidade, sempre

11/04/2020 00:13

”Retaliação contra jornais viola o princípio da impessoalidade; prefeito do Rio promove retaliação; acesso a informação é 1 direito”

Segundo o filósofo italiano Norberto Bobbio, a democracia é o sistema de governo em que se exerce o poder público em público. Público, para ele, é conceito com dois importantes sentidos simultâneos, opondo-se ao privado, e, ao mesmo tempo, ao secreto.

Por outro lado, a essência republicana necessariamente passa pela negação dos poderes absolutos e concentrados, pela aversão ao individualismo egoístico, pela resistência à cultura do compadrio, do clientelismo, sendo-lhe imprescindível a demarcação da linha divisória entre o público e o privado –refiro-me à necessidade incontornável do exercício impessoal do poder.

Tão visceral a importância da transparência e da impessoalidade, que assumiram em nossa Carta Magna o papel de princípios constitucionais, ao lado da moralidade, da legalidade e da eficiência. E princípios constitucionais são muito mais que regras coercitivas, são nossos grandes nortes políticos.

Estes elementos, a meu ver, possuem um pressuposto que é, ao mesmo tempo, denominador comum, da inarredável preponderância da ética, da prevalência do bem comum antes de tudo no campo da administração pública.

Por tais motivos, causa extrema perplexidade a reação do prefeito do Rio de Janeiro, alvo de matérias a ele desfavoráveis publicadas em veículo de imprensa respeitado nacionalmente acerca de seu envolvimento em atos ilícitos.

Refiro-me ao fato de ter declarado publicamente que não mais concederia, como óbvia retaliação, entrevistas ao mencionado veículo, o que gerou pronta reação negativa geral, inclusive pronunciamento contundente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).

Sem adentrar o mérito das reportagens, podemos até compreender o fato de ter ficado aborrecido ao ler as matérias. Tem o direito de se sentir injustiçado, assim como pode e deve exercer o direito de resposta, mostrar seu lado, sua versão sobre os fatos, fornecendo à sociedade elementos abrangentes para formar sua convicção sobre eles.

O que não pode é adotar a postura mesquinha da retaliação, violando o princípio da impessoalidade, cometendo abuso de poder por desvio de finalidade na prática de atos administrativos que lhe cabem dentro do campo do cumprimento de seu dever de prestar contas com impessoalidade. Todos os veículos merecem respeito e tratamento isonômico.

Inclusive no campo da contratação de assinaturas pelo poder público, não sendo plausível à luz dos princípios éticos da república que veículos de prestígio nacional sejam excluídos de licitações quando atendem os requisitos legais por meras birras ou descontentamentos pelas matérias que publica.

Quem deve fazer juízo de valor sobre os conteúdos é o leitor. Obstaculizar o pleno direito de acesso à informação é, além do aspecto da violação do dever de impessoalidade, ato de censura, restritivo a direitos fundamentais, vedado por nosso ordenamento jurídico.

Neste cenário, foi também bastante preocupante tomar conhecimento há poucos meses, segundo relatório da Repórteres sem Fronteiras, que o Brasil, além de ter caído 36 posições nos últimos 5 anos em matéria de percepção da corrupção segundo a Transparência Internacional, está em vias de ocupar o indesejável posto de país perigoso para o exercício da profissão de repórter pelo risco de morte inerente a ela.

A sociedade, diariamente baqueada pelas revelações feitas pela imprensa, tem o direito de ser informada plenamente, de fiscalizar e o direito de ser governada por homens e mulheres com compromisso absoluto com a transparência e com a impessoalidade, em virtude do que nutre a expectativa que tais atitudes não republicanas sejam repensadas para que o interesse maior da sociedade sempre prevaleça em detrimento de arroubos mesquinhos e autoritários no exercício do poder.

 

 

 

 

Por Roberto Livianu, 51, é procurador de Justiça, atuando na área criminal, e doutor em direito pela USP. Idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção. É comentarista da bancada do Jornal da Cultura, articulista da Folha de S. Paulo e do Estado de S.Paulo, e colunista da Rádio Justiça, do STF

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